23 Setembro 2022
A trajetória da SBTM mostra que os teólogos e teólogas moralistas reunidos por ela se esforçam para investir na consciência e no diálogo, como para contribuir para o desenvolvimento da teologia moral e da sociedade brasileira. Com isso, a SBTM visa promover um diálogo crítico, plural e tolerante dentro da Igreja, entre a Igreja e a sociedade laica e na sociedade civil como um todo.
O artigo é de Alexandre A. Martins e Mário Marcelo Coelho.
Alexandre A. Martins é professor de bioética e ética social na Marquette University em Wisconsin, nos EUA e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Teologia Moral (2021–2024).
Mário Marcelo Coelho é professor de teologia moral na Faculdade Dehoniana em São Paulo e presidente da Sociedade Brasileira de Teologia Moral (2021–2024).
Nesta semana inicia-se o 45º Congresso Brasileiro de Teologia Moral promovido pela Sociedade Brasileira da Teologia Moral – SBTM, ocasião oportuna para refletir sobre a teologia moral no Brasil nas últimas décadas. Essa área teológica sempre teve grande vigor na Igreja Católica no Brasil e no mundo. Em 1977, um grupo de professores de teologia moral fundou a SBTM e iniciou a tradição de realizar um congresso anual, que nesse ano tem como tema: Cruzar fronteiras: uma urgência para a ética teológica.
Livro "Cruzar fronteiras: uma urgência para a ética teológica", que será lançado no 45º Congresso Brasileiro de Teologia Moral
O trabalho da SBTM, com seus congressos e suas publicações coletivas oferece uma oportunidade para observar a trajetória da ética teológica católica ou teologia moral no Brasil. Dom Ricardo Hoerpers, teólogo moralista participante da SBTM e hoje bispo da diocese de Rio Grande-RS, estudou essa trajetória no livro: Teologia moral no Brasil: um perfil histórico e publicações de artigos. Assim, caminhemos com ele em um rápido olhar nessa trajetória até o congresso desse ano.
Tendo como base os congressos da SBTM, Ricardo Hoerpers afirma “o enforque da SBTM apresenta um lado dinâmico e criativo da Teologia Moral no Brasil.” Ele identifica três fases dos congressos da SBTM até 2012. Cada fase foi caracterizada pelos temas abordados pelos moralistas, temas que refletem os desafios sociais e eclesiais presentes no Brasil e na também na América Latina.
1ª) De 1977 a 1987: Diretamente influenciada pelo Vaticano II e pelas Conferências de Medellín e Puebla, essa fase desencadeou dois importantes aspectos para a originalidade da teologia moral no Brasil: “conscientização e articulação.” Foi um tempo de organização de uma rede entre aqueles que estavam estudando e ensinando ética teológica na Igreja Católica e de estabelecimento de um “processo de conscientização” por meio das práticas dos moralistas inseridos no meio do povo. Três aspectos definem essa fase: “desacomodação, conscientização e articulação”.
2ª) De 1988 a 1998: A segunda fase caracterizou-se por um aprofundamento da reflexão sobre as transformações sociais e culturais que a sociedade brasileira vivia naquele período. A maioria dos congressos da SBTM foram marcados por tópicos de caráter social. Essa fase também testemunhou um significativo aumento da participação de leigos nos debates morais teológicos e uma busca de mais interação com outros países latino-americanos.
3ª) De 1999 a 2011: Nessa fase a SBTM abriu-se mais para dialogar com o pluralismo. Nesse período, a SBTM iniciou uma cultura de convidar pessoas de outras áreas e diferentes tradições para falar nos congressos, algo essencial para fortalecer um ambiente plural e dialogal. Hoepers destaca que, desde 2012, a SBTM iniciou uma nova fase projetando-se novos frutos que estão sendo cultivados sobre um alicerce de 35 anos de experiência, estudos e publicações, inexistentes antes. Ele disse: “Numa vida tão plural e num tempo tão desafiador quanto o nosso, em que tudo caminha numa velocidade absurda, a Teologia Moral no Brasil, por intermédio da SBTM quer manter seu papel de mediadora investindo na formação da consciência e no diálogo para produzir frutos da caridade para a vida do mundo.”
As publicações da SBTM também são um caminho para ver os desafios que os eticistas católicos brasileiros confrontavam em diferentes períodos. Tomo como exemplo algumas séries de livros publicados por moralistas reunidos pela SBTM. A primeira série é a Coleção Teologia Moral na América Latina, publicada em 12 volumes entre 1987 e 1996. Esses livros refletem sobre as questões éticas no Brasil e na América Latina, relacionando-as com problemas sociais, especialmente a injustiça e a pobreza. Eles situam-se numa época em que o Brasil estava retornando à democracia, depois de 25 anos de ditatura, e de enorme desigualdade social. Foi um tempo de grandes transformações sociais e culturais. Outra série de livros, publicada entre 2008 e 2012, sugere que os moralistas pareciam ter questões de cunho mais existenciais. A agenda social deixou de ser prioridade, coincidindo com um período de significativa prosperidade na sociedade brasileira decorrente do crescimento econômico e das políticas de redução das desigualdades sociais.
As publicações coletivas da SBTM que seguem os congressos de 2013 a 2015 deixam transparecer que os eticistas católicos estão enfrentando uma questão dupla: a preocupação com a justiça social dentro de uma sociedade plural e tecnológica; e a necessidade de retornar e rever as bases da moral católica, incluindo a própria experiência brasileira da SBTM. Por exemplo, essas publicações trazem artigos que refletem sobre os fundamentos da teologia moral e procuram responder a questões sociais contemporâneas.
Essa dupla preocupação reflete a questão do diálogo como o maior desafio no Brasil hoje. Assim como Ricardo Hoepers afirmou que a nova fase da SBTM se projeta na dedicação da formação da consciência e do diálogo, a sociedade brasileira precisa de um movimento capaz de iniciar um processo de consciência crítica fundamentada no diálogo tolerante e, ao mesmo tempo, favorecer que essa consciência se torne a base para o aprofundamento do diálogo em vista de uma democracia participativa.
A trajetória da SBTM, mostra que os teólogos e teólogas moralista reunidos por ela se esforçam para investir na consciência e no diálogo, como para contribuir para o desenvolvimento da teologia moral e da sociedade brasileira. Com isso, a SBTM visa promover um diálogo crítico, plural e tolerante dentro da Igreja, entre a Igreja e a sociedade laica e na sociedade civil como um todo.
Com o tema Cruzar fronteiras: uma urgência para a ética teológica, o Congresso desse ano promove um diálogo com a participação de um grupo plural de conferencistas, provenientes de várias áreas da teologia, outras disciplinas e vozes de fora da academia. Dessa foram, pretende-se abordar o papel da Teologia Moral no espaço público a fim de auxiliar o ser humano no que tange à aprofundar a sua humanização, no sentido de abrir pontes de diálogo e de convivência para a consolidação de um mundo onde haja respeito à diversidade, tolerância, cuidado, justiça e paz, renovando a opção preferencial pelos pobres e o compromisso com a proteção do meio-ambiente, a Mãe-Terra. O Congresso aposta num mundo que valoriza a dignidade da vida e os direitos humanos, preservados acima de qualquer assédio, racismo, homofobia e preconceito.
Como tem acontecido nos últimos congressos há mais de uma década, um livro organizado pela SBTM com textos das conferencistas e membros dessa sociedade acadêmica será lançado durante o evento de 2022. Esse volume coletivo mostra exatamente a necessidade de construir pontes de diálogo e atravessá-las para criar encontros produtivos e colaboração entre os diferentes. Na introdução do livro, o atual presidente da SBTM, Mário Marcelo Coelho, diz: “Cruzar fronteiras é também superar todas as formas de preconceito, a xenofobia, o racismo, a LGBTQIA+fobia, a aporofobia etc. É passar do desrespeito ao reconhecimento do outro, nisso consiste a urgência para a ética teológica”.
Construir pontes e cruzar fronteiras que nos dividem são tarefas essenciais para a recreação do mundo e, assim, podermos avançar na justiça, na tolerância, no amor e no cuidado com o outro e a Terra. Essas tarefas precisam ser assumidas em cima de valores e virtudes capazes de nos guiar nessa empreitada, tais como o serviço ao pobre, o diálogo, a humildade, a coragem e a esperança. Por meio do trabalho da SBTM, teólogos e teólogas morais brasileiros têm contribuído, mesmo que em alguns momentos de forma tímida e silenciosa, para a recreação do mundo. Dessa forma, junte-se a nós nessa empreitada, construído pontes e cruzando fronteira.
Informações para o Congresso e a publicações.
Programação do 45º Congresso Brasileiro de Teologia Moral
COELHO, M. M. et al. (Org.). Cruzar fronteiras: uma urgência para a ética teológica. Aparecida: Santuário; SBTM, 2022.
HOEPERS, R. Teologia moral no Brasil: um perfil histórico. Aparecida: Santuário, 2015.
HOEPERS, R. O Legado teológico-moral da Sociedade Brasileira de Teologia Moral e sua força transformadora no Brasil: uma visão em 3D. In: PESSINI, L.; ZACHARIAS, R. (Org.). Ética teológica e transformações sociais. Aparecida: Santuário; UNISAL; São Camilo; SBTM, 2014, p. 337-361.
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Teologia Moral no Brasil a partir da caminhada da SBTM - Instituto Humanitas Unisinos - IHU