O perigo da assinatura religiosa ao golpismo cristofascista de Bolsonaro de 2022. Artigo de Fábio Py

Bolsonaro participando de Louvorzão 93 | Foto: Reprodução / MK Music

01 Agosto 2022

 

"Seu discurso aponta terrivelmente para 'continuaremos juntos por muito tempo', isto é, seguir por mais tempo no poder, sugerindo a possibilidade de uma ação antidemocrática contra a Constituição brasileira."

 

O comentário é de Fábio Py, doutor em teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC-RIO e professor do Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro - UENF.

 

E o professor adverte: "Nessa nova versão da aliança - com os evangélicos -, parece que Bolsonaro ganha mais status fascistas tradicionais de ir contra a Constituição, de caçar as esquerdas, professores, cientistas e, também, os juízes do Supremo que sempre atravessam seus planos. Assim, o evento do Louvorzão 93 abriu o gradiente de mais um degrau da aura religiosa cristofacista de Bolsonaro, a qual abre possibilidade para que, em nome de Deus, Bolsonaro imploda o que nos resta de instâncias democráticas." 

 

Eis o artigo. 

 

“Eu sonho mais alto que drones
Combustível do meu tipo? A fome
Pra arregaçar como um ciclone
Pra que amanhã não seja só um ontem”
Emicida

 

No Brasil, desde 2019, vem aflorando a conexão de uma face dos cristianismos hegemônicos-midiáticos com outra de grupos governamentais, ambos preocupados com agendas cerceadoras das liberdades democráticas, administradores de uma política de ódio, interessados com o aprofundamento do neoliberalismo no país, e que, diante da possível perda eleitoral em 2022, unge o golpismo bolsonarista. Essa é uma das equações do (des)governo de Jair Messias Bolsonaro, no qual traça estratégias de comunicação política prioritária via ética cristã, e que desde março de 2022, com indicação de derrota eleitoral em primeiro turno, aprofunda um tipo específico de “guerra santa” contra outro candidato à presidência, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do PT.

 

Diante do desenho de derrota eleitoral nas pesquisas, de maio para julho, as lideranças de apoio a Bolsonaro vêm participando/construindo megaeventos cristãos que atravessam as geografias brasileiras. Esses eventos servem de vitrine do projeto eleitoral bolsonarista, como, por exemplo, o Louvorzão 93 (dia 2 de julho, ocorrido na praça da Apoteose, no Rio de Janeiro, ligado ao grupo MK), Marcha para Jesus (no dia 9 de julho, ocorrido em São Paulo, ligado à Fundação Renascer em Cristo) de 2022, e a 35ª Assembleia Geral Ordinária da COMADESMA – Convenção dos Ministros da Assembleia de Deus do Sul do Maranhão (no dia 12 de julho, no templo central da Assembleia de Deus em Imperatriz, no Maranhão). Além da circulação nos megaeventos, Bolsonaro vem apresentando uma nova retórica de ódio mais explícita marcando cada vez mais as diferenças sob o prisma da moralização da política. Junto a isso, pastores, como Silas Malafaia, ratificam cerimonialmente seu discurso ungindo o atual presidente e candidato à presidência, como ocorreu no Louvorzão 93 - cena a qual iremos descrever aqui.

 

1. A ratificação do conceito do cristofascismo

 

Antes, para tratar da cena exemplar ocorrida no Louvorzão 93, separamos três argumentos sobre a forma que se interpreta o governo Bolsonaro. A primeira interpretação é que destaca-se como sendo uma expressão de um cristofascismo. Um termo denso usado pela teóloga Dorothee Solle ao rememorar não só governos totalitários formais, mas também modus específicos de estado de sítio pela via cristã. Ela lembrou, a partir dos EUA, o ocorrido no Alemanha nazista, com Hitler. Para ela, existia uma administração do ódio comum entre os supremacistas brancos nos EUA e o Terceiro Reich. A partir da gestão do ódio, Solle conecta o governo autoritário nazifascista com a ação de grupos batistas, metodistas, pentecostais, presbiterianos impregnados pelo fundamentalismo, que disparam violências contra os “diferentes”. Para ela, existe uma conexão do cristianismo hegemônico fundamentalista com o fascismo; da mesma forma, no Brasil, o cristofascismo brasileiro se encontra embebecido pela gestão do ódio entre as casas missionárias, televangelistas e o governo de extrema direita.

 

A segunda interpretação sobre o cristofascismo brasileiro se conecta com o ramo dos neofascismos brasileiros, como designa Michael Löwy (2020) sobre a figura pública de Bolsonaro. A liga do neofascismo com o cristofascismo brasileiro decorre do entendimento de que ele não seria uma espécie clássica de fascismo, pois não fecha parlamentos; seu mandatário chegou ao poder pela via eleitoral e lida com certa pluralidade partidária. Também, se o fascismo se liga à fortificação do Estado, o neofascismo, para Finchelstein, está mais relacionado com a implosão de elementos coletivos deste, como saúde pública, educação e as ameaças constantes contra o sistema democrático. Por essa via, o governo Bolsonaro se conecta à lógica do mercado, ao ultraliberalismo, promovendo a administração do ódio aos demais setores do estado, às minorias, às pluralidades, aos setores LGBTQIAP+.

 

Como se diz, a gestão Bolsonaro promove o espalhamento de sua administração do ódio neofascista mediante os símbolos/afetos do cristianismo hegemônico e, junto a ele, submete uma nova modulação das lutas de classes do capitalismo brasileiro. Isso quando afirma as perseguições aos setores LGBTQIAP+, às mulheres, no sufocamento dos funcionários públicos, na batalha contra a liberdade de imprensa, nas ameaças a órgãos de justiça, no desprezo das contagens dos infectados, no maquinário perverso de fake news, nos óbitos da Covid-19, na implosão da ciência brasileira e descrição cruel da classe professoral como “comunista”.

 

A terceira interpretação sobre o cristofascismo brasileiro se inspira em Gramsci quando destaca que a família dos fascismos são modulações “extremas das lutas de classes, em nome das direções capitalistas (...) que tracionam um leque de inteligências em prol hegemonia capitalista” (2001, p. 212). Para ele, os fascismos “caracteristicamente operam a violência junto aos estados (...) nas quais defendem a liberdade da classe dirigente” (p. 325). Assim, historicamente, os fascismos operam internamente o debate da liberdade, como na Itália de Mussolini seus dirigentes usavam essas narrativas para a atomização dos trabalhadores, para sua desarticulação.

 

O governo Bolsonaro computa essa operação, contudo, com certa especificidade (no espectro do neofascismo): utiliza termos, cenas, versículos, orações, textos, exegeses que normatizam uma ética cristã fundamentalista típicas das agências neoimperialistas fundamentalistas americanas. Ele vem promovendo uma acintosa guerra cultural e principalmente dos deuses para aprofundar a reprodução neoliberal operando um robusto silenciamento dos adversários. Depois de relacionar o cristofascismo brasileiro ao cristofascismo europeu de Solle, ao neofascismo de Löwy e ao fascismo de Gramsci, passamos a descrição das falas de Bolsonaro e de Malafaia no evento Louvorzão 93.

 

2. Louvorzão 93: Bolsonaro e a nova investida retórica do ódio para eleições

 

No evento do Louvorzão 93, Bolsonaro discursou junto aos seus fiéis pastores, cavaleiros do apocalipse, como o evangelista e empresário Silas Malafaia, responsáveis pelo aprofundamento da retórica da guerra cultural no sentido da guerra dos deuses. O evento é uma reedição de um evento histórico evangélico fluminense das décadas de 1990 e de 2000, promovido pela rádio mais popular do país, a Rádio 93 FM, do Grupo MK Musik – rádio evangélica.

 

A importância da Rádio deve ser indicada, pois as principais Grandes Estruturas Evangélicas são representadas nela, principalmente o setor do Rio de Janeiro, quando circularam na sua programação pastores midiáticos como o próprio Malafaia, Josué Valandro Junior, Fausto Aguiar, Apóstolo Miguel Ângelo, Juanribe Palharin, entre outros. Agora, estrategicamente, a Rádio 93 se notabilizou com os “crentes” ao promover diariamente debates na hora do almoço com temas evangélicos explosivos. Assim, sobretudo, esta mídia e os debates serviram de “escada” para pastores como Malafaia, que também promovia o Louvorzão, evento que objetivava ocupar locais populares, de baixo custo, de fácil acesso, para seus ouvintes (uma nuvem de evangélicos das camadas periféricas do Rio) terem acesso aos artistas da Rádio.

 

2.1. A guerra dos deuses do “eles x nós”

 

É na retomada desse evento histórico e popular que Bolsonaro discursa. E ele é apresentado a partir de um mix de textos bíblicos, um midrash evangélico. O primeiro texto é uma “fórmula do divino” encontrado em Romanos 11,36: “Porque Dele, por Ele e para Ele, são todas as coisas.” A apresentadora do evento prontamente o relaciona com o texto bíblico seguinte de Romanos 13, 1-2, no qual, trata de "honrar as autoridades instituídas”. A partir dessa honra político-teológica chama à palavra o “Excelentíssimo Senhor Presidente da República: Jair Bolsonaro”. Assim, Bolsonaro, envolto com essa aura espiritual, constrói um discurso longo (diferente das suas monossilábicas falas no ambiente religioso) que pode ser dividido em três partes: a primeira trata das diferenciações dos projetos políticos, a segunda destaca a questão das liberdades em seu projeto político, e a terceira, quando indica ser escolhido por Deus para governar o país por mais tempo.

 

Diferentemente da campanha de 2018, ele não evoca o texto bíblico de João 8:32. Não. Ele começa traçando as diferenciações. Fala de forma direta, mesmo que com tom sereno, desenvolve os temas, o que não fazia em 2018. A fala tranquila permite que evoque a guerra cultural na direção da guerra dos deuses, afinal, quer comunicar com o evangélico médio que não se interessa pela truculência, mas pela fala mansa, de mansidão. Com ela, apresenta as diferenças dos projetos políticos, dando destaque ao seu projeto pessoal versus esquerda – do PT. Começa com o tema candente as igrejas “O outro lado quer legalizar as drogas; nós não queremos”, passa pela “ideologia de gênero”, e na sequência trata da relação com países comunistas com o PT. De cara, opera as diferenciações para o público religioso usando de simplificações que se baseiam em seu projeto político: drogas x liberação, ideologia de gênero, a questão do comunismo x capitalismo.

 

No mesmo tom diz que "eles querem se aproximar dos países comunistas”, e volta para uma importante chave para o público do evento ao dizer que os outros querem “atacar a família, nós defendemos a família brasileira”. Sim, para o público evangélico a ideia de família tradicional cristã é norteadora, e se conecta com a liberdade que evoca na sequência “o outro lado quer cercear as mídias sociais; nós queremos a liberdade das mídias sociais”. Todas essas construções, meticulosamente pensadas para dar um panorama das diferenças, para salientar “ou seja: tudo o que o outro lado quer, nós não queremos. Isso é o que está em jogo aqui no nosso país”. Essa fórmula “eles x nós”, é uma importante estrutura de comunicativa retórica de intensificação da guerra cultural.

 

Na sequência do discurso sua declaração de guerra cultural ganha conotações de guerra dos deuses, para fechar a primeira parte. Isto é, como chefe do Estado, evoca o nome de Deus, dizendo: “peço nesse momento que Deus ilumine cada um de vocês nesses momentos difíceis de decisão”. Condiciona a ação política eleitoral (de 2022) na razão, não na emoção, no ato de ouvir os “seus pais ou seus avós (...) os melhores conselheiros”. Nada mais expressivo no projeto conservador do que a consulta às famílias, ou seja, a tradição. Portanto, nessa primeira parte do discurso, apresenta tanto as diferenciações, as controvérsias, para depois indicar que as tradições, a “estrutura familiar patriarcal brasileira” deve ser a resposta em nome de Deus. Ele fortalece a afirmação direta da estrutura brasileira racista, sexista e classista.

 

2.2. O silenciamento das diferenças e a exaltação da nação

 

A segunda parte do discurso é desenhada por Bolsonaro com uma teoria da formação brasileira, a partir do que chama de “pluralidade”, que no Brasil é, também, amplificação do silêncio das desigualdades. Justamente assim diz “o Brasil, onde tudo aqui é mistura, não há diferença entre nós, somos um país maravilhoso”. Traça uma exaltação típica daquelas operadas pela Ditadura cristã-empresarial-civil-militar brasileira, uma propaganda esplendorosa que visa apagar a violência da formação do estado brasileiro. Essa pluralidade que despreza as diferenças pode ser ratificada na sequência: “todos podem atingir os seus objetivos, basta ter fé, acreditar, lutar”. Seu objetivo é capturar a ideia do país maravilhoso que, com Deus, todos têm oportunidade de igual maneira.

 

Ele ainda volta às diferenciações da guerra cultural contra o PT, indicando que “outros países na própria América do Sul (...) estão perdendo”, ou seja, esses países não vivem uma democracia, logo, estão mal. Intuitivamente, Bolsonaro traz sua visão da superioridade (imperialista) do Brasil sobre os povos da América Latina, desprezando-os, argumentando que vivem na “miséria”, ou não têm “sua liberdade”. Sua comparação destaca o problema de um novo governo PT, pois ele irá se relacionar às Ditaduras da América Latina. Para isso, diz “Liberdade essa que alguns querem tolher enquanto eu falo”. Busca trazer à tona um clima de pânico moral contra o projeto eleitoral que se está lutando que é de uma ditadura, contra a liberdade e contra Deus. Assim, a ideia da Ditadura cristã-empresarial-civil-militar brasileira do Brasil como país de oportunidades-maravilhoso lhe serve de argumento contra o projeto do PT que quer abolir as liberdades e fechar cultos.

 

2.3. A perigosa reedição do messianismo político de Bolsonaro de 2018 nas eleições de 2022

 

A terceira parte do discurso é pequena mas contundente. Nela, Bolsonaro retoma o tema do que passou no processo eleitoral de 2018, isto é, a facada que tomou. Sobre essa situação, ele descreve como sua vitória sobre a morte, ou “agradeço a Deus pela minha segunda vida”. Sobre ela, ele teologiza, evocando uma memória cristã de vitória sobre a morte. Sua vitória ocorreu com a promessa de ter “a missão de estar à frente do Executivo Federal”. Ativa novamente o raciocínio usual das igrejas quando entendem que, sempre que ocorre “um milagre”, o divino constitui um propósito para intervenção. Em seu discurso messiânico, venceu a morte para ser presidente, contudo, agora, ele constrói uma nova adaptação perigosa.

 

Afirma: “e se essa for a vontade dele, continuaremos juntos por muito tempo (...) para louvar o Senhor Jesus”. Segue colocando o crédito junto a Deus (“se essa for sua vontade”), contudo, apresenta uma fórmula perigosa ambígua proposital: “continuaremos juntos por muito tempo”. O que pode significar tanto mais quatro anos previstos para reeleição, como uma nova configuração de regime. Tudo isso “para louvar o Senhor Jesus”.

 

É uma evocação no mínimo preocupante, na qual cada vez mais vem sendo assinalada na campanha eleitoral, com a possibilidade de garantir a manutenção governamental de outra forma, ou seja, fora do jogo democrático, com prática de violências e desrespeito à constituição. Tudo isso em nome de Deus, como cristofascista que é, diz que é para “louvar o Senhor Jesus”, até porque o evento se chama “Louvorzão”. No discurso, Bolsonaro deixa indicado perigosamente que pode não aceitar a vitória de Lula, que pode seguir por mais tempo no poder, pois o projeto da esquerda é autoritário, contra a liberdade, tudo isso a partir da áurea religiosa, munido pelo sentimento sensível da religião, tão central para os evangélicos do evento.

 

2.4. A assinatura do golpismo messiânico de Bolsonaro via Malafaia

 

No término da fala de Bolsonaro, Malafaia assume o microfone para fazer oração e ungi-lo na corrida eleitoral. Sim, é uma das poucas vezes que fica tão explícito a assinatura de Malafaia a todo conteúdo do projeto de Bolsonaro; ao mesmo tempo, é uma retumbante explanação do projeto cristofascista do governo ao se unir com os cristianismos hegemônicos para pautar a guerra dos deuses contra os heterodoxos. Assim, Malafaia começa dando o recado: “somos povo de Deus e oração é coisa séria e oração é mundo espiritual”. Ele prepara sua oração transformando o discurso em batalha espiritual.

 

Para desarmar qualquer resistência, indica a importância do ato da oração-unção pois “tem que interceder pelas autoridades, para que tenhamos uma vida quieta e sossegada”. Assim, como cavaleiro do cristofascismo de Bolsonaro, verbaliza o terror para o público evangélico: “alguém aqui quer comunismo, ou alguém aqui quer desgraça, quer igreja fechada?” Sua evocação da guerra espiritual é para instaurar o pânico religioso, para não ter “bagunça, comunismo e igreja fechada”, ou seja, mantém a linha do discurso de Bolsonaro.

 

Na oração em nome de Jesus, retoma o texto bíblico iniciado pela apresentadora do Louvorzão. A partir dele, em tom de oração da atenção especial aos argumentos de Bolsonaro, “eu declaro que nós não vamos ter mais corruptos governando esse país. Nós não vamos ter gente que odeia a família, o casamento, que quer destruir crianças”. Na frase, no tempo da oração, Malafaia assina os argumentos de Bolsonaro da guerra dos deuses, contra os que são contra família, casamentos e querem destruir as crianças – sua criação. Na oração, apela iluminando a guerra dos deuses, condiciona que o Brasil não irá mais ser governado por corruptos e gente que “odeia família”.

 

Mas não para por aí; lembra que o país é levado por autoridades que não são só o presidente, como “o poder judiciário, membros do poder legislativo, governadores e prefeitos” - para ele, como empresários, eles são responsáveis pela paz tão importante para a prosperidade do país. Agora, Malafaia não pode deixar de usar seu trunfo: “Declaramos que a igreja se levanta com poder e com autoridade para proclamar que o Brasil é de Jesus.” Nada mais cristofascista de emanar poder na oração sobre o presidente, ou seu projeto eleitoral. A oração de Malafaia assistida por milhões de evangélicos, inclusive nas redes sociais, é uma assinatura sensível para ratificar em nome de Deus o poder dado a Bolsonaro. É dar poder de uma expressão de guerra santa pela via do Estado (ou por ele) a Bolsonaro, ao seu governo, e a tudo o que ele promove. Assim energiza espiritualmente a figura de Bolsonaro e, ao mesmo tempo, assina as pautas cerceadoras indicando a bênção: “declaramos a bênção e a proteção no nome de Jesus e todos digam: Amém. Deus te abençoe, presidente”.

 

Conclusão: a perigosa ampliação da guerra dos deuses de Bolsonaro

 

O evento do Louvorzão 93 é paradigmático. Pois poucas vezes se teve condições de ver juntos, discursando e em oração, Malafaia e Bolsonaro. Como pode ser visto, Bolsonaro vem imprimindo um tom mais belicoso à guerra cultural e dos deuses que no pleito eleitoral de 2018, ao se preocupar com o desenho dos “inimigos”, como fizeram no passado Hitler, Mussolini e o macartismo. Faz isso usando mais palavras, calmamente, para sensibilizar o público que lotou a praça da Apoteose. Seu Grand Finale, absolutamente sério, volta a ostentar a marca de um messias que foi salvo para salvar o país. Contudo, agora, é mais sério. Seu discurso aponta terrivelmente para “continuaremos juntos por muito tempo”, isto é, seguir por mais tempo no poder, sugerindo a possibilidade de uma ação antidemocrática contra a Constituição brasileira.

 

O não menos grave é que todos esses pontos sérios, de guerra cultural e dos deuses e luta contra os ditos inimigos, o messianismo político de Bolsonaro e até a possível manutenção antidemocrática no poder foram devidamente ratificados na oração de seu pastor Silas Malafaia e pelos evangélicos, pelas igrejas que participavam do evento. O cavaleiro do apocalipse cristofascista, Malafaia, diante do discurso mais detalhado de Bolsonaro, “abençoou” seu ímpeto de violências contra a pluralidade, seu ódio às esquerdas e às minorias, isto é, chancelando espiritualmente a nova modalidade de estado de sítio religioso. Nessa nova versão da aliança, parece que Bolsonaro ganha mais status fascistas tradicionais de ir contra a Constituição, de caçar as esquerdas, professores, cientistas e, também, os juízes do Supremo que sempre atravessam seus planos. Assim, o evento do Louvorzão 93 abriu o gradiente de mais um degrau da aura religiosa cristofacista de Bolsonaro, a qual abre possibilidade para que, em nome de Deus, Bolsonaro imploda o que nos resta de instâncias democráticas.

 

Referências:

 

FINCHELSTEIN, F. Do fascismo ao populismo na história. São Paulo: Almedia, 2019.

GRAMSCI, A. Quaderni del carcere: edizione critica dell’Istituto Gramsci. A cura di Valentino Gerratana (vol. 4). Turim, Itália: Giulio Einaudi, 2001.

LOWY, M. Dois anos de desgoverno – a ascensão do neofascismo. IHU, 2020. Disponível aqui.

PY, Fábio. Pandemia cristofascista. São Paulo: Recriar, 2020.

PY, Fábio. Bolsonaro’s Brazilian Christofascism during the Easter period plagued by Covid-19. International Journal of Latin American Religions, v. 4, p.318-334, 2020.

PY, Fábio. Padre Paulo Ricardo: trajetória política digital recente do agente ultracatólico do cristofascismo brasileiro. Tempo e Argumento, v. 13, 2021, p. 202- 259.

SOLLE, Dorothee. Beyond Mere Obedience: Reflections on a Christian Ethic for the Future, Minneapolis: Augsburg Publishing House, 1970.

WAGNER, C. Peter. Domínio! Como a ação do Reino pode mudar o mundo. Grand Rapids, MI: Chosen Books, 2008.

 

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