25 Fevereiro 2022
"O Brasil merece ter um futuro contrário a tudo isso. Mas não basta desejar. É preciso participar, desde agora, do processo eleitoral que se inicia, e encará-lo como um grande mutirão plebiscitário. Mudar os governos estaduais, o Congresso Nacional e a presidência da República", escreve Frei Betto, escritor, autor de "A arte de semear estrelas" (Rocco), entre outros livros.
Todo efeito tem uma causa, perceberam os gregos antigos. Quando causas nefastas não são eliminadas, efeitos danosos costumam ocorrer em cascata.
Agora, temos a triste notícia de que o rei Momo estará impedido de desfilar em muitas ruas do Brasil, pelo segundo ano consecutivo. E deverá, como é aconselhado a todos nós, permanecer recluso na medida do possível e guardar distanciamento. Medidas que muitos não observaram entre o Natal e o Ano-Novo ao promover ou participar de aglomerações em festas e encontros familiares.
Agora, padecem de influenza e Covid.
As causas? O surto de gripe e as variantes da Covid. Mas serão essas as “causas primeiras”, indagaria Aristóteles?
Tudo indica que a culpa é do ecocídio praticado por nós, seres humanos, nos últimos 200 anos. Vírus que sempre transitaram entre animais supostamente irracionais, sem afetá-los seriamente, agora se transferem para os seres humanos, supostamente inteligentes, já que os ecossistemas são destruídos e as interações biológicas, rompidas.
Em busca de lucros e convencida de que os humanos são sujeitos e a natureza mero objeto, a concepção capitalista (também presente em países socialistas) devasta o Planeta e altera seu equilíbrio socioambiental, como denuncia o papa Francisco em sua encíclica “Laudato Si”. Agora, assistimos, como alertou Lovelock, “à vingança de Gaia”. A riqueza de uns poucos resulta em sofrimento de muitos. Como o excesso de chuvas que castiga regiões do Brasil, coincidindo com o período extremo de seca em regiões altamente produtivas, como Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul.
Querer fazer de uma coisa o seu contrário é próprio da festa de Momo. Foi o que observou Goethe ao visitar Roma, no Carnaval de 1787: “Rapazes disfarçados de mulheres do povo, com seus trajes de festa, o peito descoberto, audaciosos até a insolência, acariciam os homens com quem cruzam; tratam, com familiaridade e sem cerimônia, as mulheres como suas colegas e se deixam levar por todos os excessos, ao sabor dos caprichos, do espírito e da vulgaridade. As mulheres também se divertem prazerosamente ao mostrar-se em trajes masculinos”. Produzem resultados que o poeta não hesita em definir como “muito interessantes”.
“Aqui, basta um sinal”, prossegue Goethe, “para anunciar que cada um pode enlouquecer do modo que deseja e, à exceção de golpes de porrete ou faca, quase tudo é permitido. A diferença entre castas alta e baixa parece, por um instante, suspensa; todos se aproximam uns dos outros, todos aceitam com desenvoltura seus destinos, enquanto a liberdade e a permissividade são mantidas em equilíbrio pelo bom humor universal”.
O escritor alemão constatou que os cocheiros se fantasiavam de senhores e os senhores, de cocheiros. E mesmo os abades, com suas túnicas negras, geralmente merecedores do maior respeito, viravam alvos ideais dos lançadores de confetes.
Não por acaso, observou Goethe, o Carnaval não é uma celebração oferecida ao povo pelas autoridades, mas sim uma “festa que o povo oferece a si mesmo” (Viagem à Itália, São Paulo, Companhia das Letras, 1999).
Contudo, há algo que, neste ano, podemos fazer dele o seu contrário além do Carnaval: o Brasil. Nos últimos três anos, nosso país tem sido vítima de genocídio e ecocídio. Seria exaustivo reproduzir aqui os índices de desmatamento de nossas florestas; a contaminação dos rios pelo mercúrio do garimpo e da engrenagem química das mineradoras; o retrocesso nos direitos trabalhistas; os aumentos do desemprego, da inflação, do custo de vida, da fome, da violência, da pobreza extrema; os retrocessos na saúde e na educação.
O Brasil merece ter um futuro contrário a tudo isso. Mas não basta desejar. É preciso participar, desde agora, do processo eleitoral que se inicia, e encará-lo como um grande mutirão plebiscitário. Mudar os governos estaduais, o Congresso Nacional e a presidência da República.
Neste ano do bicentenário da nossa independência de Portugal, o Brasil merece comemorá-lo dando um basta a tudo isso que o impede de ser um país soberano e uma nação com menos desigualdade social e mais autoestima.
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Carnaval e seu contrário - Instituto Humanitas Unisinos - IHU