A Igreja educa à consciência ou à obediência passiva? Não podemos arriscar uma resposta simplista, mas sentimos que o problema existe. Nós que estamos na Igreja estamos nela para escutar e obedecer (ob-audire, ouvir inclinados a quem nos fala, em uma relação pessoal de aproximação e concórdia) ao Espírito de Deus, buscado e acolhido junto com o irmãos.
A opinião é de Domenico Marrone, teólogo e padre italiano, professor no Instituto Superior de Ciências Religiosas de Bari, na Itália, publicado por Settimana News, 11-11-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
“Os presbíteros, tendo presente a plenitude do sacramento da Ordem recebido pelos bispos, reverenciem neles a autoridade de Cristo pastor supremo. Adiram ao seu bispo com caridade e obediência sinceras. Esta obediência sacerdotal em espírito de cooperação fundamenta-se na própria participação do ministério episcopal conferida aos presbíteros pelo sacramento da Ordem e pela missão canônica” (Presbyterorum Ordinis, n. 7).
“Entre as virtudes que sobretudo se requerem no ministério dos presbíteros, deve nomear-se aquela disposição de espírito pela qual estão sempre prontos não a procurar a própria vontade, mas a vontade d’Aquele que os enviou. (...) Com esta humildade e obediência responsável e voluntária, os presbíteros configuram-se com Cristo, experimentando em si os sentimentos de Cristo Jesus, que ‘se despojou de Si mesmo, tomando a forma de servo... feito obediente até à morte’ (Fil 2,7-9), e por esta obediência venceu e remiu a desobediência de Adão, como afirma São Paulo: ‘Pela desobediência de um só homem, constituiram-se muitos pecadores: assim pela obediência de um só, constituíram-se muitos justos’ (Rm 5,19)” (PO 15).
“Entre as virtudes que se afiguram mais necessárias no ministério dos presbíteros, convém recordar aquela disposição de ânimo pela qual estão sempre prontos a procurar não a própria vontade, mas a d’Aquele que os enviou” (Pastores dabo vobis, n. 28).
O ministério presbiteral deve se inserir na comunhão hierárquica de todo o corpo, alimentando-se subjetivamente da fé e da liberdade, e mantendo-se objetivamente vinculado aos superiores (papa e bispo) para poder se pôr efetivamente a serviço da edificação do corpo de Cristo. Com essa obediência “responsável e voluntária”, os presbíteros se conformam a Cristo obediente.
Sobre a questão da obediência, houve uma interessante debate entre os Padres conciliares em outubro de 1965, na fase final da elaboração do decreto. Alguns gostariam de ler uma afirmação mais clara sobre a necessidade de os presbíteros obedecerem aos bispos, enquanto outros desejavam uma obediência ativa, mais responsável e colaborativa, e rejeitavam toda forma de episcopalismo [1].
No texto definitivo, é notável a afirmação da liberdade dos presbíteros precisamente no contexto do dever de obedecer, que às vezes foi entendido como uma entrega acrítica e passiva aos superiores.
O decreto, ao contrário, acredita que uma obediência “responsabilis et voluntaria” – como lemos no texto – justamente “leva a uma maior maturidade dos filhos de Deus”. A liberdade do presbítero, portanto, não é entendida em sentido alternativo ao ato de obedecer ao bispo, mas em sentido integrativo. Em outras palavras, uma verdadeira obediência é o exercício de uma liberdade mais madura; e uma verdadeira liberdade, para o presbítero, envolve a obediência.
Para explicar essa relação, o texto declina a liberdade dos presbíteros em duas direções, das quais a primeira pode ser definida como pastoral, e a segunda, espiritual.
Pode-se indicar como “liberdade pastoral” a tríplice tarefa dos presbíteros, indicada pelo texto:
- procurar prudentemente novas vias para o maior bem da Igreja;
- propor suas iniciativas com confiança;
- expor com paixão as necessidades da comunidade a eles confiada.
Assim, os presbíteros são convidados a levar adiante, ainda que “prudenter”, iniciativas que não sejam simplesmente a execução de diretrizes recebidas dos bispos; e também são convidados a apoiar perante os outros irmãos presbíteros e o bispo as partes das comunidades pelas quais são responsáveis.
Pode-se indicar como “liberdade espiritual” a disponibilidade a se submeter ao julgamento dos superiores: essa atitude requer o desapego de si mesmo e dos próprios projetos individuais, que às vezes podem formar uma cadeia e, portanto, tirar a liberdade interior, confiando-se àqueles que são postos como guias da Igreja e, assim, em última análise, deixando ao juízo deles as decisões oportunas.
A relação dos presbíteros com o próprio bispo se baseia na obediência e na confiança, às quais devem corresponder, por parte do bispo, o afeto paterno e a amizade.
Essa dupla liberdade, para o Concílio, é um componente da obediência e não uma alternativa ou algo estranho a ela: “A obediência não é uma subordinação nem uma atitude formal; não se esgota nem mesmo na submissão à vontade do bispo, mas é uma exigência comunitária, profundamente inserida na comunhão do presbitério – o ‘estado de família’ do padre – e se concretiza nos gestos cotidianos de colaboração concorde, que dela brotam” [2].
Pela fé, os presbíteros vivem a obediência e a franqueza, procuram o debate e o acompanhamento, dirigem-se ao bispo com suas perguntas e propostas, porque acreditam que o único Espírito faz de todos um só coração e uma só alma, e ilumina e guia a todos.
“A obediência é a virtude que modera a autossuficiência” [3]. A obediência é uma virtude difícil. No entanto, é extremamente necessária. Especialmente neste momento da vida da Igreja. Muitos tentam apresentar um conceito deformado dela, como uma virtude passiva que mortifica os valores da liberdade e da dignidade do homem, criatura e filho de Deus. Pode custar muito. É a penitência da nossa razão (São Francisco de Sales), é o melhor holocausto (São Filipe Neri).
É uma virtude que não goza de boa saúde no clima cultural atual, especialmente em quem não a “habita” corretamente. A obediência está estreitamente ligada a uma escuta fiel (ob-audire); é a resposta livre de quem escuta e reconhece a grandeza de quem (ou do quê = a consciência) está diante dele; é consentimento livre em relação àquilo que compreendemos que é a coisa certa.
Portanto, obediência não é submissão cega à lei imposta; pelo contrário, como ressaltava o pastor luterano Dietrich Bonhoeffer, é adesão livre “por íntima convicção, com plena consciência e com ânimo feliz” [4].
A obediência começa com a escuta da própria consciência, à qual se segue o agir convicto e coerente, em liberdade. Quem não tem uma consciência livre, consciente e formada não pode obedecer. Em nome da liberdade de consciência, pode-se chegar a desobedecer às leis escritas pelos homens.
A obediência humana entra em jogo de forma dramática ao aceitar a assimetria constitutiva da condição humana: somos criaturas e não Criador. É essa obediência que é exigida pela condição humana como única premissa e garantia de toda obediência humana e de todo apelo à sacralidade legitimada da consciência. Nenhum ser humano pode se definir ou ser definido como Deus e, portanto, não pode pedir ou dar obediência absoluta. Somente quando aceitamos plenamente a identidade de criatura – filho de Deus ou da vida – será possível a dança que nasce do jogo da própria subjetividade com a dos outros.
Há uma obediência fundamental que todo ser humano é chamado a fazer à própria história, às próprias origens, ao próprio corpo, à própria família, em suma, a uma série de situações e pessoas, tempos e lugares, eventos e condições que o precederam, fundamentaram, e sobre os quais ele não teve nenhuma ingerência nem possibilidade de escolha e de decisão... Um fiel lê essa obediência como “criatural” e reconhece nela aquela aceitação dos limites que é constitutiva da criatura diante do Criador e que permite ao ser humano tornar-se ser humano fugindo da tentação da totalidade, isto é, de se erguer a Deus.
À luz dessa obediência ao fundamento, podem ser compreendidas e vividas as outras obediências às instâncias mediadoras da vontade de Deus. Na Igreja, as diversas articulações da autoridade são de ordem “sacramental”: remetem ao único fundamento que está em Deus e no povo ligado a ele pela aliança. Existe, por exemplo, uma autoridade… a) institucional, os bispos; b) na ordem da competência, os teólogos; c) no espaço do carisma, os profetas. Essas tipologias de autoridade devem ser harmonizadas no único corpo eclesial.
O Evangelho deve reinar sobre todas as formas e tipologias de obediência cristã, e tudo deve ser submetido ao critério decisivo do Evangelho: se, portanto, o que é ordenado for contrário a essa única norma normans, se as mediações da vontade de Deus (autoridades eclesiásticas, doutrinas teológicas, regras monásticas, ritos cultuais etc.) se substituírem a Deus e exigirem obediência para si mesmas, então o cristão toma um caminho que, a partir de um “dissenso leal”, pode chegar até à objeção de consciência.
Nas decisões pessoais, é da maior importância, para ser e permanecer humano, obedecer à consciência antes de qualquer outra pessoa, e também contra qualquer outra autoridade, mandato, lei, costume, conveniência.
A objeção de consciência é uma obediência, outra e superior: “É preciso obedecer a Deus antes que aos homens” (Atos 4,19, e antes Sócrates, na Apologia 29-d). É a obediência a Deus por meio da consciência, e para quem não pensa em Deus é a obediência à instância mais alta, mais propriamente humana, de modo que desobedecer a essa essência de si mesmo seria renegar a própria dignidade. Quem não crê que Deus existe pode pensar que, ao obedecer à própria consciência, está escutando-o, caso ele exista.
Não podemos nos calar sobre a difícil relação entre obediência e consciência no coração humano. “Certamente, se eu fosse obrigado a levar a religião a um brinde depois de um jantar – o que não parece ser muito apropriado – então eu brindaria pelo papa. Mas primeiro pela consciência e depois pelo papa.” É o teólogo Ratzinger quem, em seu “Elogio da consciência” [5], cita essa famosa frase do cardeal Newman. A consciência como o lugar sagrado da subjetividade mais radical e íntima. O ser humano é ser humano se decide sua vida obedecendo à própria consciência.
Reivindicar o primado da consciência nada mais é do que reconhecer a dignidade do sujeito. O respeito pela consciência como “sacrário” inviolável e originário da existência humana (GS 16). E ninguém pode substituir a consciência do outro. O Papa Francisco reitera isso categoricamente, em registro educacional, na Amoris laetitia.
Intimamente ligado à obediência está o tema da consciência. A obediência faz sentido como escolha de confiança e de amor que nunca pode exigir a anulação da própria consciência.
A ética da consciência responsável não leva à rebelião contra a autoridade “até que a minha consciência seja posta diante da dolorosa alternativa de obedecer a Deus antes que aos homens (Atos 4,19)”, afirmava o Pe. Primo Mazzolari. “O regulamento é o ópio da consciência. Se não houvesse o regulamento, o gemido daquele moribundo ao longo do caminho não me daria descanso (…). Os samaritanos, isto é, os homens que não conhecem o regulamento, nos precederão no reino de Deus”.
Deve-se lembrar que Mazzolari continuou escrevendo no jornal Adesso, sob vários pseudônimos, apesar da proibição canônica imposta com frágeis e questionáveis motivações, e fazia isso “não por desenvolta desfaçatez, mas com meditada e serena consciência”. Nessa singular experiência de Mazzolari, seria preciso descobrir a indicação evangélica que repropõe a objeção de consciência também dentro das instituições da Igreja.
Ora, a Igreja educa à consciência ou à obediência passiva? Não podemos arriscar uma resposta simplista, mas sentimos que o problema existe. Nós que estamos na Igreja estamos nela para escutar e obedecer (ob-audire, ouvir inclinados a quem nos fala, em uma relação pessoal de aproximação e concórdia) ao Espírito de Deus, buscado e acolhido junto com o irmãos.
Não podemos ignorar a “dificuldade de escutar profundamente e de aceitar ser transformados por esta escuta, pondo em evidência a falta de processos comunitários de escuta e discernimento (…). permanecem obstáculos estruturais, entre os quais: estruturas hierárquicas que favorecem tendências autocráticas” [6].
“É importante construir um modelo institucional sinodal como paradigma eclesial de desestruturação do poder piramidal que privilegia as gestões unipessoais. A única autoridade legítima na Igreja deve ser a do amor e do serviço, segundo o exemplo do Senhor” [7]. “Uma espiritualidade sinodal não poderá senão ser uma espiritualidade que acolhe as diferenças e promove a harmonia e tira das tensões a energia para prosseguir no caminho” [8].
O fato de alguém ser designado para funções de ensino e autoridade é uma necessidade comunitária bem compreensível. Mas nem todo ato das autoridades é vontade de Deus. Toda função eclesial está sob aquela palavra de Jesus: “Mas entre vós não seja assim”, que diferencia constitucionalmente a Igreja da prática predominante nas nações, cujos líderes dominam e pesam sobre os povos (Mt 20,25-28).
São Francisco evidencia o possível desacordo entre o irmão e seu superior. Onde insurgem divergências de opinião, o irmão deve renunciar de bom grado às coisas que considera melhores e mais úteis para sua alma do que aquelas ordenadas pelo superior, e tal renúncia é chamada por ele de “obediência caritativa”.
Na tensão comum para a compreensão a vontade de Deus, pode haver divergências sobre o que é melhor fazer. A partir dos papéis de serviço atribuídos dentro da fraternidade, Francisco pede ao irmão que entregue sua autonomia com um ato de liberdade e com um ato de caridade, expressão da confiança na manifestação do amor de Deus visível na diversidade do outro. Tal confiança nasce do desejo comum de fazer a vontade de Deus, não cedendo à tentação do poder.
São Francisco sublinha também outra possibilidade: “Quando o prelado ordena a seu súdito algo contra sua alma, embora não o obedecendo, que não o abandone”. Convida a retirar a própria disponibilidade a obedecer quando a coisa pedida seja contrária à própria alma, dentro de um vínculo de aliança fraterna que nunca admite a exclusão do irmão.
Na terceira parte da terceira “Admoestação”, Francisco de Assis declara que o frade não deve obedecer quando o superior lhe der uma ordem contrária à consciência. Mas logo depois indica o sinal que garante a validade do juízo da consciência do frade: que ele não se separe de seu superior, que permaneça no amor. Em outras palavras, com uma clareza genial, Francisco afirma – em plena originalidade em relação à espiritualidade monástica do tempo – que a obediência (mesmo a religiosa) entre os humanos só faz sentido como amor.
Pensamento e consciência também têm uma tarefa irrenunciável na escuta da palavra do magistério, nos diversos graus de importância de seus pronunciamentos. Quer se aceite essa palavra com confiança e sem dificuldade, ou ao contrário com uma recepção crítica, a consciência deve estar sempre em ação e está mais empenhada na crítica do que na aquiescência. Quando o ensino não convence, a consciência é solicitada, e isso não é algo ruim.
O perigo não vem do fato de ser crítico, mas do fato de não ser crítico o suficiente. Em qualquer sociedade ou comunidade, a melhor contribuição vem de quem até “incomoda” e “causa problemas”, não de quem está sempre tranquilo, nunca levanta problemas, de quem se cala mesmo quando deveria falar e discordar, com o risco de cometer erros ou até fazer o mal sem querer. O arcebispo de Turim, cardeal Michele Pellegrino, dizia que, no fim das contas, preferia os padres que lhe causavam problemas aos que eram passivos demais.
O Pe. Milani era um “obediente incômodo”; isto é, a obediência não era para ele aquiescência, nem mesmo resignação ou aceitação passiva; era liberdade de expressão, correção filial, discordância leal e aberta, na obstinada vontade de permanecer dentro da Igreja e ser reconhecido pelos superiores.
Nada mais fez o Pe. Milani sofrer tanto quanto a indiferença, a suspeita e a hostilidade que percebia da Cúria de Florença e, em parte, também do bispo. Por outro lado, certamente não foi simples acompanhar um caráter forte como o do Pe. Lorenzo, dotado de uma linguagem afiada e provocativa e de uma personalidade alérgica a toda transigência [9].
A possibilidade, a coragem e a humildade da discordância são o outro lado da obediência, sem o qual a obediência é algo vazio e indigno. E é também o outro lado da coesão necessária em uma comunidade, que vem tanto do fato de fazer juntos as mesmas coisas quanto de mudar os hábitos para fazer coisas melhores, para além de toda retórica sobre a comunhão entendida como unanimidade e homologação. “Alguns agentes pastorais, clérigos e leigos, por vezes preferem rodear-se dos que partilham as suas opiniões e ficar longe daqueles que têm convicções que lhes são hostis e deles discordam” [10].
Particularmente na Igreja, por referência às razões mais altas, à própria Palavra de Deus, corre-se o risco de uma obediência equivocada em nome dos motivos mais santos. Obviamente com o senso da medida e dos próprios limites, mas também da insubstituível função de cada um na escuta e na interpretação atual das inspirações mais altas, todos devem contribuir – já que a consciência e a razão falam em cada um – com a obediência comum no essencial, com a justa liberdade nas coisas secundárias, com a caridade fraterna sempre.
Uma obediência sem liberdade, oposta à liberdade, não seria humana, não respeitaria a humanidade de quem obedece, e essa violação ocorreria justamente por parte do obediente, não somente por parte do comandante que quisesse se impor. Trata-se sempre de obedecer livremente.
Há uma obediência livre, que honra e eleva a pessoa: é a obediência de quem escuta, ama, se compromete com os outros, responde à sua necessidade. E há outra obediência, a de quem, para não se submeter, não se relaciona com o outro, não responde ao necessitado, mas, pretendendo estar confortável e no mínimo comandar, submete-se e obedece ao poderoso, com o qual gostaria de compartilhar e talvez depois sequestrar a força, e assim acaba sendo passivo e cúmplice, a menos livre de todas as condições, a mais vil de todas as obediências.
Se não me engano, hoje em algumas pessoas convivem uma desobediência individual-egoísta e uma obediência servil, ignorante, militar, mecânica, conformista, que é desobediência à vocação humana superior. Uma obediência cega que nega a liberdade de consciência, inflige sofrimento e causa infelicidade, porque “a obediência sem liberdade é escravidão, a liberdade sem obediência é arbitrariedade” [11].
A primeira obediência é o respeito por esse valor inviolável, tanto nos outros quanto em nós mesmos. Posso dedicar a minha liberdade, renunciar à minha decisão, para agir como outro me pede ou para servir a seu valor, a sua vida ou a uma causa digna. Mas é sempre com a liberdade que eu dedico e gasto a minha liberdade; é com a liberdade que eu decido abrir mão do meu direito de decidir.
Na Igreja, pode-se distinguir uma obediência “consciente”, uma obediência “passiva”, uma obediência “cômoda”; e assim pode-se encontrar uma desobediência surda, clandestina, ou “aberta”, “motivada” (o catolicismo do dissenso ou crítico).
Para os cristãos, trata-se acima de tudo de obediência à Palavra de Deus. A fé é obediência (Romanos 1,5). Deus está em nós, fala-nos na consciência e na Igreja, povo de Deus ao longo da história, mas ninguém é Deus: “Não chameis a ninguém de mestre”.
Será que a consciência é cômoda (fazer o que eu quiser e como eu quiser)? Não, absolutamente. Mas certamente pode errar, pode se inclinar para respostas de conveniência. Por isso, uma característica da vida da consciência é a reciprocidade, como enfatizava Bernhard Häring.
A escuta das outras consciências é um elemento essencial da busca que cada um faz na própria consciência. A consciência pessoal íntima não é uma autoescuta solitária. Com efeito, a minha consciência é um outro em mim e, para quem o admite, é a voz do Outro em mim.
A consciência é a parte mais íntima de mim e, ao mesmo tempo, é eu e mais do que eu, é eu e outro além de mim, porque pode me confortar, mas também pode me contestar, me julgar, me repreender e me castigar, pressionando irresistivelmente até eu mudar a direção do caminho. Embora determinada por muitas coisas, embora não absoluta e não infalível, a consciência é autoridade, porque é a instância que nos faz crescer em humanidade e em graça: é a autoridade última, tem esse primado.
Todos somos chamados a viver uma obediência sofrida, mas sólida. Somos chamados a viver um estilo de obediência que envolve a franqueza e evita sempre a falsidade; e que nunca renuncia a expor o próprio pensamento. O pressuposto “comunhão a todo o custo”, “unidade a todo o custo” poderia levar a uma deriva eclesial semelhante à noção de harmonia chinesa.
Ouvimos dizer que a China, há milênios, compreendeu, em sua sabedoria, que não se pode viver sem harmonia. E, portanto, que a grandeza do povo chinês sempre foi a de saber manifestar, a todo o momento e em todo o lugar, essa harmonia tão benéfica ao ser humano. O problema, porém, é que quem não entra nos parâmetros dessa harmonia é enviado diretamente para um campo de reeducação para compreender o valor insubstituível da harmonia chinesa. Isso não é harmonia, é “regime”.
Em “1984”, George Orwell havia inventado a “Thought Police”, a polícia do pensamento, um dispositivo narrativo para fornecer ao sistema totalitário liderado pelo Grande Irmão o instrumento de coerção mais invasivo que o ser humano poderia imaginar e suportar: o controle do pensamento 24 horas por dia.
O controle policialesco do pensamento significava a anulação do pensamento, o apagamento do indivíduo, a escravidão. “O Grande Irmão está de olho em vocês”, ameaçavam os cartazes nas ruas de Oceania. Os súditos do regime, consequentemente, eram obrigados a não pensar. Eram forçados a se anularem para evitar problemas.
“Era preciso viver (ou, melhor, vivia-se por um hábito, que finalmente havia se tornado instinto) tendo em mente que qualquer som produzido seria ouvido e que, a menos que se estivesse no escuro, todo movimento seria visto” – afirmam já as primeiras páginas de “1984”, junto com “O Zero e o Infinito”, de Arthur Koestler.
Apelar constantemente à comunhão, à harmonia, à unidade “a todo o custo” significa instaurar um clima por meio do qual se possa restringir os limites daquilo que é permitido pensar, inibir a liberdade de expressão, visando até a controlar a liberdade de pensamento. A tentativa de impor formas de pensamento único ou dominante na comunidade dos seres humanos é tão antiga quanto o mundo.
A diversidade é fundamental: não é simples de geri-la, mas é o encontro (e o confronto) entre posições diferentes que cria o espaço para fazer o Espírito falar. Ele não fala comigo nem com você, mas fala por meio de uma comunidade que só é capaz de escutá-lo se o fizer juntos. O risco que às vezes corremos é o de criar lugares eclesiais (conselhos pastorais, conselhos presbiterais e outros órgãos participativos) nos quais as pessoas são fotocópias umas das outras.
São lugares tranquilizadores, é claro, mas também muito entediantes... nos quais se corre o risco de não haver espaço para escutar o Espírito. A conflitualidade faz parte da vida de uma comunidade, de um presbitério. Não é necessariamente o sinal de algo errado, pelo contrário, às vezes mostra que a comunidade se torna um espaço para falar livremente e ser acolhido. A tensão que se cria entre posições diferentes é o que torna a comunidade uma coisa viva.
É preciso evitar “duas das principais tentações que se apresentam à Igreja perante a diversidade e as tensões que essa gera. A primeira é a de permanecer prisioneiros no conflito: os horizontes restringem-se, perde-se o sentido do conjunto e fragmenta- se em sub-identidades. É a experiência de Babel e não de Pentecostes, bem clara em muitos setores do nosso mundo. A segunda tentação é a de distanciar-se espiritualmente e desinteressar-se das tensões que estão em jogo, continuando a percorrer a própria estrada sem se comprometer com quem está perto no caminho” [12].
É necessário saciar “um desejo profundo e enérgico de formas de exercício da liderança – episcopal, sacerdotal, religiosa e laical – que sejam relacionais e colaborativas, e de formas de autoridade capazes de gerar solidariedade e corresponsabilidade (...). Leigos, religiosos e clérigos desejam colocar os próprios talentos e capacidades à disposição da Igreja e, para fazer isso, pedem um exercício da liderança que os torne livres” [13].
A busca da comunhão, da unidade, da harmonia no presbitério é algo belo, desde que seja feita ao mesmo tempo que a busca da liberdade de pensamento e de expressão, da diálogo, da verdade e da justiça. Toda forma de pensamento que exclui a liberdade ou a possibilidade de escolha em termos de busca da verdade, colocando-a em relação com a consciência interior e com o espírito crítico, tende a excluir o que há de mais belo nos seres humanos, isto é, a razão, o discernimento e a escolha.
1. Cf. E. Castellucci, Presbyterorum ordinis. Introduzione e commento, in S. Noceti – R. Repole (orgs.), Commentario ai documenti del Vaticano II 4. Christus Domini, Optatam totius, Presbyterorum ordinis, Bolonha: Dehoniane, 2017, pp. 444-447.
2. Conselho Permanente da Conferência Episcopal Italiano, Lievito di Fraternità. Sussidio sul rinnovamento del clero a partire dalla formazione permanente, Cinisello Balsamo: San Paolo, 2017, p. 38.
3. S. Natoli, L’Obbedienza è una «virtù», in VV.AA. L’Obbedienza è una «virtù», Fossano: Editrice Esperienze; Giulianova: Edizioni Italia Francescana, 2000, p. 12.
4. Cf. D. Bonhoeffer, Fedeltà al mondo, Queriniana, 2004.
5. Cf. Bento XVI (Joseph Ratzinger), L’elogio della coscienza, la verità interroga il cuore, Siena: Cantagalli, 2009.
6. Secretaria Geral do Sínodo, “Alarga o espaço da tua tenda” (Is 54,2). Documento de trabalho para a etapa continental, outubro de 2022, n. 33.
7. Ibid., n. 57.
8. Ibid., n. 85.
9. Cf. E. Castellucci, «Criticheremo i nostri vescovi perché vogliamo loro bene». Dialogo quasi immaginario con don Lorenzo Milani, in “Rivista del clero italiano”, 9/2017, pp. 575-589.
10. Secretaria Geral do Sínodo, “Alarga o espaço da tua tenda” (Is 54,2). Documento de trabalho para a etapa continental, outubro de 2022, n. 58.
11. D. Bonhoeffer, Fedeltà al mondo, Queriniana, 2004, p. 97.
12. Secretaria Geral do Sínodo, “Alarga o espaço da tua tenda” (Is 54,2). Documento de trabalho para a etapa continental, outubro de 2022, n. 30.
13. Ibid., n. 59.