02 Fevereiro 2023
"Albó, foi um dos intelectuais e pesquisadores que mais se destacou nas últimas décadas, na ação dos processos sociais, políticos e históricos da América do Sul, em especial, na realidade rural e indígena da Bolívia. Foi um lutador incansável por uma sociedade nova, por um Estado plurinacional, com autonomia e autodeterminação dos povos indígenas, com pleno exercício dos seus direitos", escreve Egydio Schwade, filósofo, teólogo e um dos fundadores do Conselho Indigenista Missionário - CIMI, em artigo publicado por Casa da Cultura do Urubuí, 31-01-2023.
Semana passada meu amigo e compadre, Wilmar D’Angelis, professor da UNICAMP, me comunicou a morte do nosso amigo Pe. Xavier Albó, sj.
Padre Xavier Albó proferindo conferência no IHU, 2015. (Foto: IHU)
Desde os anos 70, quando fui Secrretario Executivo do CIMI e Albó, fundador do CIPCA, já nos comunicávamos. Mas pessoalmente só nos conhecemos em 1999, em Tauca/Venezuela, numa reunião dos jesuítas da América Latina que trabalhavam com indígenas. Tauca, era então a sede de uma missão indigenista protagonizada pelo Ir. José Korta, sj, um jesuíta revolucionário que de forma solitária e teimosa, sustentava aquela missão e ali criou a Universidade Indígena da Venezuela-UIV. Albó tornou-se um amigo da família, desde aquele nosso primeiro encontro em Tauca e, inclusive, nos brindou com uma carinhosa e inesquecível visita aqui na BR-174.
Sempre participando do mesmo grupo de jesuítas com trabalho indigenista, voltamos a nos encontrar, anos depois, em Andahuillas/Peru, em Palenque/México e em Cochabamba/Bolívia, um mês antes das eleições que levaram Evo Morales ao poder daquele país.
Pe. Albó foi o criador do Centro de Investigación y Promoción del Campesinado. CIPCA tem muito mérito na organização dos povos indígenas da Bolivia, Peru e Equador. Foi fundado em 1971. Quando fui Secretario Executivo do CIMI, mantive contato frequente com este organismo. E em meados de 1978, Egon Dionísio Heck, Coordenador do CIMI-Sul e eu, fizemos uma viagem pelo Paraguai, Argentina e Bolívia. A viagem teve dois objetivos bem distintos:
Egon e eu fomos das poucas pessoas que sabiam que naqueles dias iniciaria o levante do povo Kaingang de Nonoai, contra os invasores de sua área. Para evitar que os militares responsabilizassem o CIMI de estar insuflando os índios e justificassem uma eventual interferência contra a luta desse povo, nos retiramos do país.
Realizar um sonho que nos perseguia que era partilhar a nossa experiência de luta indigenista no Brasil, com o movimento indígena e indigenista dos países vizinhos.
Imaginávamos que se os povos originários da Bolívia, Peru, Colômbia e Equador, assumissem a sua identidade como povos e a Igreja os apoiasse nesta condição em sua luta pela terra, cultura e autodeterminação, como eram maioritários, em breve haveriam de tomar o poder naqueles países.
E naquele momento a nossa referencia na Bolívia era o Pe. Xavier Albó, sj, o CIPCA e algumas lideranças indígenas do Movimento Tawantesuyo. Não encontramos o Pe. Xavier Albó, mas tivemos ótimos contatos com membros do CIPCA, em Sucre onde nos convidaram para entrevistas pela Rádio da entidade, além dos bons contatos com o movimento indígena.
A ação do Pe. Albó, na Bolívia, a partir da criação do CIPCA, sem dúvida, foi decisiva no sucesso dos povos indígenas, para a conquista do poder por Evo Morales que trouxe estabilidade social, política e econômica nunca vivida naquele país, desde a invasão europeia.
O que em 1978 foi mera imaginação, estava se tornando realidade na Bolívia. Com Evo Morales, atrás de um vigoroso movimento indígena e do CIPCA, os “campesinos” dispersos, assumindo a sua identidade, como Quetxua, Aymara, Guarani... e lutando pela sua autonomia, pelo seu chão e pela sua cultura, iniciaram uma nova História naquele país.
Albó participou intensamente deste movimento e foi amigo pessoal de Evo. No final de nosso encontro de jesuítas da América Latina, em Cochabamba, em 2005, Albó nos propiciou um encontro com Evo Morales. Evo nos deu uma palestra sobre a situação política da Bolívia e dialogou várias horas conosco. Onde também tive oportunidade de compartilhar pessoalmente com Evo, a nossa experiência indigenista do Brasil.
Albó, foi um dos intelectuais e pesquisadores que mais se destacou nas últimas décadas, na ação dos processos sociais, políticos e históricos da América do Sul, em especial, na realidade rural e indígena da Bolívia. Foi um lutador incansável por uma sociedade nova, por um Estado plurinacional, com autonomia e autodeterminação dos povos indígenas, com pleno exercício dos seus direitos.
Albó, espanhol da Catalunha, chegou na Bolívia em 1952. Ali se tornou “um lutador social, ‘un rebelde sin pausa”, como o qualificou a Universidade de San Andres, em 2015, quando lhe concedeu o título Doutor Honoris Causa. Ele mesmo se dizia “un curioso incorrigible”.
Pe. Xavier Albó, sj. companheiro sempre vivo junto aos povos Quetxua e Aymara e na memória de quem luta por uma América Justa e Feliz.
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Xavier Albó: “Un rebelde sin pausa”! Artigo de Egydio Schwade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU