20 Dezembro 2021
Várias fontes sugerem que o cardeal Peter Turkson, de Gana, atualmente chefe do megadicastério vaticano para a Promoção do Desenvolvimento Humano Integral, pode estar de saída. Essas fontes dizem que Turkson apresentou sua renúncia ao Papa Francisco, embora o pontífice ainda não tenha decidido se aceitará.
O comentário é de John L. Allen Jr., publicado em Crux, 19-12-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Turkson está atualmente com 73 anos de idade, então ainda não completou a idade em que os bispos são automaticamente obrigados a apresentar suas renúncias, aos 75 anos, e, segundo todos os relatos, está basicamente com boa saúde. Isso significa que a sua saída não seria exatamente rotineira, mesmo que o dia 1º de janeiro de 2022 marcará cinco anos desde que ele se tornou o primeiro prefeito do seu dicastério, e tais mandatos no Vaticano geralmente são de cinco anos.
Seria um movimento especialmente surpreendente, já que Turkson tem sido considerado um dos principais aliados do Papa Francisco no Vaticano, um dos principais expoentes das principais prioridades sociais e políticas do papa. No entanto, alguns observadores acreditam que a estrela de Turkson diminuiu sua força recentemente, devido a problemas de gestão percebidos em seu dicastério, e que o próprio Turkson se ofereceu para renunciar porque está “farto” das disputas internas.
Para Turkson, pessoalmente, a transição pode muito bem ser um alívio. Lembro-me vividamente do Sínodo dos Bispos sobre a África em 2009, quando ele foi o relator, ou presidente, e havia rumores generalizados de um cargo importante para ele no Vaticano. O que ele realmente queria fazer na época era voltar para Gana, mas isso não ocorreu, pois o Papa Bento XVI o indicou para dirigir o Pontifício Conselho Justiça e Paz no fim do sínodo.
Até este momento, Turkson já passou 12 longos anos no Vaticano e tem todo o direito de sentir que isso é mais do que suficiente.
Dito isso, há três observações sobre a sua saída ainda não confirmada que vale a pena registrar.
Em primeiro lugar, de certa forma, parecia evidente que Turkson ou o cardeal Michael Czerny teriam de ir embora, já que o Papa Francisco nomeou o jesuíta canadense como príncipe da Igreja em outubro de 2019, deixando-o também no Dicastério para a Promoção do Desenvolvimento Humano Integral como seu braço direito sobre as questões dos migrantes e refugiados.
É uma anomalia no Vaticano ter dois cardeais no mesmo dicastério, uma receita óbvia para que coisas estranhas ocorram nas melhores circunstâncias e para que haja tensão e conflito no curso normal dos eventos. Quando você nomeia dois capitães para o mesmo navio, é basicamente o mesmo que não nomear nenhum... Não fica claro para a tripulação quem realmente é o capitão, o que geralmente se traduz em caos.
Em meados deste ano, Francisco convocou o cardeal Blase Cupich, de Chicago, para realizar uma “auditoria” incomum do dicastério, embora os porta-vozes oficiais tenham se esforçado na época para dar um tom de que não havia “nada de especial” nisso. Não muito tempo depois, houve algumas saídas de destaque, incluindo do padre francês Bruno-Marie Duffé, ex-secretário, ou seja, o número dois, e do Pe. Augusto Zampini, um argentino nomeado secretário adjunto em 2020 – ambos os movimentos que, na época, sugeriam uma desordem interna.
Em outras palavras, essa situação ilustra que o estilo rebelde de Francisco e a frequente desconsideração à tradição são alguns de seus maiores pontos fortes, mas, do ponto de vista administrativo, também podem ser um calcanhar de Aquiles.
Em segundo lugar, a renúncia de Turkson, acompanhada da saída em fevereiro do cardeal Robert Sarah, da Guiné, da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, significaria que não haveria mais um africano atuando como chefe de um importante dicastério vaticano. O africano mais importante se tornaria o arcebispo Protase Rugambwa, da Tanzânia, o número dois da Congregação para a Evangelização dos Povos.
Diante dessa “lacuna africana”, Francisco enfrentaria pressão para nomear alguém do continente para um cargo de liderança. Simplificando, não é uma boa imagem para a África ser a região de maior crescimento e zelo missionário do catolicismo do início do século XXI, mas deixada completamente sem representação nos níveis mais altos do Vaticano.
Não se trata apenas de simbolismo, porque, quando um bispo é nomeado para um importante cargo no Vaticano, ele se torna de fato um ponto de referência em Roma para as pessoas da sua parte do mundo. Os diplomatas africanos, por exemplo, frequentemente procuravam Turkson simplesmente porque ele era o seu “homem de referência” na barriga da besta.
Os homens da Igreja africanos que tenham assuntos a tratar no Vaticano frequentemente abordam um colega prelado africano em busca de orientação e conselho, assim como os bispos estadunidenses recorrem a seus compatriotas e assim por diante. Ativistas católicos, reformistas, lideranças de movimentos e até mesmo jornalistas da África que precisam de uma apresentação no Vaticano muitas vezes esperam obter um ouvido simpático do cardeal africano que esteja por perto.
Nomear uma alta autoridade da África, portanto, é uma forma fundamental de qualquer papa sinalizar que leva o continente a sério.
Em terceiro lugar, há a questão sobre o que acontecerá com o próprio Turkson.
Aos 73 anos, ele é muito jovem para se aposentar, então, por direito, ele deveria receber outro trabalho. É difícil imaginá-lo retornando a Gana ou a alguma outra parte da África nesta idade como bispo diocesano, e, em todo caso, como cardeal, existem muitos lugares aonde ele poderia ir.
O cenário mais provável seria uma sinecura em Roma, como arcipreste de uma das basílicas papais. O cardeal polonês Stanisław Ryłko, em Santa Maria Maior, por exemplo, tem agora 76 anos, ou seja, já passou da idade de aposentadoria e atua há mais de cinco anos nesse cargo. Ou ele poderia se tornar o patrono eclesiástico de uma organização católica patrocinada pelo papa.
Em todo o caso, a questão é que a virada de Turkson no palco romano pode não ter acabado ainda, mesmo que ele não esteja mais escalado para um papel principal. Seja qual for o papel, será interessante ver como Turkson decidirá desempenhá-lo.
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Ruminações sobre a possível saída de Turkson e a “lacuna africana” no Vaticano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU