Num mundo de pessoas em sofrimento, uma janela aberta pela tecnologia pode oxigenar mentes e corações das sociedades do século XXI

O tratamento de transtornos psiquiátricos com ajuda da realidade virtual é tema de palestra com o médico Félix Henrique Paim Kessler, dentro Ciclo de Estudos sobre Saúde Digital

Foto: Teamlab.art

Por: João Vitor Santos | 22 Novembro 2022

Antes de começar a leitura propriamente, um convite: acesse o vídeo abaixo. Ele é longo, tem quase uma hora, mas basta acompanhar alguns minutos para guardar na mente e no coração sentimentos como surpresa, curiosidade e muitos outros. 

 

Esse vídeo é uma pequena amostra das possibilidades do Museu de Arte Digital Teamlab Borderless, em Odaiba, no Japão. É, também, uma demonstração das inúmeras formas da chamada arte digital, que Yuk Hui, professor de Filosofia da Tecnologia e Mídia, na Universidade de Hong Kong, faz questão de esclarecer que é muito mais do que uma tradução de nosso antigo conceito em códigos binários. Em entrevista reproduzida no sítio do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, ele explica que arte digital “significa a possibilidade de automatizar uma forma recursiva (ou para simplificar, não linear) de organização e execução, que pode ser aplicada a textos, imagens, materiais audiovisuais”. Ou seja, é como se nos fosse permitido um mergulho dentro da pulsação artística.

Vendo calmamente as imagens do Teamlab Borderless, percebemos que somos quase que convidados a uma viagem por outros mundos, outros lugares desconhecidos. É como se nos tornássemos pequenos, possíveis de habitar a arte em si e mergulhar na própria manifestação artística. Não à toa que muitos psiquiatras e psicanalistas afirmam, há muito tempo, que a arte pode salvar. Mas e se mergulhássemos em nossas próprias mentes com uma ajudinha da alta tecnologia, tendo ela como uma janela que abrimos a nossas próprias mentes? Pois isso não é mais apenas uma obra de ficção científica, é uma realidade.

Médico e doutor em Psiquiatria e Ciências do Comportamento, Felix Henrique Paim Kessler tem justamente trabalhado com essas ferramentas tecnológicas. Ele é um dos autores do recente Manual para pesquisadores: utilização da inteligência artificial em pesquisas sobre álcool e outras drogas (Diálogo Freiriano, 2020), em que afirma que “o grande avanço tecnológico nas últimas décadas permitiu um salto de conhecimento que tornou a inteligência artificial e o aprendizado de máquina uma realidade em diversas áreas da medicina. Na área de psiquiatria, o uso destas ferramentas possui um imenso potencial de avanço e já apresenta alguns resultados promissores”.

Kessler detalhará esse e outros usos da tecnologia em seu campo de atuação na palestra intitulada “Realidade Virtual como Recurso no Tratamento de Transtornos Psiquiátricos”, na próxima quarta-feira, 23-11-2022, às 19h30, em formato live, com transmissão ao vivo pelo IHU. A  conferência integra o Ciclo de Estudos sobre Saúde Digital, uma promoção do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, em parceria com Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva – Unisinos

 

Saiba mais sobre Felix Henrique Paim Kessler

Possui graduação em Medicina, especialização/residência em psiquiatria, mestrado e doutorado em Psiquiatria e Ciências do Comportamento pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. É professor adjunto do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da UFRGS e membro do corpo docente permanente da Pós-Graduação em Psiquiatria e Ciências do Comportamento da mesma instituição. Foi coordenador do Núcleo de Pesquisa Clínico-Biológico do Centro de Pesquisa em Álcool e Drogas – CPAD do Hospital de Clínicas de Porto Alegre – HCPA, do qual foi vice-diretor por dez anos.

Foi coordenador do Mestrado Profissional em Álcool e Drogas do HCPA. Foi médico contratado e chefe da Unidade de Psiquiatria de Adição do Hospital de Clínicas de Porto Alegre – HCPA. Fez cursos de especialização nas universidades da Pensilvânia e Kentucky através do programa Distinguish International Scientist Collaboration Award – DISCA do National Institute on Drug Abuse – NIDA

Félix Henrique Paim Kessler

Foto: Marcelo Bertani –  Agência ALRS

Tem formação em psicoterapia de orientação analítica pelo Centro de Estudos Luís Guedes – CELG e foi presidente desta associação. Foi editor associado da Revista Brazilian Journal of Psychiatry (RBP) e é editor Associado Frontiers in Psychiatry e da Addiction Science and Clinical Practice. Possui mais de 200 publicações ligadas à psiquiatria em revistas especializadas nacionais e estrangeiras, incluindo artigos, manuais e capítulos de livro sobre os temas: psicofármacos, epidemiologia, comorbidades psiquiátricas, tratamento do alcoolismo e uso/abuso de drogas, e bases neurobiológicas da dependência química. É chefe do Serviço de Psiquiatria de Adições e Forense do HCPA

Muito mais do que a mediação de telas

Durante os meses mais difíceis da pandemia de Covid-19, a saúde mental de pessoas de todas as idades explodiu. É como se o caldo que vinha sendo cozido lentamente nos últimos anos da sociedade do consumo, do hiperdesempenho e da realidade forjada nas redes sociais entonasse, deixando a situação insustentável. Com todo esse cenário pandêmico, que continua num "pós interminável", vemos que a crise ambiental também impacta diretamente nossa saúde mental, como revela reportagem reproduzida pelo IHU. Isso sem falar no Brasil em que o espaço político parecer ter sido esfacelado por uma extrema-direita que torna o contrário como inimigo mortal, deixando todos os nervos à flor da pele, como aponta outra reportagem reproduzida pelo IHU.

Toda essa crise da saúde mental, sinal dos tempos que temos vivido, fez com que os profissionais da área se reinventassem e o que considerávamos inconcebível há cerca de cincos anos tornou-se realidade: as consultas on-line. Nos moldes da telemedicina, o atendimento remoto de pacientes com problemas de saúde mental se descortinou como uma alternativa que, pelo uso da tecnologia, aproximou médicos, terapeutas e pacientes. Mas a reflexão que o doutor Felix Henrique Paim Kessler propõe vai muito além. Ou seja, não diz respeito ao uso da tecnologia como mediação, mas como algo que produz uma ambiência na qual paciente e médico mergulham para buscar revelar o que pode haver de mais escondido.

Talvez, fique mais claro se olharmos o projeto de pesquisa em que Kessler passou a integrar esse ano. Sob o título "Metaverso para Educação e Assistência Multidisciplinar em Saúde Pública", o projeto visa investigar a variada gama de possibilidades que o ambiente virtual pode oferecer para propor interações, experiências que levam ao aprendizado e, quem sabe, saídas para casos de distúrbios. "Esses simuladores também podem criar experiências com função terapêutica, como, por exemplo, na redução de estresse mental”, aponta a descrição do projeto. 

 

É o que apontam Luiz Vianna Sobrinho, médico, doutor em Bioética e Saúde Coletiva pela Escola Nacional de Saúde Pública/Fiocruz, e Leandro Modolo, sociólogo da saúde, doutorando em Saúde Coletiva pela Unicamp, que, em artigo reproduzido pelo IHU, refletem sobre como o campo da saúde tem sido atravessado pela chamada ciência de dados. Afinal, como definem, esse é “um modelo de medicina que permanecia por quase dois séculos, parece chegar ao seu ocaso”. E, por isso, apontam que “é preciso observá-la e pensar o que faremos e seremos nós, humanos. Nesse momento de imprevisão sobre o que será da condição humana, a ciência parece nos apresentar com intenso brilho que ‘tudo que é sólido se desmancha… em dados’”. 

 

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