29 Abril 2022
"Liberdade, democracia, Estado de direito são irrenunciáveis para nós [da esquerda]. Mas sobretudo à esquerda esperaríamos o cuidado para alguma distinção: que o Ocidente não é o Reino do bem em oposição ao Reino do mal".
O artigo é de Franco Monaco, ex-senador italiano, jornalista e publicitário, de 1979 a 1984 coordenou a revista Vita e Pensiero, depois fez parte da equipe editorial de La rivista del clero italiano, Ambrosius e Aggiornamenti sociali, todas de inspiração católica.
De 1986 a 1992, por nomeação do cardeal Carlo Maria Martini, foi Presidente da Ação Católica, associação da qual foi membro do Conselho Nacional até 1995.
Em 1999 fundou com Prodi o movimento político de I Democratici (também conhecido como L'Asinello, devido ao símbolo da formação política). Nas eleições políticas de 2008 foi candidato ao Senado da República lista do Partido Democrata na região eleitoral da Lombardia, sendo o primeiro dos não eleitos. Em 22 de fevereiro de 2011, após a renúncia de Umberto Veronesi, Monaco assumiu no Senado.
O texto foi publicado por il Fatto Quotidiano, 28-04-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Carlo Galli, um grande estudioso da política, à margem do debate sobre a decisão improvisa e verticalista de aumentar significativamente os gastos com defesa, observou que a questão representa uma feliz oportunidade para desenvolver uma reflexão política elevada e profunda.
Galli é tudo menos um estudioso inclinado a uma visão ingênua e romântica da política. Certamente não um pacifista: democrata sincero, formado na escola de Nicola Matteucci e estudioso de Gramsci (ele preside o Instituto de Bolonha dedicado a ele), contribuiu para trazer o conhecimento de Carl Schmitt para a Itália. Pois bem, Galli destacou que uma discussão sobre a Defesa exigiria discutir sobre as "categorias fundamentais do político". Isso é, paz e guerra, soberania, conflito, ordem internacional...
Essa ideia, não acolhida, voltou ao meu pensamento observando como as disputas político-culturais sobre a guerra na Ucrânia explodiram com os esquemas tradicionais, redefiniram afinidades e diferenças, desemparelharam e cortaram transversalmente direita e esquerda. A circunstância é explicada precisamente à luz da observação de Galli. Ou seja, não deveria surpreender que a guerra no coração da Europa se configure como uma "epifania", uma revelação de diferenças e contradições dentro dos alinhamentos convencionais. Políticos: direita-esquerda. Mas também culturais: leigos-católicos. Convergências e divergências que se manifestaram em particular sobre o conceito de resistência, sobre o fornecimento de armas à Ucrânia, sobre a noção de Oriente e Ocidente, sobre a relação entre o cristianismo e as identidades nacionais que dividiram as próprias igrejas cristãs.
Eu gostaria que voltasse ao tema. No momento, limito-me a confessar um mal-estar pessoal como modesto militante católico (leigo) de esquerda. Um mal-estar que eu poderia fixar em uma fórmula: as duas diferenças perdidas. A diferença cristã e a diferença ou tensão para a alternativa que deveria marcar a esquerda. Como cristão que sempre lutou tanto para enfatizar a exigência de mediação entre princípios e práticas, quanto para reivindicar autonomia laical e política, certamente não serei eu a invocar o princípio de autoridade. E, no entanto, não posso esconder que fiquei impressionado com o relativo isolamento do Papa.
No viés da esquerda, cito dois exemplos.
O primeiro: a inversão da figura interpretativa do artigo 11 da Constituição italiana. É verdade que não exclui a guerra de defesa, mas, na circunstância, a ênfase colocada na exceção, na subordinada, acabou por obscurecer a principal, a “tese maior”, ou seja, o repúdio à guerra. Um sinal dos tempos!
Segundo exemplo: a hipostatização e a homologação do conceito de Ocidente. Deixe-me ser claro: liberdade, democracia, Estado de direito são irrenunciáveis para nós. Mas sobretudo à esquerda esperaríamos o cuidado para alguma distinção: que o Ocidente não é o Reino do bem em oposição ao Reino do mal (deixamos tais paranoias para Kirill); que existem também outras formas de civilização; que a ordem econômica e política é perfectível (o oposto do thatcheriano “Tina: There is no alternative”.
A aposta de que era possível mudar o mundo não era o lema das esquerdas, (assim como dos cristãos?); que o Ocidente – no qual, fique claro, ficamos de bom grado e não trocaríamos com outros - não é um todo indiferenciado e que, por exemplo, o modelo social europeu ostenta sua própria peculiaridade-diferença em relação aos EUA. O oposto de um pensamento único inspirado por uma espécie de fundamentalismo ocidentalista. Precisamente a consciência do limite, também nosso, a distância do “perfeccionismo”, um relativismo saudável são um bom resultado do Ocidente. E ainda mais dos cristãos e da esquerda. Ainda pode ser notado, sem passar por amigos de Putin?
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Mas onde está a nossa diferença como cristãos militantes de esquerda? Artigo de Franco Monaco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU