28 Outubro 2022
Os presbíteros devem ser homens apaixonados. Homens que ardem de paixão e não se queimam (síndrome de burnout) devido a uma situação ministerial percebida como desgastante do ponto de vista psicofísico.
O artigo é de Domenico Marrone, teólogo e padre italiano, professor no Instituto Superior de Ciências Religiosas de Bari, na Itália, publicado por Settimana News, 20-10-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A vida sexual dos presbíteros é um âmbito a ser “destabuizado”, deve ser uma questão abordável pelo debate público, pois diz respeito à credibilidade da Igreja Católica diante do mundo e à capacidade, idoneidade e eficácia de seus ministros para servir a seus fiéis. Não devemos ter medo de insistir na humanidade do sacerdote, sem reticências sobre a fragilidade, até mesmo sobre as tentações.
Se a castidade e o celibato são vividos com maturidade e aceitação plena, podem se converter em um instrumento válido para a realização pessoal em nível religioso. Por outro lado, “a maioria de nós, presbíteros, teve pouca ou nenhuma formação sobre como abordar as nossas emoções, a nossa sexualidade, a nossa fome de amor e de ser amado. Não me lembro de ter recebido nenhuma formação nesse campo. Parece que se supunha, ou talvez se esperasse, nervosamente, que uma boa corrida e um banho frio resolveriam o ‘problema’. Infelizmente, não sei correr e não suporto os banhos frios!” [1].
Porém, seguir esse caminho não é nem fácil nem possível para a maioria dos seres humanos. Para conseguir isso, o presbítero ou o/a religioso/a deveria aprender, desde jovem e disciplinando-se de forma progressiva, a sublimar suas pulsões sexuais com maturidade, em vez de limitar-se a reprimi-las mediante mecanismos neuróticos, carregados de angústia e basicamente lesivos e destrutivos da personalidade.
No entanto, é evidente que pouco ou nada poderá ser alcançado, por mais esforços que sejam feitos, se a pessoa não partir já de uma sólida maturidade psicoafetiva. Quando faltam a formação suficiente e a maturidade pessoal, a vida do presbítero começa a se desviar até se transformar em uma espécie de “profissional da via sacra sexual”.
Daí a preocupação a ser cultivada em cada proposta e caminho formativo do clero para ensinar a compreender o próprio corpo e ensinar a dialogar com ele, com suas pulsões, não por meio de caminhos moralizantes, culpabilizantes, frios e carentes de qualquer afeto e valor humano.
“Devemos aprender a amar com aquilo que somos, seres dotados de sexualidade e de paixões, às vezes um pouco desordenadas. Caso contrário, não teremos nada a dizer sobre Deus que é amor” [2].
Do ponto de vista puramente humano, o desenvolvimento harmonioso da sexualidade de cada um nem sempre é linear e pode ser obstaculizado por inúmeros fatores perturbadores. Acrescente-se a isso a profunda ferida que o pecado original operou no coração humano, obscurecendo o projeto sobre a sexualidade e o matrimônio que o Criador tivera “no princípio” (Mt 19, 8).
Essa ferida (divisão interna e pecado) envolve o grande esforço de aceitar a si mesmo (que nunca é o fatalismo do “fui feito assim, não posso fazer nada”), o esforço de entender que o limite é o nosso dado humano mais objetivo e que é nele que Deus nos visita para nos pôr a caminho rumo à nova humanidade, se não lhe opusermos uma resistência que pode se manifestar nas tentações opostas de autojustificação (autopiedade) ou de desespero.
A forma como os seres humanos amam envolve inevitavelmente as emoções e a corporeidade. Consequentemente, é realmente estranho que seja tão difícil falar de paixões e de sexualidade no âmbito da religião cristã, embora esta, mais do que as outras, afirme atribuir um valor sagrado ao corpo, por meio da Criação, da Encarnação e do mistério pascal da Morte e Ressurreição.
“Não posso ter uma relação madura com a minha sexualidade enquanto não aprender a aceitar os corpos humanos, até mesmo me comprazer com eles, com o meu próprio corpo e com o dos outros. Este é o corpo que eu tenho, e é quem eu sou, envelhecendo, engordando, perdendo os cabelos, evidentemente mortal. Tenho que estar à vontade com o corpo dos outros, os belos e os feios, os doentes e os saudáveis, os velhos e os jovens, masculinos e femininos” [3].
Muitas vezes, os presbíteros encurralados por seus estímulos e necessidades afetivo-sexuais se veem forçados a se refugiar em mecanismos psicológicos de tipo defensivo, como o isolamento emocional, a intelectualização ou em outros mais patogênicos, como a negação, a projeção e a repressão, que, em todo o caso, irão levá-los a sofrer taxas muito altas de sofrimento e de deterioração da saúde mental.
Ou sucumbem a essas necessidades e começam a viver uma vida dupla, que, de qualquer forma, não os ajudará a se realizarem melhor como pessoas nem, em geral, evitará que eles sofram sentimento de culpa e neuroses mais ou menos profundos. Viverão na condição de náufragos entre o céu e a terra [4].
Portanto, é mais do que nunca oportuno iluminar os elementos estruturais, psicológicos e culturais do modo de viver a sexualidade dos padres.
Somente com uma aceitação clara e positiva da própria sexualidade e com a formação contínua de uma consciência que busca a verdade, será possível um celibato ou uma castidade consagrada recebidos como dom de Deus a serviço do Reino, para além da orientação sexual da pessoa, porque não é a orientação sexual que dá dignidade à pessoa.
No caso de presbíteros com orientação homossexual, considero iluminador o que o Papa Francisco afirma no livro “A força da vocação” [5]: “Os sacerdotes, os religiosos e as religiosas homossexuais devem ser encorajados a viver integralmente o celibato e, sobretudo, a ser perfeitamente responsáveis, procurando nunca criar escândalo nas próprias comunidades ou no santo povo fiel de Deus vivendo uma vida dupla. É melhor que deixem o ministério ou a vida consagrada do que vivam uma vida dupla”.
Segundo a ordem da razão, para Tomás de Aquino, o instinto sexual não é um mal necessário, mas um bem. Ou, melhor, a completa e radical insensibilidade a todo o tipo de emoções sexuais, que muitos gostariam de considerar como “verdadeiro” ideal e perfeição da vida cristã, é julgada não só como um defeito, mas como um verdadeiro vício [6].
Um caminho de formação para o celibato casto exige uma dimensão quádrupla:
- Dimensão transcendente: aceitação do dom de Deus e uso de meios adequados para conservá-lo;
- Dimensão imanente: com o uso da racionalidade nos conhecimentos da biologia e das ciências humanas, para atingir uma autêntica maturidade afetiva;
- Dimensão interior: formando-se na liberdade “de” e “para”, e na interiorização das leis e dos valores, para chegar a um celibato livremente aceito;
- Dimensão social: tanto ad intra (da família de origem) quanto ad extra (na vida relacional com os outros), de modo que o celibato se converta em sinal escatológico e profético.
O mais alto grau de maturidade, portanto, é obtido a partir da harmoniosa fusão entre razão e afetividade, sem bloqueios, remoções ou defesas. Desse modo, a razão passa a gozar da contribuição de energia e de alegria que provém da afetividade e, ao mesmo tempo, assume esta em seu próprio nível: a libido se torna amor verdadeiro, oblativo, e a agressividade se torna força produtiva de bem, isto é, de trabalho, de atividade, que realiza o bem amado; o sujeito goza de unidade harmoniosa interna e está nas melhores condições para alcançar seus objetivos [7].
Esse é justamente o sujeito que Freud definia como “genital” [8], ou seja, capaz de gerar não só fisicamente (no caso do matrimônio), mas sobretudo espiritualmente, tanto no matrimônio quanto no celibato (sétima fase de Erikson). Hoje, falamos de generatividade, que deve acompanhar cada etapa da vida e cada estado de vida.
É nessa fase que se explicita a capacidade produtiva e criativa de cada indivíduo. Tal faculdade procriadora se manifesta paralelamente no campo de trabalho, do compromisso social e da família, incluindo o nascimento dos filhos, e é sustentada pelo desejo vivo de deixar um rastro de si no mundo (generatividade).
A solicitude é a virtude emergente nessa fase, definida por Erikson como “a preocupação dilatadora pelo que foi gerado por amor, pela necessidade ou pelo acaso”, entendida também como a tendência a lidar, com sentimentos de prazer e realização, com o próprio semelhante (cuidado, assistência, criação dos filhos, transmissão da cultura etc.). Caso as capacidades generativas sejam inibidas em alguns desses âmbitos, o adulto corre o risco de que a sua identidade regrida, emergindo uma sensação de vazio e de empobrecimento (estagnação) [9].
Uma sexualidade madura significa não apenas a aceitação do valor sexual integrado ao conjunto dos valores humanos, mas também a afetividade madura e a consequente capacidade de renúncia física, como forma de perfeição da personalidade em outra direção.
A maturidade sexual representa uma etapa necessária para alcançar um nível psicologicamente adulto. Para chegar a tal nível, é preciso ter superado estágios anteriores: o captativo da criança, cujo amor está em função do que se recebe; o narcísico do adolescente, que busca a si mesmo dando seu afeto; o passional do jovem, que deseja sentir apenas a alegria egoísta do prazer sexual.
Uma sexualidade integrada não pode ser alcançada sem conflito, sem renúncias ou lutas. O sujeito orientado para o amadurecimento sempre terá que lutar, porque a cada momento tem uma escolha a fazer, justamente entre a satisfação de certas necessidades em uma ou outra linha de suas potencialidades.
Por exemplo, acho que é impróprio ler a experiência do abandono do ministério por parte de um presbítero como um sintoma de baixa “maturidade afetiva”. Não me parece que aqueles que deixam o sacerdócio apresentem necessariamente uma “maturidade afetiva” mais carente do que aqueles que continuam como padres. Somos e permanecemos vulneráveis em todas as condições de vida. Assim como a maturidade afetiva é necessária em todo estado de vida.
É fundamental ter consciência de que não é possível a edificação de uma personalidade humana e espiritual robusta sem a luta interior, sem um exercício de discernimento entre o bem e o mal, de modo a chegar a dizer “sins” convictos e “nãos” eficazes: “sim” àquilo que podemos ser e fazer em conformidade a Cristo; “não” às pulsões egocêntricas que nos alienam e contradizem as nossas relações com nós mesmos, com Deus, com os outros e com as coisas, relações chamadas a ser marcadas pela liberdade e pelo amor.
A vida segundo o Espírito, à qual todo cristão é chamado, envolve o conhecimento de si mesmo e dos mecanismos que governam a tentação, um discernimento da própria fraqueza particular para poder combater com vigor contra o pecado. O pecado é uma potência que opera no ser humano e por meio do ser humano, contra o próprio ser humano e sua vontade, como Paulo salientou com perspicácia: “Não consigo entender nem mesmo o que eu faço; pois não faço aquilo que eu quero, mas aquilo que mais detesto” (Rm 7,15).
Um dos aspectos mais desatendidos da vida cristã hoje certamente é o da luta espiritual, elemento fundamental em vista da edificação de uma personalidade humana sólida e madura, antes mesmo de ser cristã. Trata-se do combate invisível em que o ser humano opõe resistência ao mal e luta para não ser vencido pelas tentações, aquelas pulsões e sugestões que adormecem no fundo de seu coração, mas que muitas vezes acordam e emergem com uma prepotência agressiva, a ponto de assumir o rosto de tentações sedutoras.
Desde as primeiras páginas do Gênesis, o Antigo Testamento conhece o mandato a dominar o instinto malvado que habita o coração humano: “O pecado está à espreita diante de tua porta; ele se esforça para conquistar-te, mas tu deves dominá-lo” (Gn 4,7). Essa luta é tão necessária que nem mesmo Jesus escapou dela, e seu confronto no deserto com o Tentador nos mostra isso claramente.
A luta diz respeito a todos. Afirmar que basta ter uma vida sexual regular (e, portanto, fazer com que os padres se casem) para manter o instinto sob controle é como negar que existam pecados e crimes sexuais cometidos por pessoas casadas.
O homem encontra o sentido de sua vida em amar, e o eros é a pulsão fundamental que o habita, é parte de sua fome de amor. No entanto, ele também deve encontrar limites – os anglo-saxões falam de “boundaries”) –, ou seja, deve ser atravessado pela dinâmica do desejo.
O eros deve aceitar a diferença e a distância. Isso significa que eu tenho que aprender a controlar os “estímulos discriminativos” que não produzem a minha conduta, mas sob cuja influência ela se encontra: lugares, situações, amizades, leituras, meios de comunicação, mídias sociais etc.), trata-se – segundo o léxico tradicional – de “fugir das ocasiões próximas de pecado”.
Esta última é uma expressão que contém uma grande verdade: somos fracos, somos de carne, podemos cair, e a melhor atitude é a de humildade, da prudência e do respeito.
“Ainda hoje, quando se fala de sacerdócio, o arquétipo continua predominando sobre a realidade. Concentramo-nos no papel que o padre deveria desempenhar e não nos interessamos pela sua pessoa. Ser verdadeiramente pessoal, isto é, consciente de si mesmo, é o pressuposto indispensável para amadurecer uma atitude de compaixão universal. Quanto às fraquezas, a minha convicção é que falar com franqueza sobre a humanidade dos sacerdotes e, em geral, dos cristãos é o melhor serviço que podemos prestar ao cristianismo e à Igreja. Se realmente cremos que somos filhos da Encarnação, não podemos negar que a divindade se encontra precisamente naquilo que há de mais humano. Não são os bons que merecem a companhia de Deus, porque Deus está nas sombras: na escuridão do sofrimento, no crepúsculo da contradição. O cristianismo, por sua vez, não é a adesão a um modelo predeterminado, mas o esforço para reconhecer e implementar uma harmonia entre os diversos aspectos da vida. Não pretendo afirmar que o mal tem o direito de existir, mas que o cristão tem o dever de redimir o mal” (Pablo d’Ors).
Trata-se de compreender bem que cada pessoa tem um caminho pessoal para a autorrealização. Toda história humana é mais um evangelho que Deus escreve, com palavras nunca ditas antes. Nesse caminho, as nossas fragilidades também podem se tornar a nossa força.
“Por algum tempo, e eu tinha 21 ou 22 anos na época, me perguntei como era possível que um homem determinado a viver para o espírito tivesse tantos sonhos eróticos vívidos. Não demorei muito para encontrar uma resposta convincente: não se trata de forças opostas, como se tende a pensar, mas de uma única força. Todos os homens verdadeiramente espirituais – e penso em São Paulo, em Santo Agostinho, em Lutero – foram espirituais e carnais em um único e mesmo movimento. Santa Teresa, por exemplo, amou Jesus com sua carne. São João da Cruz, Santo Inácio, Pelágio, Tomás More, Thomas Merton, Tagore, Ghandi... para dizer a verdade, há apenas uma força que pode transcender – e não vencer – a carnalidade: a do Espírito. Por isso, quero declarar aqui que é possível viver sem o amor carnal e, mais importante, é possível viver feliz. É muito difícil, óbvio, não nego” [10].
Deve-se dizer que, quando um conteúdo sexual não é aceito pelo ego, ele facilmente passa para o inconsciente e aí permanece, manifestando-se sob a veste de sintomas. Esse processo é chamado de “repressão” e às vezes se apresenta no campo da castidade consagrada e do celibato, pois todo o nosso mundo afetivo e sexual está envolvido nele. A repressão talvez seja o maior perigo camuflado que o presbítero ou a pessoa casta consagrada podem experimentar.
A libido insatisfeita pode encontrar outros escapes, alheios até mesmo ao âmbito sexual: o apego às riquezas, a ânsia de possessão e a avareza; o desejo de dominar e influenciar os outros; a necessidade de se sentir admirado, consultado e influente; chamar a atenção de qualquer forma etc. São dinamismos que podem se acentuar com excesso na pessoa que não se sente satisfeita, adquirindo um significado diferente. O próprio ministério apostólico é vivido, então, como uma forma para satisfazer com sucesso o desprazer e a inquietação interior.
Decorrem daí alguns tipos-caricatura de celibato e de castidade [11]:
Assim, a luta, a tomada de consciência, a responsabilização faz parte da nossa vida presente e nos comprometem com um contínuo processo de purificação, conversão e cura, tanto em nível humano quanto em nível espiritual.
Não não lutamos sozinhos. Não, Deus estende a mão para nós, combate por nós e conosco. Somente Cristo, que vive em cada um de nós, pode vencer o mal que nos habita, e a luta espiritual é exatamente o espaço no qual a vida de Cristo triunfa sobre a potência do mal, do pecado e da morte.
Infelizmente, vivemos em um tempo em que a imagem domina e em que se perdeu o valor do símbolo, enquanto o eros é mais espetacularizado do que vivido em sua profundidade.
Olhando em volta, parece-me viver em um regime de pornocracia e absolutamente não tenho a impressão de que hoje a sexualidade é vivida serenamente, como poderia parecer.
Passamos do fanatismo hipócrita do passado para a ostentação mais vulgar de hoje, sem parar no vale do equilíbrio, onde a mente e o coração estão totalmente conectados, e o instinto está a seu serviço.
Se pessoas poderosas e ricas são dominadas pelos próprios instintos sexuais, em uma espécie de jogo de massacre, de delírio de onipotência, de não aceitação do envelhecimento... Se no Facebook é normal se oferecer por meio de imagens que deixam muito pouco espaço para a imaginação… pois bem, tudo isso significa que a relação homem/mulher e o papel da sexualidade ainda estão lidando com as trevas que carregamos dentro de nós mesmos.
E talvez esteja aqui, na atual tirania da imagem, a raiz da idolatria da esfera erótica: a idolatria é a construção de uma imagem para substituir a realidade, é uma fuga para o imaginário, perdendo a adesão à realidade e evitando também as dificuldades, os sofrimentos, as angústias que ela traz consigo.
Na imagem publicizada, a sexualidade é vivida sem angústias, sem conflitos: essa é a ilusão sedutora do erotismo tornado ídolo, ao alto preço de uma sexualidade despersonalizada, sem mais qualquer valor simbólico, sem o outro, sem seu rosto. Nesse sentido, não podemos esquecer o exercício predominante da sexualidade virtual, consumida online, assim como a pornografia disponível em rede sob diversas formas.
O sexo é muito frequentemente ocasional, devorado como um hambúrguer, às pressas, mais ou menos avidamente. É feito na web, nas discotecas, nas escolas. É um ritual trendy, da moda. É um exorcismo coletivo que quer afastar a vertigem do vazio, banir o tédio, deixar-se levar pela força da inércia, sem escolher. O instinto não quer que escolhamos, mas é precisamente aí que devemos chegar: escolher ser castos! Essa escolha deve ser feita por cada ser humano em cada momento da vida.
Como podemos lutar nesse âmbito? A dominante do eros deve fugir da reificação do outro e da perversão do desejo, para voltar a ser um dinamismo de encontro e de imersão no mistério de comunhão em que o homem e a mulher expressam seu amor. Nesse caminho, é preciso exercitar a ascese humana, a luta contra a despersonalização da pulsão e a reificação da sexualidade.
A luta interior é o caminho por meio do qual, no espaço da liberdade e do amor, aprende-se a arte da resistência à tentação e a arte da escolha. Ter um coração unificado, um coração puro, sensível e capaz de discernimento, um coração que guarda e gera pensamentos de amor: esse é o propósito do combate e da resistência interior, uma arte verdadeiramente apaixonante. É necessária uma grande luta anti-idolátrica para ser livre para servir e amar cada homem, cada mulher, cada criatura; em suma, para conseguir fazer da nossa vida humana uma obra-prima.
Enquanto estivermos nesta vida, sempre teremos que combater contra as tentações, porque a fragilidade e a tendência a pecar sempre permanecem em nós, assim como a concupiscência, apesar da qual sempre podemos e devemos nos recuperar após cada queda, sem nos cansarmos, com o arrependimento e a reparação, pedindo a Deus que não nos abandone na tentação.
Eis, portanto, a verdadeira questão: o uso da faculdade sexual contra ou além da ordem da razão gera no ser humano um ardor libidinoso incontrolável que traz consigo uma inquietação profunda.
A ordem da razão é a da realidade tal como ela se manifesta ao ser humano pela luz do intelecto do qual é naturalmente dotado e pela luz que vem da revelação de Cristo. A arrogância com a qual o ser humano se rebela contra essa ordem, propondo o seu arbítrio como princípio absoluto de comportamento gera em seu interior – segundo Agostinho – uma rebelião de todas as faculdades: elas se tornam incontroláveis pela razão e, por isso, fonte de inquietação e de medo, além de excessos vergonhosos.
E, com fina ironia, Santo Agostinho demonstra que até mesmo a função sexual não está mais submetida à decisão da vontade, de modo que “às vezes esse impulso é inoportuno e indesejado; por outro lado, às vezes, deixa na mão quem está sofrendo e, assim, na alma, arde de desejo, enquanto o corpo está gélido. Desse modo, algo verdadeiramente surpreendente, a paixão não só não se põe a serviço da vontade de gerar, mas nem da paixão mais desenfreada; e enquanto na maioria das vezes resiste completamente ao espírito que tenta freá-la, às vezes entra em conflito consigo mesma e, depois de ter perturbado a alma, chega a perturbar sozinha também o corpo” [12]. Essa seria a razão pela qual, depois do pecado, o ser humano, “tendo perdido aquele poder ao qual o corpo estava completamente submetido, mas não o pudor, sentiu essa paixão, examinou-a, envergonhou-se dela, escondeu-a” [13].
Para que a sexualidade humana se torne uma linguagem de amor, é necessária uma contínua e profunda educação da pessoa: trata-se daquela passagem nunca perfeitamente completa do eros ao ágape, da embriaguez da posse a uma doação madura de si mesmo, da qual Bento XVI fala na encíclica Deus caritas est, que só é possível dentro de uma consciência do outro, como sinal da presença daquele Mistério maior que está na origem da nossa própria existência e que, portanto, merece de nós uma devoção absoluta, quase uma adoração, que é exatamente o ato oposto daquela rebelião original e cotidiana, que nasce da recusa do ser humano a pertencer a Deus.
Uma forma para viver uma sexualidade madura é a amizade. Os padres nem sempre têm amigos e sabem ser amigos. Na maioria das vezes, os ministros ordenados são mais teólogos (ideólogos!) do que artesãos de comunhão e de relações. As características essenciais da amizade são, juntamente com o prazer (os amigos gozam da companhia recíproca), a aceitação, a confiança, o respeito, a ajuda mútua, a confiança, a compreensão, a espontaneidade.
Às vezes, a amizade – particularmente a amizade presbítero-mulher, mas vale também para quem tem uma orientação homossexual – é acompanhada pelas características do “fascínio”, da “exclusividade” e desejo sexual. Ela precisará progredir rumo à gratuidade, à universalidade e superar os estímulos da sensualidade para que os dois amigos se encontrem vivendo uma tensão constante rumo àquele “mais” que está à sua frente e que lhes permite atingir níveis de profundidade espiritual sem precedentes, em grande parte desconhecidos daqueles que querem bem superficialmente.
Pode-se encontrar Deus no caminho da amizade mais verdadeira. Ele não tem ciúmes dos laços dos amigos; pelo contrário, fortalece-os e fecunda-os, torna-os ainda mais fiéis e ricos de ternura. Convém dizer, portanto, que o Céu entra na relação [14].
O verdadeiro amor é eucarístico, no sentido de que é dom de si mesmo e do próprio corpo como totalidade do ser. Essa capacidade de abandono implica a vulnerabilidade, mas é a mesma atitude de Jesus que se ofereceu para morrer e ressuscitar. Portanto, uma sexualidade boa é capaz de anunciar o Evangelho no mundo, pois foge da lógica do poder e da posse para se tornar ícone do dom.
Não é correto dizer que temos um corpo: antes, somos o nosso corpo, que, portanto, pode representar a dimensão mais alta do dom de si, como demonstra a narração evangélica da Última Ceia, da qual deriva a eucaristia. Na realidade, o corpo é o fundamento do contato e da comunicação.
Doar a si mesmo, incluindo o próprio corpo, deveria ser o sentido mais alto da sexualidade, pois o amor nos transforma de indivíduos em pessoas-em-relação, mesmo que isso envolva o risco de se expor e de sofrer. Assim como a eucaristia, uma sexualidade boa deveria ser um sacramento de esperança, que cura as feridas e abre à vida plena.
“Nesse contexto, a castidade faz sentido, ela que só é uma virtude se for manifestação de amor. O primeiro pecado contra a castidade é a falta de amor” [15].
Ser casto significa aprender a amar o outro como um ser humano real, com suas imperfeições e sua dignidade, sabendo que isso também envolve o respeito pela sua inviolabilidade. Por mais que sintamos que queremos nos fundir com a outra pessoa, devemos reconhecer que sempre permaneceremos dois seres humanos distintos, distantes e, portanto, inevitavelmente sozinhos. É preciso aprender a olhar o rosto do outro: aceitar essa dimensão humana do amor permite acessar a intimidade, que é o respeito pela fronteira do outro.
Purificar o desejo, então, não significa renunciar à sexualidade, mas redimi-la como oportunidade de encontro com um outro que é pessoa, sujeito a ser respeitado e não objeto a ser possuído, pois o verdadeiro amor é o que produz liberdade. Ser casto significa fazer o amor entrar na concretude real da relação, pois o amor revela a realidade ao desejo.
Nessa perspectiva, considero que, por analogia, é possível referir ao ministério presbiteral aquilo que o psicanalista Massimo Recalcati refere à profissão do professor. Ele fala da “erótica” do ensino [16]. Creio que é igualmente fundamental falarmos de “erótica” do ministério presbiteral.
Uma vida sexual harmoniosa do presbítero envolve a superação daquela apatia inquietante que revela a queda vertical do sentido autenticamente erótico da vida. Na vida do presbítero, deve haver “espaço para o estupor em relação à aparição milagrosa do mundo” (M. Recalcati).
A “erotização” do ministério presbiteral depende do estilo do presbítero que transforma cada ato de seu ministério em uma realidade que tem o perfume da sua “carne”. Desse modo, ele não é um simples “instrumento” da Graça, mas um Amante que contagia os outros com amor e paixão, levando aos outros o fogo que ilumina a vida. “Eu vim para lançar fogo sobre a terra: e como gostaria que já estivesse aceso!” (Lc 12,49). O presbítero deve trazer consigo a possibilidade da luz para doá-la aos outros.
Infelizmente, às vezes estamos na presença de ministros ordenados apagados, frígidos, rígidos, inafetivos, cansados, entediados, burocratas da Graça, que se limitam a aplicar protocolos eclesiásticos, fugindo da relação e veiculando tudo por meio de normas e decretos usados como algoritmos que pretendem fazer a realidade eclesial funcionar sozinha, como se fosse uma máquina.
Todo ato ministerial – a começar pela homilia, o único agente hipnótico ainda eficaz para fiéis com problemas de insônia – deve se tornar um ato “erótico”, porque não é mais um elemento caótico e pulsional, mas se traduz em um elemento ordenador que anima o impulso, a paixão pelo ministério.
Os atos do ministério presbiteral não podem se assemelhar a uma rolha nas ondas, mas devem orientar a vida humana nossa e alheia, e daí brota a felicidade do presbítero e de quem dele se aproxima.
Muitas vezes, fala-se de formação permanente, de novas estratégias pastorais etc. Todas coisas legítimas e sacrossantas. No entanto, se cada um de nós tentasse pensar, por um instante, no momento em que surgiu sua própria vocação, perceberia que seu presbítero de referência lhe transmitiu algo de “atraente” por meio da qualidade da relação, a partir da singularidade de sua existência e de seu desejo de Deus, e depois veio todo o restante. Por meio dessa relação, descobrimos um novo alimento para nós, um alimento desconhecido do qual ignorávamos a existência.
Desejo que eu e todos os ministros ordenados (diáconos, presbíteros, bispos) vivamos o próprio ministério como um lugar que se abre continuamente à “humanização” da vida na dimensão erótica do fascínio e do estupor a ser experimentado todos os dias para contagiar aquelas pessoas que encontramos no nosso caminho.
Devemos ser homens apaixonados. Homens que ardem de paixão e não se queimam (síndrome de burnout) devido a uma situação ministerial percebida como desgastante do ponto de vista psicofísico.
Como ministros ordenados, devemos ativar recursos e estratégias comportamentais, cognitivas e espirituais adequados para enfrentar essa sensação de exaustão física e emocional. Trata-se de se educar para viver o ministério “eroticamente”, como apaixonados por Deus e por todas as criaturas.
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O padre e a vida sexual. Artigo de Domenico Marrone - Instituto Humanitas Unisinos - IHU