Samarcanda, iniciada a cúpula dos Grandes do “outro mundo”. Aguardando o encontro entre Xi e Putin

Foto: Unsplash

15 Setembro 2022

 

Dossiês candentes na mesa da Organização de Cooperação de Xangai que inicia amanhã: da energia aos conflitos.

 

A reportagem é de Paolo Brera, publicada por Repubblica, 14-09-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.

 

A cidade é blindada, nos telhados os rifles de precisão dos spetsnaz em uniformes pretos, as ruas fechadas, agentes aos pares a cada cem metros ao longo das avenidas da capital monumental. Esta manhã, os helicópteros das primeiras delegações oficiais cruzaram o céu de Samarcanda, no Uzbequistão, nas trilhas da Rota da Seda, dando início efetivamente à cúpula anual da SCO, a Organização de Cooperação de Xangai, que começará oficialmente amanhã: dois dias de reuniões plenárias e encontros bilaterais entre 15 líderes mundiais que representam metade da população mundial e mais de um quarto de sua economia. Um mundo que avança tentando se emancipar das regras do sistema geopolítico ocidental.

 

Lá estarão todos os grandes do outro mundo, reunidos pela primeira vez pessoalmente após o desastre do Covid em uma cúpula que promete ser memorável, pelo menos nas premissas. Se também o for nos resultados - com tantas questões e interesses em jogo em meio às turbulências e aos embates da política internacional sobre temas cruciais da segurança e da paz, do meio ambiente e da crise energética, mas também da fome, da sede e da pobreza extrema que o Ocidente culposamente deixou para trás – o saberemos lendo a Declaração de Samarcanda que 15 presidentes se preparam para redigir e assinar. Juntamente com o país anfitrião, o Uzbequistão, estarão todos os líderes da Sco e os dos países observadores, além da Turquia, Arábia Saudita, Catar e Egito. E estarão presentes também os líderes da Armênia e do Azerbaijão que voltaram a se bombardear desde a noite de segunda-feira: também hoje os confrontos continuam, embora felizmente agora tenham retornado a ser esporádicos e de baixa intensidade.

 

Nos bastidores estão as relações complexas e os dossiês candentes de um emaranhado de conexões e tensões não resolvidas: o presidente russo Vladimir Putin e o presidente turco Recep Tayyip Erdogan irão se encontrar à margem em um encontro bilateral de alta tensão: na mesa há a questão do trigo ucraniano sobre a qual Erdogan atuou como mediador e agora apoia as críticas feitas por Putin (que acusa o Ocidente de ter desejado o acordo chorando lágrimas de crocodilo pelos países pobres famintos apenas para depois desviar a farinha para as mesas dos mais ricos); e há a "Operação Especial" russa na Ucrânia com a miragem das negociações de paz, há a nova crise líbia em que apoiam facções opostas e há a questão síria e agora sobretudo a crise entre armênios e azeris, um vulcão que despertou e ameaça uma erupção dramática de violência como aquela que já custou 40 mil mortes desde 1992: os russos são garantes de uma paz acordada em 2020, os turcos apoiam sem reservas o Azerbaijão e os armênios pediram a intervenção do OTSC, a Organização do Tratado de Segurança Coletiva que é semelhante à OTAN dos países na órbita russa.

 

O primeiro-ministro indiano Narendra Modi se encontrará com o primeiro-ministro chinês Xi Jinping, que está saindo das fronteiras nacionais pela primeira vez após o Covid para ir a Samarcanda, onde há nove anos lançou sua Belt and Road, a nova Rota da Seda que ele tentará consolidar e relançar. Entre os dois países há atritos mortais na linha de contato, um impasse que dura no Ladakh desde maio de 2020. E na mesa haverá a estabilização do Afeganistão com todos os países da área, entre os quais o Paquistão e as ex-repúblicas soviéticas da Ásia central com suas ambiguidades de alinhamento, sempre a meio caminho entre o Ocidente e o bloco dos autocratas orientais: com ambos os lados organizam exercícios militares conjuntos, com ambos sediam e participam de cúpulas e summit de área, com ambos participam de iniciativas para gerenciar as relações com o difícil regime dos talibãs num país que ainda é vítima e viveiro de terrorismo.

 

Mas não é mistério para ninguém que o aperto de mão mais importante será aquele entre Putin e Xi, que voltam a se encontrar pessoalmente para firmar uma relação muito mais complexa do que muitas vezes parece a um olhar superficial lançado pelo Ocidente. Uma relação entre dois países que sempre foram tudo menos amigos, mas que hoje se aproximam em contraposição às crises com o mundo ocidental, da guerra na Ucrânia à questão de Taiwan, ao ponto de estabelecer vias energéticas alternativas para o gás e o petróleo russo com grandes investimentos em andamento.

 

Entre os tigres e os leões das três madrassas no monumental e belíssimo Registão de Samarcanda estarão também os novos países que batem à porta para entrar na SCO: o Irã, a Bielorrússia e a Malásia já são países observadores e apresentaram um pedido formal de admissão.

 

Leia mais