Gutemberg Reis (MDB-RJ) recebeu a punição mais alta entre os parlamentares, enquanto Nelson Barbudo (PL-MT), também em débito com o Ibama, chegou a apresentar projeto de lei para reduzir de R$ 50 milhões para R$ 5.000 o limite dessas penalizações
A reportagem é de Marina Rossi, publciada por Repórter Brasil, 18-08-2022.
Ao menos 16 deputados federais somam mais de R$ 1 milhão em multas ambientais do Ibama. Desmatamento, caça e pesca ilegais, bem como construção em área de preservação sem autorização prévia, estão entre as principais infrações cometidas pelos parlamentares multados.
O levantamento considera tanto os parlamentares como suas empresas e se baseia em dados do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais). As informações podem ser consultadas no Ruralômetro, ferramenta desenvolvida pela Repórter Brasil que, desde 2018, avalia a atuação dos deputados federais diante de votações e projetos de lei que impactam, positiva ou negativamente, o meio ambiente, os povos indígenas e os trabalhadores rurais.
Dos 16 políticos punidos pelo Ibama, 13 tiveram atuação legislativa desfavorável à agenda socioambiental, segundo o Ruralômetro. Isso significa que eles apresentaram projetos ou votaram medidas que são negativas para o meio ambiente e os povos do campo. O número de parlamentares infratores ambientais identificados pela plataforma na atual legislatura é três vezes maior do que no período anterior.
(Infografia: Fernanda Segabinassi | Repórter Brasil)
As multas aplicadas aos eleitos em 2018 variam de R$ 600 a R$ 800 mil, como é o caso do deputado Gutemberg Reis (MDB-RJ). Sua empresa, a GR Caxias Construções e Empreendimentos Imobiliários, foi penalizada por iniciar a construção de um condomínio em Área de Preservação Ambiental (APA) em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense.
Além da multa e embargo pelo Ibama, o Ministério Público Federal moveu ação em 2020 contra a prefeitura do município e o Inea (Instituto Estadual do Ambiente), do Rio de Janeiro, por terem autorizado o desmate para o empreendimento, apesar de posicionamento contrário do Ibama e do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade). A Justiça embargou a obra, que impactava a Reserva Biológica do Tinguá. Procurado, o deputado Gutemberg Reis disse que não comentaria o caso.
O aval para a obra foi concedido em 2005, quando o prefeito de Duque de Caxias era o irmão do deputado, Washington Reis (MDB). Ele foi condenado pelo caso no STF (Supremo Tribunal Federal), em 2016, a sete anos de reclusão por crime ambiental, mas ainda há recursos a serem julgados. A defesa alegou que normas ambientais do Conama (Conselho Nacional de Meio Ambiente) alteradas em 2010 — que permitiram obras a uma distância mínima de 3 km de unidades de conservação — poderiam ser utilizadas retroativamente para beneficiar o réu, mas a segunda turma do Supremo rejeitou os argumentos no ano passado. Washington Reis concorre a vice na chapa do governador Cláudio Castro (PL-RJ), mas a candidatura é contestada pelo MPF em razão da condenação. A reportagem não conseguiu contato com o candidato.
Já a prefeitura de Duque de Caxias afirmou, por meio de nota, que “detém a competência para a concessão de licença para empreendimentos que tenham impacto ambiental local” e que a autorização dada à construtora cumpriu as exigências legais. O município também informou que o ICMBio manifestou “que não era responsável administrativamente pela área” e que “reconheceu a competência do Inea” sobre o caso. A respeito de o então prefeito ser irmão do deputado e proprietário da construtora, a prefeitura negou favorecimento ou conflito de interesse.
O Inea afirmou, em nota, que os questionamentos foram respondidos à Justiça. Já o Ibama não se manifestou. O processo, que gira em torno de uma discussão jurídica sobre qual órgão público seria de fato o responsável por autorizar o desmate no local, ainda tramita na Justiça Federal do Rio de Janeiro (confira os posicionamentos na íntegra).
O imbróglio envolvendo o deputado fluminense é a penalidade ambiental mais alta do levantamento feito pela Repórter Brasil, mas não a única. Depois de Gutemberg está o deputado Luciano Bivar (União-PE), multado em R$ 100 mil em 2012 por construir em local de valor paisagístico ou ecológico sem autorização, em Jaboatão dos Guararapes (PE). Procurada, a assessoria de imprensa do parlamentar disse que buscaria mais informações sobre a infração, e, mesmo cobrada novamente, não respondeu.
Foi por desmatar 15 hectares de uma Área de Preservação Permanente (APP) em sua própria fazenda, em Alto Taquari (MT), que o deputado Nelson Barbudo (PL-MT) recebeu uma multa de R$ 25,5 mil em 2005. À Repórter Brasil, o deputado afirmou que a fazenda foi vendida em 2009. Ainda que não seja o valor mais alto entre os deputados multados, o parlamentar mato-grossense chegou a elaborar um projeto de lei para reduzir drasticamente o teto para multas ambientais, o que poderia beneficiá-lo. De acordo com o texto, o limite seria reduzido de R$ 50 milhões para R$ 5.000 para infratores primários, e o cálculo para as multas obedeceria critérios como área da propriedade e renda do proprietário. Atualmente, o cálculo é baseado não apenas na situação econômica, mas também na gravidade da infração e nos antecedentes do infrator.
Eleito em 2018 como o deputado mais votado do Mato Grosso e puxado pela onda bolsonarista daquela eleição, o estreante na Câmara dos Deputados apresentou ao menos oito projetos de lei que, segundo especialistas consultados pela reportagem, são desfavoráveis ao meio ambiente.
Mais da metade desses projetos colocam em risco territórios indígenas e seus habitantes. É o caso de uma proposta de julho de 2020, que altera o Estatuto do Índio, permitindo o registro de imóveis em terras indígenas (TIs) ainda não homologadas. A medida, que não chegou a ser votada no plenário, buscava reforçar o que a Instrução Normativa número 9, publicada pela Funai em abril daquele ano, já havia autorizado. No texto, Nelson Barbudo justifica-se dizendo que o projeto traria mais segurança jurídica para o cumprimento da normativa.
Outro caso é o do projeto para aproveitamento de recursos hídricos de sete hidrovias que passam por TIs entre as regiões Norte e Centro-Oeste. Em outro texto, Barbudo propõe permitir a exploração econômica desses territórios por meio de atividades rurais associadas com não indígenas. Outra proposta, ainda mais específica, autoriza a pesca esportiva em unidades de conservação e em TIs.
À Repórter Brasil, Barbudo afirmou que seu projeto visa a “arrecadação monetária” e beneficiaria essas comunidades. “As pessoas do mundo inteiro vão trazer dinheiro para fazer a pesca: dólar, euro… isso sim é proteger o meio ambiente, porque é ser contra a pesca predatória”, afirmou. “Estou sendo preservacionista.”
Também é de autoria do deputado uma proposição que prevê que propriedades privadas existentes em áreas de conservação só deverão ser desapropriadas mediante prévia indenização em dinheiro. O texto ainda estabelece que, se o pagamento ao proprietário não for feito em até cinco anos, a norma que criou a unidade de conservação deixará de valer.
Deputado com a pior avaliação no Ruralômetro 2022, Barbudo participa ativamente dos debates ambientais na Câmara. O parlamentar é membro da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, onde é suplente do deputado Covatti Filho (PP-RS). Ali, sua atuação diante dos pareceres emitidos tem sido similar às propostas que apresenta. Rejeitou, por exemplo, um projeto de lei que prevê penas mais duras e multas maiores para infratores ambientais.
À reportagem, Barbudo afirmou que se considera um defensor do meio ambiente. “Se você vier ao Mato Grosso eu vou te levar em fazendas que controlam muito mais [o desmatamento] do que o Ibama. A nossa cultura no Mato Grosso é de preservacionismo”, afirmou. “E eu sou preservacionista liberal”. De todos os projetos apresentados em que ele é o único autor, nenhum, até o momento, foi aprovado.
Sobre a multa recebida em 2005, Barbudo confirmou o valor, disse que o débito ainda não foi quitado e que está recorrendo. “Estou demandando judicialmente até hoje sobre esta multa e recentemente assinei um acordo para pagá-la.”
No Senado, o cenário é muito parecido: levantamento da Repórter Brasil em parceria com a Agência Pública em junho deste ano mostrou que os mesmos senadores que hoje analisam mudanças na lei que podem ter impactos ao meio ambiente já foram multados em quase meio milhão de reais pelo Ibama.
Embora se autodenomine “preservacionista”, projetos apresentados por Nelson Barbudo nos últimos anos fazem parte de uma ofensiva travada pelo Congresso, em especial nesta legislatura, contra a agenda socioambiental. Ao menos 351 deputados têm atuação prejudicial à natureza e aos povos do campo, segundo o Ruralômetro, o que representa 68% da Câmara, ou 2 a cada 3 deputados.
De acordo com o cientista político e sociólogo Alberto Carlos Almeida, essa atuação dos deputados segue uma linha ditada pelo Executivo. Por isso, não adiantaria apenas uma renovação nas cadeiras do Congresso para que a agenda ambiental mudasse de rota em Brasília. “Quem lidera essas agendas na Câmara e no Senado de modo geral é o Poder Executivo, inclusive essa agenda antiambiental”, afirma. “O comportamento dos deputados está muito condicionado ao Executivo e é uma resposta a Bolsonaro”.
Almeida, que também é coautor de “A mão e a luva: o que elege um presidente?” (Record, 2022) e outros livros que estudam o comportamento do eleitor, lembra, no entanto, que o eleitorado tem peso importante nas direções seguidas pelos dois poderes. “A opinião pública poderia reagir diante dessa agenda antiambiental, mas não reage, afirma. “Preservar o meio ambiente não é uma coisa trivial.”
Esta reportagem foi realizada com o apoio da DGB Bildungswerk, no marco do projeto PN: 2020 2611 0/DGB0014, sendo seu conteúdo de responsabilidade exclusiva da Repórter Brasil.