20 Mai 2022
"Quem sabe se olhássemos para os sacerdotes com olhos solícitos poderíamos ver quando estão cansados, enfermos ou necessitados de cuidados? Eles são doutores, ajudemo-los a estudar. Às vezes corremos o risco de ser um pouco gananciosos do tempo e da energia dos sacerdotes; os absorvemos totalmente e prestamos pouca atenção ao tempo que eles têm para se dedicar à oração e ao estudo", escreve Filomena Sacco, doutora em teologia moral pela Academia Afonsiana de Roma, onde atualmente é professora, em artigo publicado por blog da Academia Afonsiana. A tradução é de Moésio Pereira de Souza.
No passado, o sacerdote foi o estudante da teologia moral por excelência. Esta disciplina foi criada para ensinar aos confessores os “casos de consciência”. Antes do ponto de inflexão do Concílio Vaticano II, a confissão era o “lugar” privilegiado para a formação das consciências, o sacerdote era seu formador e a teologia moral a disciplina que formava os formadores.
Com o passar do tempo, a disciplina assumiu uma fisionomia própria e precisa e um status epistemológico próprio que lhe caracteriza como uma área da teologia, fundada sobre o Mistério de Cristo e nutrida pela Sagrada Escritura. Está chamada a revelar a grandeza da vocação dos fiéis em Cristo e sua obrigação de dar frutos na caridade para a vida do mundo (cf. Optatam totius 16).
Hoje, os estudantes de teologia são leigos e leigas, sacerdotes, religiosos e religiosas que, unidos pela vocação de estudar teologia, colaboram para levar a luz do Evangelho ao mundo contemporâneo (cf. Gaudium et spes 43). Ainda que o horizonte seja muito mais amplo do que no passado, a teologia moral é uma disciplina com uma dimensão vocacional intrínseca. Por isso, um simpósio sobre o sacerdócio, o celibato e as vocações também compromete a teologia moral. A Congregação para os Bispos e o Centro de Investigação e Antropologia das Vocações organizaram de 17 a 19 de fevereiro uma iniciativa de reflexão: “Para uma teologia fundamental do sacerdócio”. A teologia moral tem muito o que dizer sobre o tema.
Em particular, sem dúvida, aos que se matricularam na escola de Afonso Maria de Liguori lhes vem em mente as numerosas páginas escritas pelo santo sobre o tema da vocação, em particular as exortações dirigidas aos confessores. Ele viveu em 1700, época na qual o sacerdote era um especialista em “casos de consciência” e a confissão um “lugar” de formação de consciências. Por isso, Afonso recorda aos confessores que com a pregação se lançam as redes, com a confissão os peixes são arrastados para a margem (1). Na confissão, os confessores devem remover o vício e suscitar a virtude (2). Na Prática do confessor para exercer bem o seu ministério, ele especifica as tarefas do confessor: pai, médico, doutor e juiz (3).
O confessor deve ser um pai: acolhe a todos e é cheio de caridade. É um pouco como o dono de um burro que caiu em um precipício como nos fala São Francisco de Sales. Ele pergunta: em tua opinião, que deve fazer o mestre? Não vai até ele e lhe bate até lhe quebrar as costelas? De modo nenhum; se aproxima dele, fala-lhe com voz baixa, o levanta e se aproxima dele para não o deixar cair de novo. É isso que o confessor deve fazer com o penitente. Mais valem poucas confissões bem-feitas do que muitas malfeitas.
Ele é um médico. A partir dos sintomas deve compreender a doença, identificar a cura e administrar o remédio nas doses adequadas. O confessor deve compreender qual é a condição do penitente, ganhar sua confiança, estabelecer um diálogo com ele e ajudá-lo gradualmente a se corrigir. Gradualidade e paciência são suas palavras de ordem.
É doutor no sentido de que o confessor deve estudar sempre. Há muitos casos e circunstâncias na vida, por isso o confessor sempre deve se atualizar e se comparar com os demais. É juiz: a absolvição é um juízo, mas de misericórdia e isto sugere uma atenção sensível à situação concreta do penitente e às suas possibilidades. Os confessores devem concretizar fielmente a conduta de Jesus Cristo para que todos possam experimentar o amor misericordioso de Deus.
Bernard Häring, cultivando a intuição afonsiana, situa-se no número dos que deram os primeiros passos no exercício do ministério presbiteral em um momento obscuro da história: a Segunda Guerra Mundial. O sacramento da ordem sagrada capacita alguns homens, por meio do Espírito, a cumprir a missão de anunciar, especialmente na celebração eucarística, a morte do Senhor até que ele venha (cf. 1Cor 11,26). O sacerdote é causa de paz, sinal de união com Deus e de unidade entre os homens. Todo sacerdote deve rezar, trabalhar e sofrer para que a comunidade dos chamados permaneça unida a Cristo. Homem humilde e maduro, especialista em discernimento, vigilante, atento a compreender as necessidades do povo; unido a Cristo deve inspirar esse amor e essa acolhida que Ele mesmo foi, assim como está chamado a ser embaixador da reconciliação. A vida do sacerdote está inteiramente dedicada ao anúncio do Reino de Deus, testemunho de esperança na vida eterna.
O simpósio se desenvolve em um período histórico difícil para as vocações em geral, e para o ministério sacerdotal em particular. Por um lado, poucos jovens que respondem a esta vocação, por outro, às vezes se acendem os refletores sobre crimes terríveis que envolvem os sacerdotes, de modo que se sufoca a credibilidade mesma do ministério (5). Aqui não é o lugar para investigar as causas ou julgar atos e pessoas. Existe um provérbio que diz: “Uma árvore que cai faz mais barulho do que um bosque que cresce”. Uma árvore que cai é todo o mal que nos rodeia. É terrível, é verdade, e não se pode ocultar. O bosque que cresce é humilde, está escondido, silencioso, mas é oxigênio para hoje e uma promessa para o futuro. A reflexão sobre o sacerdócio e as vocações deveria atrair a todo o povo de Deus, incluído os teólogos. Pode uma comunidade acolhedora formada de crentes e “companheiros de viagem” fazer algo mais para promover a beleza da vida doada no ministério sacerdotal? Aqui está a provocação que pode surgir desde o pensamento afonsiano brevemente esboçado acima.
É verdade que são pais, mas não existe pai que não seja filho. Os sacerdotes são filhos da Igreja, portanto, filhos de todos, devem ser amados como tais. Uma criança se ama em si mesma, não porque é perfeita, simplesmente se ama e nada mais. São médicos, mas que médico não é por vezes também um paciente? Quem sabe se olhássemos para os sacerdotes com olhos solícitos poderíamos ver quando estão cansados, enfermos ou necessitados de cuidados? Eles são doutores, ajudemo-los a estudar. Às vezes corremos o risco de ser um pouco gananciosos do tempo e da energia dos sacerdotes; os absorvemos totalmente e prestamos pouca atenção ao tempo que eles têm para se dedicar à oração e ao estudo. São juízes, mas muitas vezes são julgados, e às vezes, inclusive, com pouca piedade. Recordemos que a misericórdia que nos espera devemos dá-la aos demais, incluindo os sacerdotes; na medida em que a medimos nos será medida. Todos estamos chamados a colaborar para fazer realidade o sonho do Papa Francisco: “Uma Igreja que aquece o coração das pessoas com a proximidade (6)”.
(1) ALFONSO M. DE LIGUORI, Selva di materie predicabile e istruttive per dare gli esercizi a’ preti ed anche per uso di lesione privata a próprio profitto, in Opere Ascetiche, vol. III, Pier Giacinto Marietti, torino 1880, cap. IX, n. 31, 77.
(2) ALFONSO M. DE LIGUORI, Praxis Confessarii, in Theologia Moralis, vol. IV, Ed. Gaudè, Roma 1912, c. IX, n. 121, 596.
(3) Cf. ID, Pratica del Confessore per ben esercitare il suo ministero, in Opere Complete, vol. IX, Marietti, Torino 1855, c. I, n. 6, p. 7 ss; cf. S. MAJORANO, Il confessore, pastore ideale nelle opere di san’Alfonso, in StMor 38/2 (2000), 321-346.
(4) Cf. B. HARING, Morale e Sacramenti. Spiritualità sacramentale, Edizioni Paoline, Bari 1976, 188.
(5) Veja aqui.
(6) FRANCESCO, Il nome di Dio è misericórdia, Piemme, Milano 2016.
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Uma contribuição para uma teologia do sacerdócio a partir da tradição afonsina - Instituto Humanitas Unisinos - IHU