16 Novembro 2022
Coalizão de ONGs pede ao Tribunal Penal Internacional que investiguem a violência na região nos últimos 10 anos.
A reportagem é de Rubens Valente, publicada por Agência Pública, 09-11-2022.
Um grupo representativo de organizações não governamentais socioambientais protocolou nesta quarta-feira (9) no Gabinete do Procurador do TPI (Tribunal Penal Internacional) em Haia, na Holanda, um pedido de investigação sobre uma “rede” de criminosos públicos e privados. Segundo a petição, tal “rede” provocou “sofrimento em massa” e “graves danos à Floresta Amazônica” brasileira em um período de dez anos (2011-2021), o que representaria crimes contra a humanidade previstos no Estatuto de Roma.
A ação da “rede”, segundo a petição, foi “promovida e incentivada” pelo governo de Jair Bolsonaro (2019-2022). Embora “já influente há muitos anos”, a “rede” conseguiu, com a eleição de Bolsonaro em 2018, “capturar o Poder Executivo do país”, diz a petição.
Segundo a comunicação, a “rede” é “um grupo organizacional de atores dos setores público e privado, a nível local, estadual e federal” que é motivado “pelo desenvolvimento econômico voraz e desenfreado da Floresta Amazônica Brasileira”. Para isso, tem buscado “uma política para facilitar a expropriação de terras, a exploração de recursos naturais e a destruição do ambiente, independentemente da lei”.
A comunicação foi apresentada ao Gabinete do Procurador pelo Climate Counsel, uma fundação sem fins lucrativos com sede em Haia formada por ex-advogados das Nações Unidas dedicados à justiça ambiental e climática, Greenpeace Brasil e OC (Observatório do Clima), coalizão que reúne 77 organizações não governamentais do campo socioambiental no Brasil. A petição também é apoiada por várias organizações, entre as quais CPT (Comissão Pastoral da Terra), Instituto Zé Cláudio e Maria, Global Wittness e Greenpeace Internacional.
A petição é subscrita pelos advogados Richard Rogers, fundador do Climate Counsel e advogado sênior em vários tribunais de crimes de guerra da ONU, e Paulo Busse, do Greenpeace e do OC, especializado em casos criminais e ambientais, e por Suely Araújo, ex-presidente do Ibama e especialista sênior em políticas públicas do OC.
Também nesta quarta-feira foi aberta na internet uma “Plataforma Digital de Provas”, disponível aqui, com os detalhes sobre o conteúdo da petição.
As organizações ambientalistas pedem a investigação e, por fim, a condenação de um grupo de brasileiros – os nomes estão em sigilo num anexo confidencial – por supostos crimes contra a humanidade, incluindo homicídio, perseguição e outros atos desumanos, conforme previsto no artigo 7º do Estatuto de Roma, ratificado pelo Brasil em 2002.
Segundo a petição, “um ataque generalizado e sistemático foi cometido contra a população civil, incluindo diversos ‘crimes subjacentes’ do Artigo 7º do Estatuto de Roma, a saber, homicídio, perseguição e outros atos desumanos”.
Segundo a petição, ação da suposta rede criminosa foi “promovida e incentivada” pelo governo de Bolsonaro. (Foto: Marcello Casal Jr | Agência Brasil)
É a sétima comunicação feita ao TPI sobre o Brasil desde o final de 2019. Ainda não há uma posição final do TPI sobre as outras seis demandas. Porém, diferentemente das demais, que focaram no presidente Jair Bolsonaro e na sua gestão, a nova petição se refere a um período de 10 anos, o que engloba os governos Dilma Rousseff (2010-2016), Michel Temer (2016-2018) e Bolsonaro (2019-2022).
A petição menciona que o avanço ruralista se intensificou no governo Temer. “Os Ruralistas levaram o presidente Michel Temer ao poder apoiando o impeachment de sua antecessora Dilma Rousseff em 2016, e ajudaram a mantê-lo no cargo apesar de sucessivas ameaças de investigações de corrupção. Talvez em troca de apoio em seu próprio processo de impeachment, Temer promoveu a agenda ruralista ao adotar ordens executivas normalizando ‘terras rurais irregulares’ e concedendo anistias por desmatamento a produtores rurais”.
Apesar de cobrir uma década, a comunicação dá um papel proeminente a Bolsonaro. Segundo a petição, “sem dúvida, a ‘Rede’ prosperou sob a vigilância de Bolsonaro”. “Para resumir, Bolsonaro apoiou o desenvolvimento comercial a todo custo, desmantelou controles ambientais, enfraqueceu agências federais que fiscalizam a Amazônia e promoveu um aumento na mineração, desmatamento e destruição descontrolados. A demarcação de territórios indígenas continua paralisada, deixando espaços abertos a disputas e comunidades suscetíveis à violência. Muitos legisladores e ativistas ambientais brasileiros concordam que o aumento do desmatamento está sendo impulsionado por um senso predominante entre madeireiros e garimpeiros ilegais de que derrubar a floresta tropical traz um risco mínimo de punição e gera recompensas significativas. Onde os legisladores da oposição bloquearam a legislação que legalizaria o desmatamento, o governo recorreu a outros meios à sua disposição”, diz a petição ao TPI.
A comunicação afirma ainda que foi obtido “um aumento na atividade ilegal na Amazônia” durante o atual governo “por meio de um esforço tenaz e contínuo”.
“O ataque da ‘Rede’ foi possibilitado pela captura e corrupção de instituições civis e por atos e omissões conjuntos dos poderes Executivo e Legislativo […]. A arquitetura desse sistema de múltiplas camadas é variada – alguns aspectos são claros, outros são obscuros e outros são misturados. O efeito geral é irresistível: os muitos e variados membros da Rede aceitam tacitamente seu objetivo comum (nunca declarado explicitamente) e se esforçam ativamente para alcançar tal objetivo (sempre compreendido). Esse é o mecanismo através do qual a violência é sistemática e deliberadamente perpetuada. Os responsáveis raramente são levados à justiça.”
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Ambientalistas denunciam em Haia uma “rede” criminosa na destruição da Amazônia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU