25 Agosto 2022
"Os jardineiros modernos pensam no público, se preocupam em melhorar o mundo", escreve Abrao Slavutzky, psicanalista, em artigo publicado por Terapia Política, 24-08-2022.
Foto: Wikipedia
O mundo é dominado por caçadores. São os apaixonados pelo poder das armas e do dinheiro, desprezam as questões ecológicas ou humanas. Buscam dominar o mercado, o espaço, são vaidosos, arrogantes, desprezam as artes, as ciências, os pobres, os negros e os índios. Para os caçadores o que importa é o hoje, o tempo presente, nunca o amanhã de um país ou da humanidade. Os caçadores sabem de destruição, de guerra contra a natureza, e contra os desarmados. Desprezam as florestas e por isso desmatam, são fanáticos pela privatização de tudo só para si, se sentem os donos de um país, do mundo.
A outra metáfora que existe já na modernidade são os jardineiros, que buscam melhorar o mundo. Defendem não só os jardins particulares, como propôs Voltaire; os jardineiros modernos pensam no público, se preocupam em melhorar o mundo, defendem a saúde pública, a educação pública, um estado público.
Os jardins nasceram há milênios, como os jardins suspensos da Babilônia, para encantar o mundo. Como escreveu Guimarães Rosa: “São muitos e milhões os jardins, e todos os jardins se falam”. Jardins e jardineiros são da paz, reformadores que buscam a beleza da natureza, das plantas, flores, árvores, água, pedras e madeiras. O jardineiro cuida da terra, ama a Mãe Terra, cuida da vida e do mundo. Se o caçador é um apaixonado pelo poder, o jardineiro ama intensamente a beleza do espaço e o cuidado com os seres vivos. Toda metáfora tem seus limites, ajuda a imaginar, a simbolizar a condição humana.
Os caçadores podem levar o mundo à destruição, pois são os que têm mais poderes econômico e militar. Lidam sem problemas com a distopia; já os jardineiros pensam no amanhã, na utopia. Os jardineiros buscam reformar, são a mudança, a metamorfose. Talvez alguns armados sejam jardineiros em suas casas, mas falta hoje, por exemplo, um Marechal Rondon, que se preocupou com os índios, com as florestas. Talvez haja jardineiro caçador, mas ou predomina um ou outro na gente, ou seja: qual o caminho mais desperta o entusiasmo pelo que cada um luta, pelo que a gente sonha. Há riscos no mundo da paixão pelo poder a qualquer custo, como ocorre na guerra da Ucrânia, e aqui, quando o autoritarismo dos caçadores vem impondo todas suas vontades. Se sabe o quanto o mundo e o País estão ameaçados pelos armados.
A vida precisa ser sonhada. Se os caçadores sonham com a caça, o inimigo, a guerra, os jardineiros estão voltados à vida. Para as pessoas existirem é preciso saúde, comida, educação, moradia, trabalho, a dança e o canto. A vida é atravessar desertos e labirintos difíceis, e para isso é preciso, é urgente, reaprender a andar juntos, próximos. Os novos ventos aqui poderão secar as lágrimas dos tristonhos e embalar o amor à liberdade, à democracia.
Imaginar que está ocorrendo uma virada na pátria amada, uma virada dos jardineiros em busca de jardins públicos, de uma vida pública e não só privada. É hora, é mais que hora de a gente caminhar junto, de fortalecer as redes, de compartilhar desejos, de ocupar as praças. O inverno de anos e anos pode ser superado por uma bela primavera, mesmo que temporária. No inverno, os jardins adormecem e hibernam como os ursos, mas agora o inverno está mais próximo do seu fim. Imagino as árvores florindo e os passarinhos cantando em árvores que cessem de ser cortadas. Se o amor a si é essencial, não se pode esquecer do amor ao mundo. Talvez seja tempo de recordar o conceito africano de ubuntu no provérbio zulu: “Umuntu ngumuntu ngabantu”- Uma pessoa é uma pessoa por meio de outras pessoas.
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Caçadores e jardineiros - Instituto Humanitas Unisinos - IHU