É preciso buscar alternativas adequadas que devolvam um caráter humanizante aos cuidados de saúde.
A opinião é do teólogo italiano Giannino Piana, ex-professor das universidades de Urbino e de Turim, na Itália, e ex-presidente da Associação Italiana dos Teólogos Moralistas, em artigo publicado na revista Alternativa, n. 4, de dezembro de 2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A saúde é um direito fundamental da pessoa (de toda pessoa), direito que é dever do Estado proteger e promover. A Constituição italiana afirma isso claramente, quando escreve: “A República protege a saúde como direito fundamental do indivíduo e interesse da coletividade, e garante cuidados gratuitas aos indigentes” (art. 32).
A fórmula constitucional evidencia, apesar de sua concisão, os dois aspectos sob os quais a questão da saúde deve ser considerada: o subjetivo de “direito da pessoa” e o social de “bem coletivo”. Essa definição corresponde plenamente a todo o sistema constitucional, inspirado em uma visão da realidade em que “pessoal” e “social” se entrelaçam em perfeito equilíbrio, dando origem ao binômio liberdade-justiça como pilares fundamentais da vida associada.
O personalismo social, que constitui o suporte cultural da Constituição italiana, permite, de fato, o desdobramento de uma relação correta entre “direitos subjetivos” – os direitos civis e políticos – e “direitos econômico-sociais”, conferindo à saúde, junto com o trabalho e a educação, um caráter de bem irrenunciável que a República deve assegurar a todos os cidadãos.
O Estado italiano está, a partir desse ponto de vista, em plena ordem. A assistência médica e a possibilidade de fruição das estruturas de saúde são garantidas a todos os cidadãos, independentemente de sua condição social.
No entanto, é diferente e menos positivo o julgamento que deve ser feito sobre o sistema organizacional e, de forma mais geral, da condução global do aparato de saúde, em que surgem limitações consistentes. Os tempos de execução de exames clínicos ou de consultas especializadas em âmbito público continuam se prolongando com evidentes dificuldades para muitos cidadãos forçados a recorrer ao setor privado, a ausência de estruturas territoriais que tratem de situações para as quais não se exige necessariamente a internação hospitalar, a falta de alguns setores de pessoal de saúde suficiente para enfrentar a demanda de intervenção, o entupimento dos prontos-socorros com longas filas de espera também são sinais de um estado longe do ideal, que cria um evidente desconforto na população que precisa de tratamento.
A recente (e não totalmente superada) pandemia da Covid-19 tornou inequivocamente transparente a gravidade dessa situação e evidenciou a exigência do recurso a intervenções imediatas e resolutivas.
Mas o limite ainda mais preocupante do atual exercício da atividade sanitária é representado pela verificação de um distanciamento cada vez maior entre o pessoal de saúde (o médico, em particular) e o doente. A introdução de tecnologias cada vez mais sofisticadas e o avanço constante das especializações inevitavelmente tiram espaço do desenvolvimento do diálogo e do encontro pessoal.
Por um lado, a coleta de dados clínicos relativos à situação do doente, tradicionalmente obtidos por meio da anamnese, é obtida hoje mediante o recurso às tecnologias; por outro, a atenção dos médicos está cada vez mais centrada no órgão doente, com a tendência de não levar suficientemente em consideração a situação geral do organismo.
No primeiro caso – o uso exorbitante das tecnologias e da confiança nelas –, o que vem a faltar é o conhecimento das dinâmicas psicológicas e das condições sociais do doente, fatores que desempenham uma função importante tanto na definição da diagnose quanto na determinação do tratamento.
No segundo caso – o excesso de especialização – o que vem a faltar é o conhecimento pleno da condição do doente, ou seja, a possibilidade de fruir de um quadro orgânico de sua situação – como quer a medicina holística –, não se podendo, consequentemente, tomar uma ação curativa que leve devidamente em conta os diferentes aspectos da doença.
Os limites delineados (e há outros) impõem a busca de alternativas adequadas que devolvam um caráter humanizante aos cuidados de saúde. Nesse sentido, dois caminhos (entre muitos) merecem ser percorridos.
O primeiro é a restituição da centralidade à pessoa do doente. A doença – recorda-nos a OMS (Organização Mundial da Saúde) – é um fenômeno complexo, no qual entram em jogo dinâmicas psicológicas e condições sociais, que implicam, para serem captadas em sua consistência concreta e específica, a disponibilidade do médico a um encontro dialógico com o doente.
O tratamento não pode ser reduzido a uma simples consideração da parte doente; envolve “cuidar” da pessoa com um envolvimento, o que cria as condições para uma relação de confiança, que também tem repercussões altamente positivas para o desenvolvimento do tratamento.
Isso parece ainda mais evidente hoje, se considerarmos o primado assumido pelo princípio da autodeterminação na bioética moderna; primado para o qual a decisão sobre as modalidades de tratamento, e antes ainda sobre a escolha de se submeter a elas ou não, são demandadas à vontade do doente. O que apenas confirma o que já está presente na segunda parte do já assinalado artigo 32 da Constituição, que diz: “Ninguém pode ser obrigado a se submeter a um determinado tratamento sanitário, senão por disposição da lei. A lei não pode, em nenhum caso, violar os limites impostos pelo respeito à pessoa humana”.
A possibilidade de que a relação interpessoal recupere plena centralidade está ligada, além da sensibilidade do médico e dos profissionais de saúde, a um processo de formação que, ao lado dos conhecimentos técnico-científicos absolutamente indispensáveis – que, graças à rapidez dos progressos no campo médico-biológico, constituem grande parte dos estudos de medicina e impõem uma constante atualização –, abra cada vez mais espaço para o conhecimento das ciências humanas, ciências que contribuem para a aquisição de uma mentalidade aberta ao diálogo e fornecem os instrumentos úteis para buscá-lo.
O segundo caminho diz respeito à necessidade de uma reorganização do sistema de saúde que leve em consideração as atuais exigências da população. A passagem de uma sociedade estática como a do passado, em que o intercâmbio social se desenvolvia em um território restrito, a uma sociedade aberta e dinâmica, na qual as possibilidades de comunicação, tanto em nível físico quanto cultural, cresceram enormemente, torna necessária uma reorganização radical das estruturas de saúde para oferecer um serviço eficiente. A presença de uma multiplicidade de hospitais em um pequeno território com poucas repartições e poucas especializações não se justifica mais, dada a rapidez com que os deslocamentos podem ocorrer até mesmo a distâncias consideráveis.
Portanto, impõe-se uma revisão do sistema que saiba mediar e fazer interagir hospitais e unidades territoriais. Isso exige, acima de tudo, uma consistente redução do número de hospitais, com a possibilidade, em razão de sua concentração, de que cada hospital seja dotado de muitas especialidades, e de que, assim, seja garantida uma maior segurança aos doentes, que podem, em caso de complicações, dispor com facilidade de uma área ampliada de competências especializadas para uma consulta imediata e, em caso de necessidade, a possibilidade de transferência de uma repartição para outra.
Mas exige também, em segundo lugar, um forte incremento e uma alta qualificação das unidades no território, com o envolvimento dos médicos de base e com a presença de especialistas capazes de enfrentar uma série de estados patológicos sem ter de recorrer à hospitalização. Esse processo de racionalização permitiria uma maior agilidade da condução da atividade hospitalar e representaria uma vantagem indubitável para os doentes, que, em muitos casos, poderiam não abandonar as próprias casas para serem tratados.
São considerações que certamente não esgotam os muitos aspectos de uma temática – a da proteção e da promoção da saúde – que precisa ser abordada sem preconceitos ideológicos e sem interesses paroquiais, e com uma séria abordagem de interdisciplinaridade, tendo como referência a busca do bem da pessoa e da comunidade.