01 Dezembro 2022
"78% das famílias brasileiras estão endividadas – maior nível desde o início da série histórica, em 2010", escreve Adrimauro Gemaque, administrador, analista do IBGE e consultor em Gestão Pública, em artigo publicado EcoDebate, 30-11-2022.
A palavra ‘rodízio’ nos faz lembrar logo de cara de um bom churrasco. Quem não já saboreou um bom “churrasco rodízio”, em especial nas churrascarias do sul e sudeste do país? Trata-se de um hit gastronômico que virou até mesmo sucesso de exportação.
Rodízio é uma palavra de classe gramatical substantivo masculino. Segundo o Dicio (Dicionário Online de Português), significa revezamento alternativo em certas funções ou atividades.
Aqui vamos abordar um outro tipo de rodízio, que é o ‘rodízio das contas’, que tem sido opção de 60% dos brasileiros com dívidas em aberto nos últimos 12 meses. Foi o que apontou estudo da Confederação Nacional do Comércio (CNC), divulgado em 16 de novembro.
Achados da pesquisa revelaram que 78% das famílias brasileiras estão endividadas – maior nível desde o início da série histórica, em 2010. Segundo o estudo, os débitos em atraso tiram o sono, privam o consumo das famílias e impõem mudanças no orçamento, muito embora a proporção de endividados perca fôlego e seja menor em outubro nas duas faixas de renda pesquisadas. O volume de famílias com contas atrasadas mantém tendência de alta. Por outro lado, atinge novo recorde entre famílias de rendas média e baixa.
Fonte: CNC (Peic-outubro/2022) – Gráfico elaborado pelo autor. (Foto: Reprodução EcoDebate)
Os dados da pesquisa revelam que são os orçamentos domésticos mais apertados, ou seja, das famílias de menor renda e com nível de endividamento alto e juros elevados são os mais impactados. Dados do Banco Central (Bacen) mostraram que os juros anuais em todas as linhas de crédito às pessoas físicas atingiram 53,7% em média. Com este cenário, está mais difícil quitar todos os compromissos financeiros dentro do mês.
Fonte: CNC (Peic-outubro/2022) – Gráfico elaborado pelo autor. (Foto: Reprodução EcoDebate)
O estudo revela também que muito embora o endividamento tenha caído no Brasil, neste início do último trimestre, em 17 das 27 unidades federativas a proporção de endividados cresceu entre setembro e outubro. Dos cinco estados com os maiores volumes de endividados, dois estão na Região Sul (Paraná e Rio Grande do Sul) e três na Região Sudeste (Rio de Janeiro, Espírito Santo e Minas Gerais).
Fonte: CNC (Peic-outubro/2022) – Gráfico elaborado pelo autor.
Foto: Reprodução EcoDebate
Um outro estudo com a mesma abordagem foi divulgado na primeira quinzena deste mês, pelo Instituto Locomotiva em conjunto com a empresa de tecnologia do mercado financeiro MFM TI. A pesquisa ouviu 1.020 homens e mulheres em todo o país, entre os dias 19 e 28 de setembro.
O levantamento mostrou que, na hora de escolher o que pagar, despesas básicas do lar tiveram que ser privilegiadas. Contas de luz, água e gás (58%) são as prioridades, seguidas da fatura do cartão de crédito (42%) e das despesas de supermercado (40%). O aluguel aparece na quarta posição (30%). É nesse momento que entra em cena o “rodízio das contas”.
A pesquisa revelou também que para 60% dos negativados, a perda do emprego e a falta de planejamento do orçamento da família foram os principais motivos para terem atrasado seus compromissos.
Todavia, o que chamou mesmo a atenção foram os impactos na saúde. Além dos efeitos práticos do endividamento, como a redução no consumo e as necessidades de mudança no orçamento, o estudo investigou também os impactos subjetivos das dívidas, desde a saúde mental até o sono e o apetite: 84% acreditam que as dívidas impactam negativamente seu estado emocional; 82% na sua felicidade; 83% na sua vida em geral; 81% no seu sono; 81% na sua autoestima; 79% na sua vida profissional; 77% na sua vida familiar; 70% no convívio com amigos/vida pessoal; 66% na sua vida amorosa; 66% no seu apetite.
Para se ter uma ideia, em junho de 2020 o nível de endividamento das famílias era de 67%, passando para 71% em junho 2021. Isso significa que há poucos meses mais de 13,1 milhões de lares residentes nas capitais brasileiras estavam endividados, 1,16 milhão (9,7%) a mais em comparação a junho de 2021. Agora em outubro de 2022 passou para 78%.
Segundo os economistas, o principal motivo do endividamento familiar é o aumento da inflação e a diminuição do poder de compra das famílias. Nesse cenário, uma das formas de conter a alta da inflação tem sido com a taxa Selic, que hoje está 13,75%.
“Em 2023, não teremos um motor nenhum da economia, mas sim juros altíssimos, que trarão um crescimento mais baixo, e o governo tentando enfiar o pé no freio nos gastos públicos – a perspectiva de queda na Selic a partir do 2º semestre do ano que vem já foi revertida”, foi o que afirmou Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central ao participar do 17º Siac (23/11).
Para o economista e professor da PUC-SP, Ladislau Dowbor, o bem-estar das famílias depende tipicamente de 60% do dinheiro no bolso – estou falando de qualquer economia que funcione. França, Canadá, Coreia, China e Alemanha podem ter sistemas políticos diferentes, mas funcionam da mesma maneira.
Levantamento da LCA Consultores, com base na Pnad Contínua (IBGE) referente ao 3º trimestre deste ano, aponta que sete em cada dez trabalhadores tinham renda de até dois salários.
A pesquisa destaca, ainda, que dos 97,575 milhões de ocupados no país, 67,19% recebiam até dois salários-mínimos, ou seja, R$ 2.424 por mês. Isso totaliza 65,565 milhões de trabalhadores nesta situação.
Frente a esse cenário, os pobres do Brasil, que são milhões, continuarão a fazendo o rodízio de contas. Dura realidade, para um final de ano e para o próximo que se avizinha.
Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor – Peic (out/2022), da CNC.
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O ‘rodízio’ de contas dos pobres! Artigo de Adrimauro Gemaque - Instituto Humanitas Unisinos - IHU