O desafio amazônico do futuro cardeal

Dom Leonardo Steiner (Fonte: Wikimedia Commons)

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01 Junho 2022

 

"Dom Leonardo Steiner, como cardeal, será a ponte entre a Amazônia e a Igreja de Roma num exercício difícil porque muitos muros permanecem erguidos", escreve Ivânia Vieira, jornalista, professora da Faculdade de Informação e Comunicação da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), doutora em Processos Socioculturais da Amazônia, articulista no jornal A Crítica de Manaus, co-fundadora do Fórum de Mulheres Afroameríndias e Caribenhas e do Movimento de Mulheres Solidárias do Amazonas (Musas).

 

Eis o artigo.

 

A nomeação de Dom Leonardo Steiner, arcebispo metropolitano de Manaus, para o colégio de cardeais implica numa série de questões relevantes no trato da Amazônia a partir da autoridade máxima da Igreja Católica. Pela primeira vez, um sacerdote com atuação na região será, oficialmente, inserido no corpo de assessores diretos do Papa.

 

Ao fazê-lo, o Papa Francisco altera o molde da Igreja de Roma lidar com a Amazônia, tema frequentemente presente nas falas papais e nas manifestações de fiéis na Praça São Pedro, no Vaticano. Ainda assim, as vozes e os rostos amazônicos pareciam distantes, projetados por meio de filtros e recortes, o que é um movimento delicado considerando a complexidade do universo Pan-Amazônico, desconhecido pela maioria de nós, de setores da Igreja, das instituições e dos governos.

 

Há 42 anos, João Paulo II fez a primeira visita papal à Amazônia brasileira, incluindo a cidade de Manaus. Em julho de 1980, uma multidão acompanhou as celebrações do Papa e, entre tantas falas marcantes, uma delas permanece atual, a do líder indígena Marçal Guarani, Marçal de Souza Tupã-y, assassinado a tiros três anos depois de denunciar a situação dos povos indígenas. Segue trechos do discurso de Marçal:

 

“Eu sou representante da grande tribo guarani, quando, nos primórdios, com o descobrimento desta pátria, nós éramos uma grande nação. E hoje, como representante desta nação, que vive à margem da chamada “civilização”, Santo Padre, não poderíamos nos calar pela sua visita a este país. Como representante, porque não dizer, de todas as nações indígenas que habitam este país, que está ficando tão pequeno para nós e tão grande para aqueles que nos tomaram esta pátria. Somos uma nação subjugada pelos potentes [poderosos], uma nação espoliada, uma nação que está morrendo aos poucos sem encontrar caminho, porque aqueles que nos tomaram este chão não têm dado condições para a nossa sobrevivência.

 

Nossas terras são invadidas, nossas terras são tomadas, os nossos territórios são diminuídos, [e] não temos mais condições de sobrevivência. Queremos dizer a Vossa Santidade a nossa miséria, a nossa tristeza pela morte dos nossos líderes assassinados friamente por aqueles que tomam o nosso chão, aquilo que para nós representa a nossa própria vida e a nossa sobrevivência neste grande Brasil, chamado um país cristão”.

 

As agressões, com mortes, aos povos indígenas foram intensificadas e são acompanhadas pelo silêncio governamental. O Papa Francisco, na exortação apostólica “Querida Amazônia”, fruto da escuta papal durante o Sínodo Especial para a Amazônia, escreve sobre quatro sonhos tendo a região como lugar de realização desse sonhar e no qual compromete a Igreja – “sonho com comunidades cristãs capazes de se devotar e encarnar de tal modo na Amazônia, que deem à Igreja rostos novos com traços amazônicos”. Dom Leonardo Steiner, como cardeal, será a ponte entre a Amazônia e a Igreja de Roma num exercício difícil porque muitos muros permanecem erguidos. O Papa e o sacerdote estudioso os conhecem, lidam com eles e têm disposição para, estrategicamente, enfrentá-los e animar a base de construção visível dos rostos amazônicos.

 

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