"A escrita de Clarice consegue atingir o mais fundo da vida introspectiva, andar em terreno da sombra e da luz da nossa psique, uma densidade psicológica de possíveis transcendências e transfigurações inacreditáveis", escrevem Aléxia Lopes e Laine Chapada.
A literatura nos transporta a outros mundos. Através dela, conhecemos lugares que nunca visitamos, histórias que nunca imaginamos e pessoas muito diferentes de nós e de quem convivemos.
Mas, e quando a literatura nos leva a mergulharmos no mais profundo de nós mesmos? Como pode, ao abordar a história de um ou mais personagens fictícios, um romance nos levar a emoções e lembranças de nossas próprias vidas?
Para Evando Nascimento (2021), “pensar o impensado é tarefa que a literatura realizou sempre com mais liberdade e isso aparece com força na obra de Clarice Lispector”.
O objetivo deste artigo é relatar e registrar a experiência das “rodas de conversa” realizadas após as aulas on-line dos cursos livres sobre Clarice Lispector, oferecidos pelo professor Dr. Faustino Teixeira através do Instituto Humanitas da Unisinos - IHU (Universidade do Vale do Rio do Sinos - Unisinos).
Os cursos oferecidos desde o primeiro semestre de 2021 foram os seguintes:
2021.1 – Todas as crônicas
2021.2 – Todos os Contos
2022.1 – Romances (alguns) de Clarice Lispector
Os cursos são livres, isto é, sem pré-requisitos para a participação. Também são oferecidos de forma totalmente gratuita, o que lhe confere um destaque, pois existe uma diversidade de cursos com custos elevados sobre a mesma autora.
Desde o primeiro curso, os alunos foram convidados a participarem de uma roda de conversa, via plataforma on-line, em seguida da aula. A roda de conversa tem como finalidade tirarmos dúvidas e aprofundarmos alguns aspectos da aula do dia.
Uma aluna é responsável por “abrir a sala” de bate-papo e tem papel fundamental nas rodas de conversa ao cuidar para que a palavra circule, que novos participantes se integrem, enfim, garantir o bom andamento da conversa, ao mesmo tempo deixando espaço para que cada “roda” seja um encontro único e diferente, sem formato rígido.
A participação nestas rodas de conversa tem sido, em média, de 10 a 15 pessoas. Destas, um grupo de oito a dez pessoas se mantêm fixo, com participação, portanto, há mais de um ano.
Tanto nas aulas quanto nas rodas de conversa, a participação feminina é maior do que a masculina. Em formulário criado para a elaboração deste artigo, obtemos resposta de dois homens e oito mulheres. Já as idades dos participantes são bem diversas: varia de 43 a 70 anos.
Ao longo dos sucessivos cursos, com a manutenção fixa de alguns participantes, observa-se que as rodas de conversa têm se revelado um espaço onde emergem muito além de dúvidas sobre a literatura clariceana. Vem à tona um universo de sensações, relatos de angústias, trocas de afetos, intimidade, sentimentos que as leituras de Clarice nos provocam.
Os participantes têm encontrado ali um clima e confiança para exporem suas próprias experiências de vida, revividas e reatualizadas a partir de personagens como Joana, Lucrécia, Mineirinho, a menina do conto “Felicidade clandestina”, entre outros...
Neste sentido, as aulas conduzidas pelo professor Faustino nos ajudam a fazer uma leitura orientada de Clarice, e junto com as rodas de conversa, facilitam a “digestão” dos conteúdos, fazendo com que os estudos clariceanos adquiram um tom de leveza.
Nas rodas de conversa, evidencia-se uma capacidade do grupo em ouvir sem julgamentos, o que tem facilitado ao longo do tempo a emergência de conteúdos íntimos e difíceis como: alcoolismo, sexualidade, casamento, entre outros.
Outros pontos positivos observados são: a valorização das pessoas independente de seus títulos acadêmicos, o reconhecimento do nosso estudo pessoal e hipóteses de raciocínio sobre a interpretação dos textos estudados.
Ressalta-se ainda que as rodas de conversa acontecem em uma perspectiva horizontal. Nelas, não há mais a relação piramidal professor-aluno. O professor é mais um participante, com espaço de vez e voz iguais aos demais. Paulo Freire e Guimarães Rosa expressam em palavras o que é vivenciado nas rodas:
“Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender”
(FREIRE, Paulo, 1996: p. 25)
“Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende”.
(ROSA, João Guimarães, 1956: p. 250)
Segundo o próprio Professor Dr. Faustino, “a elaboração teórica dos alunos” alimenta e o ajuda a tecer o seu pensamento discente.
Cabe aqui destacar que falamos de um professor de alto nível acadêmico, como pode ser observado em seu Memorial defendido no ICH da Universidade Federal de Juiz de Fora, em 19 de dezembro de 2014, visando o título de Professor Titular.
Na conjuntura capitalista em que vivemos, trata-se de situação rara a disposição em partilhar o conhecimento de forma democrática e gratuita, enquanto várias instituições aproveitam o momento “em alta” de Clarice Lispector para ofertar cursos muito bem pagos.
Outro aspecto relevante é a abertura para o diálogo com o diferente e “altero”: o falar em linguagem acessível, a metodologia didática que tem como princípio “desembaraçar os fios para que os alunos compreendam a trama” dos textos de Clarice Lispector. Isso torna essa experiência muito peculiar, pois dificilmente alguém com essa titulação acadêmica está aberto a “trocar” com quem não está no mesmo nível acadêmico e tornar acessível a muitas pessoas, assuntos complexos restritos a uma pequena parcela da sociedade, como é a literatura de Clarice Lispector.
Assim, o conhecimento é construído através da escuta e das trocas, ou seja, em rede.
Como diz uma das participantes das aulas e das rodas de conversa, “a literatura de Clarice não é algo que se lê e depois sai assobiando”. Ela nos provoca, inquieta, arrepia e toca em feridas emocionais que julgávamos cicatrizadas.
Talvez isso explique o pequeno grupo que permanece após as aulas, nas rodas de conversa. Clarice não é consenso. Alguns a evitam, outros se identificam sem conseguir explicar o porquê. Como diz Maria Homem:
“A Clarice vai navegar nas águas obscuras, nas águas ambíguas, são só das coisas como da própria escrita, da própria anunciação, da forma de dizer. Ela vai dizer de uma maneira que ela própria é escorregadia. (...)Na própria letra, na materialidade da linguagem ele vai provocar o sentido e o não sentido. Tanto que tem muita gente que vai dizer eu não entendo Clarice, é muito difícil ou eu não consigo entrar. Tem outras pessoas que vão dizer: é simplesmente eu. E simplesmente tudo. Ou eu não preciso muito raciocinar, eu sou isso, eu sinto isso.” (disponível aqui. Acesso em: 31/03/2022)
E a identificação com a literatura clariceana, não quer dizer que seja uma identificação açucarada, muito pelo contrário. Clarice nos leva a “verdades difíceis de engolir” e é justamente isso que nos toca em sua literatura. Maria Homem mas uma vez ressalta:
“Aquilo que te toca e normalmente talvez ouse chegar no “mal”, naquilo “que te faça mal, te faça doer”, aí tem uma verdade. E a verdade não necessariamente é da ordem do aprazível, nem necessariamente da ordem do imaginário do bem.” (HOMEM, Maria Lucia. Disponível aqui. Acesso em: 31/03/2022)
Para alguns leitores, Clarice Lispector é considerada incompreensível e insuportável. Esses, não conseguem viver a intensidade de sua linguagem literária. A experiência com Clarice na maioria das vezes é radical, carregada de aspectos psíquicos significantes que remetem à existência humana.
A escrita de Clarice consegue atingir o mais fundo da vida introspectiva, andar em terreno da sombra e da luz da nossa psique, uma densidade psicológica de possíveis transcendências e transfigurações inacreditáveis. Como ressalta Benedito Nunes, Clarice abarca “um horizonte reflexivo e até especulativo de sondagem existencial.” (NUNES, 1989, p.9)
Desta forma, na magnitude de sua escrita, o rigor da sua singular pontuação, a tensão dramática da narrativa com repetições, recuos, vários questionamentos, provocam no leitor mal-estar não só psíquico, mas físico, como náusea e o sentir da própria respiração. Ler Clarice Lispector é levar “um soco no estômago”. O grande crítico literário Antonio Candido (1943) afirma: “tive verdadeiro choque ao ler o romance diferente que é ‘Perto do Coração Selvagem”. (CÂNDIDO,1943, p. 127).
Começar pelos romances é uma chance enorme de desistir de uma escritora que toca no mais íntimo de nossa existência. Por isso, de maneira planejada, o Professor Dr. Faustino começou oferecendo o curso “Todas as Crônicas”, que é “um processo orgânico, não uma ideia abstrata" (DIDI-HUBERMAN, 2021, p.14), de Clarice criar sua própria linguagem nas crônicas semanais no Jornal do Brasil em 1967. Em seguida, o livro “Todos os contos” que contém contos, alguns escritos e uma peça, e mais uma vez Clarice Lispector navega e adentra com maestria neste gênero literário e depois na complexidade dos romances.
Clarice trabalha com uma escrita introspectiva, em que os seus personagens são contraditórios, escutam os silêncios de suas próprias vozes, até alcançarem a nossa própria realidade interna. Então, nos surpreendemos com questionamentos internos: “parece que já vivi isso!”, “está ficção diz sobre mim!”
Ela escolhe em seus personagens os bichos, as plantas, os seres transgressores. Emília Amaral, professora literária, destaca as características das personagens:
“Eles pungentes, como a nordestina Macabéa; ou como Mineirinho, morto com treze tiros de policiais; (...) como mulheres e homens presos aos laços de família e alheios de si próprios; como figuras que duramente mas cheias de vitalidade vão descobrindo, desde pequenas, que a felicidade é clandestina, que crescer é doloroso, pois implica se exilar de si próprio, para conseguir a aceitação dos outros; que é preciso amar o existe, e não o que amaríamos a partir de nossas limitações narcísicas; que as pessoas precisam recuperar o grito ancestral que as revitaliza e mostra do que são capazes, transgredindo moldes, padrões, num exercício obsessivo de desconstrução de tudo o que brutaliza a sensibilidade.” (AMARAL, 2017. p.10)
É como afirma Yudith Rosenbaum (2021): “tendo as palavras como arma, ela investe contra as injustiças, as desigualdades e os preconceitos, desmontando falsas acomodações que nos afastam da vida plena”.
O processo literário de Clarice, diz fortemente sobre a forma como ela escreve e como é sentida a sua inspiração para escrever. Assim como Guimarães Rosa, em seu escritório, lutava com o demônio para escrever Grande sertão: veredas, Clarice possivelmente lutava internamente, pois sua linguagem nos convida para regiões subterrâneas de nossa psique. Ela toca no inominável, como bem expressa na sua conhecida frase “o que desejo ainda não tem nome.”
Nas palavras de Antonio Candido (1943): “O seu ritmo é um ritmo de procura, de penetração que permite uma tensão psicológica poucas vezes alcançada em nossa literatura contemporânea”.
Quando entendemos o que é a poesia avassaladora na páginas de sua obra, ficamos em suspensão, porque ler Clarice é adentrar no mais íntimo de nossa vida, escutar a música da vida em nossos poros, despertar da vida superficial e enxergar um outro mundo, outra vida se abrindo, com espanto, com a mão da garganta: a nossa vida interior.
A catarse acontece nas rodas de conversas quando cada leitor expõe sua leitura de mundo diante das obras. A arte de ler possibilita a ampliação do psiquismo. Como bem ressalta Jacques Rancière em uma conferência na Universidade de Zurique em 2019, sobre a ficção, que não é “o ato de inventar mundos que não existem”, para o filósofo a ficção faz integração com o nosso mundo e a “maneira de fazer mundo”. (RANCIÈRE, 2019, p.8)
Neste sentido, aos olhares de cada leitor e colegas nas rodas, se lança sobre a mesa a ficção da linguagem literária introspectiva da Clarice Lispector, em forma de mundos diversos e fazeres do mundo de cada um. Invocando a máxima de João Guimarães Rosa, “viver é muito perigoso”.
Para Yudith Rosenbaum (2021), em entrevista à Revista IHU On-Line, edição nº. 547 de 05/04/2021: “Ver-se sem se reconhecer. Este é, no fundo, o convite íntimo da literatura de Clarice Lispector que nos desafia a ver no mundo suas (e nossas) cicatrizes profundas”.
Observa-se que ao longo de toda a obra de Clarice Lispector, ela foi capaz de sintonizar e sustentar com perspicácia a problemática das pulsões do inconsciente, nas personagens femininas. São olhares dos alunos que enxergam os diversos graus de sensibilidade nas personagens Lucrécia Neves, Joana, Ana, Sra. Jorge B. Xavier, Ângela, que vivenciam sensações de vazio, impotência, de aflições com a rotina do cotidiano, de desconforto frente aos padrões preestabelecidos.
"As palavras me antecedem e ultrapassam, elas me tentam e me modificam, e se não tomo cuidado será tarde demais: as coisas serão ditas sem eu as ter dito. Ou, pelo menos, não era para isso. Meu enleio vem de que um tapete é feito de tantos fios que não posso me resignar a seguir um fio só; meu enredamento vem de que uma história é feita de muitas histórias. E nem todas posso contar - uma palavra mais verdadeira poderia de eco em eco fazer desabar pelo despenhadeiro as minhas altas geleiras." | Clarice Lispector, "Os desastres de Sofia", in: A legião estrangeira 1999
Para cumprir o objetivo deste artigo de relatar e registrar a experiência das “rodas de conversa” realizadas após as aulas on-line dos cursos livres sobre Clarice Lispector, não poderíamos deixar de “dar voz” aos participantes assíduos das rodas.
A construção em rede de cada encontro das “rodas de conversa” nos obriga a ser coerentes com essa metodologia.
Ao refletirmos sobre a obra de uma grande escritora, nos deparamos com a importância da palavra escrita para cada ser humano. Nas rodas, várias vezes comentamos como ler Clarice nos motiva a também escrever, a nos expressarmos através da palavra escrita.
Pensando nisso, solicitamos um depoimento de cada participante frequente das rodas de conversa.
Para preservar os nomes reais das pessoas, os substituímos por nomes de plantas mencionadas por Clarice Lispector na Crônica “De Natura Florum” e "Dicionário".
Nos deparamos com relatos que, primeiramente, mostram que os estudos de Clarice despertam também “o (a) escritor (a) que tem dentro de cada um de nós”.
Nota-se em alguns depoimentos, a menção clara de como as rodas de conversa constituem um momento terapêutico não convencional, seja pelo teor dos escritos clariceanos, seja pelo simples de fato de conhecermos pessoas novas (lembrando que os primeiros cursos de Clarice foram oferecidos no auge da pandemia):
“É um momento de reflexão sobre a aula, onde atualizamos o texto em discussão para os nossos dias. Alarga meus conhecimentos, mas não muda minha maneira de pensar. Fico impactada algumas vezes, e me surpreende a emoção de alguns colegas, Clarice é provocante e cutuca as nossas ações como mulher, desperta sentimentos novos ou escondidos e nos coloca em xeque-mate. Tudo isso só é possível pela maneira delicada e brilhante, que o mestre Faustino nos apresenta Clarice. Arrisco dizer: em alguns momentos ele é Clarice e seus personagens. Conhecer pessoas novas é também fazer terapia.” (A. 67 anos)
“Despojamento dos participantes, com suas falas e comentários genuínos, principalmente do Prof. Faustino, me faz sentir acolhida, mesmo com rara manifestação, amplio minha percepção sobre o tema e o viver . Enfim terapêutico . Agradeço ter encontrado esse precioso Grupo, meu carinho também a A., L. , G., M. e a todos participantes, que mesmo não nomeados, formam uma egregora de plena humanidade” (R., 60 anos).
Para uma das alunas, participar dos cursos e das rodas de conversa significou um reencontro com sua formação profissional, da qual estava afastada:
“As rodas de conversa são essenciais para eu prosseguir na leitura e estudo de Clarice Lispector. Sem elas, como espaço propício para falar abertamente sobre as minhas dúvidas sem ser julgada, talvez desistisse. Com as rodas, além de prosseguir nos estudos reencontrei motivação para voltar a atuar na minha área de formação (Psicologia). Quem melhor do que Clarice Lispector para nos lembrar que a alma humana, mesmo em suas contradições é muito interessante?” (L. 43 anos).
A dificuldade de estudar a obra de Clarice Lispector também foi relatada:
“Ler Clarice para mim é muito difícil. A roda de conversa proporciona um alento em meio a tantos espantos em sua literatura. Falar sobre a 'coisa' que me tormenta. Torna-se menos pesado a dor, a inquietação e até mesmo a compreensão da vida. Faço como Guimarães Rosa, 'leio Clarice para a vida'."(A. 43 anos)
Alguns participantes destacam a oportunidade de ouvir o outro e a “verdade” de cada um:
“Participar das rodas de conversas é uma grande oportunidade de crescimento visto que, discutir e refletir a obra da Clarice é um confronto com nossas próprias verdades e, através disso, é possível darmos sentido às nossas experiências.” (A. 44 ANOS)
“Momento único de troca de experiências e aprendizado. Ouvir, falar, principalmente sentir a outra pessoa nas verdades que relata a partir da leitura feita” (E., 49 anos)
O fato de conhecer pessoas novas, estabelecer uma relação amistosa de confiança nas rodas de conversa, aprender não apenas com o professor mas também com os demais colegas também pode ser observado:
“Fico muito feliz em participar desse momento, sempre desejado! É de grande valor integrar o conteúdo da aula ao nosso cotidiano, inspirados e incentivados que somos pelo nosso querido e admirável mestre, que sempre, com suas colocações, ilustra, ainda mais, o pensamento de Clarice. Eu me enriqueço enormemente com os depoimentos dos colegas, tão profundos e dignos- tocam meu coração e ampliam meus horizontes; nossa troca de ideias me fortalece, amorosamente. Clarice Lispector ficaria encantada com os desdobramentos de suas reflexões feitos na roda de conversa!” (A., 70 anos)”.
“São momentos especiais. Participando ativamente ou ficando em silêncio ouvindo é muito bom. Parece que já conheço os participantes antigos faz tempo. As aulas do professor são imperdíveis! Gratidão imensa por ter encontrado vocês”. (C., 63 anos)
A importância de cursos como esse, em momentos de grande isolamento social como o que vivemos recentemente (pandemia pela covid-19) também apareceu nos depoimentos:
“São alento nas tardes de quarta-feira, aprendo muito ouvindo e compartilhando os resultados de minhas leituras, tem sido maravilhoso, agradeço ao Prof. Faustino por ter dado a mim essa chance de participar e sou muito agradecida por todas as aulas que ele desenvolveu até o presente momento”. (M., 54 anos)
“Estes cursos foram um bálsamo em nossas vidas em 2021! Comecei despretensiosa, estimulada por um desejo antigo de ler CL. Não tive nem tenho interesse em me aprofundar nas questões colocadas por ela em sua forte e bonita literatura. Restringi-me a ler os textos determinados pelo professor e acompanhar suas enriquecedoras aulas. Nesse contexto, acrescido do meu gosto pelo social, por estar com as pessoas, participei de várias rodas onde minha contribuição foi bem menor que a escuta recebida. Foi uma alegria conhecer vocês e o professor. As aulas, no formato dado, não possibilitam esse encontro. Não estou lendo os romances mas tenho acompanhado as aulas. Pelas manifestações no grupo e facebook parece-me que as rodas têm sido mais intensas e ricas. Certamente por um amadurecimento maior do grupo e força dos romances. Forte abraço a todas/os!” (D, 65 anos)
Acreditamos que propiciar um espaço de diálogo e escuta após as aulas tem se mostrado como espaço terapêutico não convencional. Desta forma, a solidão das pessoas em plena pandemia, tiveram um pouco de alívio com as aulas dos curso e a roda de conversa proporcionou lugar de afetos, cuidado, troca das sensações de existir no mundo.
Mas, longe de ser um espaço de auto-ajuda, pois estaríamos indo ao contrário de Clarice.
Para Maria Homem (2022):
“Ela (Clarice) é a anti autoajuda, que ajuda. Então qual é a ajuda eficaz? É aquela que de alguma maneira não vai ter esse discurso de massageamento egóico: você pode, você consegue, vai, todo um blablabla que pode estar na moda, pode vender milhões e te mostrar a força da magia, do amor, do bem ...” (HOMEM, Maria Lucia. Disponível aqui. Acesso em: 31/03/2022)
Nele, o diálogo intergeracional (temos participantes de 43 a 70 anos de idade), o enfrentamento de conteúdos difíceis e angustiantes, possibilita percebermos nossas limitações, mas também identificarmos nossas potências.
Em formulário criado para a elaboração deste artigo, obtemos respostas de dois homens e oito mulheres. Uma vez que a literatura de Clarice é rica em abordar as relações de modo geral, seria muito interessante aumentar a participação masculina nessas rodas de conversa.
A interação do grupo tem sido construída sobre bases nas quais o compartilhar de emoções é presente e isso tem criado um forte vínculo, em que pese estarmos em localizações geográficas diferentes (dos que responderam o formulário, quatro pessoas são do Estado de São Paulo, três pessoas de MG, dois do Espírito Santo e um de Pernambuco) e raros participantes se conhecerem pessoalmente.
Na sociedade atual, encontrar espaços onde se possa falar e ser ouvido tem sido cada vez mais difícil: família, igreja, universidade e escolas há muito tempo tem deixado de ser um desses espaços.
“Ao reinventarmos outros espaços de fala e de escuta, longe dos convencionais, lembramos que o mundo pandêmico também pode nos trazer formas saudáveis de nos relacionarmos, onde através de nossas parcerias alimentamos “nossa vontade de potência” (CONTRO, Luiz – 2020).
AMARAL, Emilia. Para amar Clarice: como descobrir e aprender os aspectos mais inovadores de sua obra. 1. ed.- Barueri, São Paulo: Faro Editorial, 2017.
CANDIDO, Antonio. No Raiar de Clarice. (1943) in: Vários Escritos, Livraria Duas Cidades, 2ª edição: 1970.
CONTRO, Luiz. Nós e nossos personagens – histórias terapêuticas. São Paulo: Ágora, 2020.
DIDI-HUBERMAN, Georges. A vertical das emoções: as crônicas de Clarice Lispector- traduzido por Eduardo Jorge de Oliveira. -Belo Horizonte: Relicário, 2021.
FREIRE, Paulo (1996). Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 165 p.
_________________. Todas as crônicas. Rio de Janeiro: Rocco, 2018.
_________________. Todos os contos. Org. Benjamim Moser. Rio de Janeiro: Rocco, 2016.
NASCIMENTO, Evando. “O impensável na literatura de Clarice Lispector”, in: Revista IHU On line, Edição 547, 5/04/2021.
NUNES, Benedito. O drama da linguagem: uma leitura de Clarice Lispector. São Paulo: Atica, 1989.
ROSA, João Guimarães. Grande Sertão Veredas. 22ª edição. Rocco
ROSENBAUM, Yudith . “O espelho antinarcísico de Clarice Lispector”, in: Revista IHU On line, Edição 547, 5/04/2021.
RANCIÈRE, Jacques. João Guimarães Rosa: a ficção à beira do nada. Belo Horizonte: Relicário, 2021.
Vídeo disponível desde 6/03/2018