08 Novembro 2021
Pôr a Igreja em estado sinodal significa torná-la inquieta, incômoda, tensa, por ser agitada pelo sopro divino.
A opinião é de Antonio Spadaro, jesuíta italiano e diretor da revista La Civiltà Cattolica, em artigo publicado em Avvenire, 04-11-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O lançamento do Sínodo sobre a sinodalidade, ocorrido no dia 9 de outubro passado, nos convida a fazer a pergunta sobre o que significa ser Igreja hoje e qual o seu sentido na história. E essa pergunta também está na base do caminho sinodal que a Igreja italiana está iniciando e daquele em curso ou em fase de início na Alemanha, Austrália e Irlanda.
Quem acompanhou as assembleias do Sínodo dos Bispos dos últimos anos certamente se deu conta de como veio à tona a diversidade que molda a vida da Igreja Católica. Se, antigamente, uma certa latinitas ou romanitas constituía e moldava a formação dos bispos – que, entre outras coisas, entendiam pelo menos um pouco de italiano –, hoje emerge com força a diversidade em todos os níveis: mentalidade, língua, abordagem às questões. E isso, longe de ser um problema, é um recurso, porque a comunhão eclesial se realiza por meio da vida real dos povos e das culturas. Em um mundo fraturado como o nosso, é uma profecia.
Não se deve imaginar a Igreja como uma construção de peças de Lego diferentes que se encaixam todas no ponto certo. Essa seria uma imagem mecânica da comunhão. Poderíamos pensá-la melhor como uma relação sinfônica, de notas diferentes que, juntas, dão vida a uma composição. Se tivéssemos que continuar usando essa imagem, eu diria que não se trata de uma sinfonia em que as partes já estão escritas e atribuídas, mas de um concerto de jazz, em que se toca seguindo a inspiração compartilhada no momento.
Quem fez a experiência dos recentes Sínodos dos bispos deve ter percebido as tensões que surgiam dentro da assembleia, mas também o clima espiritual em que estavam – na maior parte – imersas. O pontífice sempre insistiu muito no fato de que o Sínodo não é uma assembleia parlamentar na qual se discute e se vota por maioria e minoria. O protagonista, na realidade, é o Espírito Santo, que “move e atrai”, como escreve Santo Inácio nos seus Exercícios Espirituais. O Sínodo é uma experiência de discernimento espiritual em busca da vontade de Deus para a Igreja.
O fato de essa visão do Sínodo ser também uma visão da Igreja não deve ser questionada. Há uma eclesiologia – amadurecida ao longo dos anos graças ao Concílio Vaticano II – que se desenvolve hoje. Por isso, há a necessidade de uma grande escuta. Escuta de Deus, na oração, na liturgia, no exercício espiritual; escuta das comunidades eclesiais no diálogo e no debate sobre as experiências (porque é sobre as experiências que se pode fazer discernimento, e não sobre as ideias); escuta do mundo, porque Deus está sempre presente nele, inspirando, movendo, agitando: temos a oportunidade de nos tornarmos “uma Igreja que não se separa da vida”, disse Francisco, saudando os participantes no início do caminho sinodal (9 de outubro).
O pontífice, então, sintetizou assim: “Vocês vieram de muitas estradas e Igrejas, cada um trazendo no coração perguntas e esperanças, e eu tenho certeza de que o Espírito nos guiará e nos dará a graça de seguirmos em frente juntos, de nos escutarmos reciprocamente e de iniciarmos um discernimento no nosso tempo, tornando-nos solidários com as fadigas e os desejos da humanidade”.
Pôr a Igreja em estado sinodal significa torná-la inquieta, incômoda, tensa, por ser agitada pelo sopro divino, que certamente não gosta de “safe zones”, áreas protegidas: sopra onde quer.
A pior forma de fazer um sínodo, então, seria assumir o modelo das conferências, dos congressos, das “semanas” de reflexão, e imaginar que, assim, tudo pode proceder de modo ordenado, até cosmeticamente. Outra tentação é a preocupação excessiva com a “máquina sinodal”, para que tudo funcione conforme o esperado.
Se não houver o senso da vertigem, se o terremoto não for experimentado, se não houver a dúvida metódica – não a cética –, a percepção da surpresa incômoda, então talvez não haja sínodo. Se o Espírito Santo está em ação – afirmou Francisco uma vez – então “ele dá um chute na mesa”. A imagem é feliz, porque é uma referência implícita a Mt 21,12, quando Jesus “derrubou as mesas” dos mercadores do templo.
Para fazer sínodo, é preciso expulsar os mercadores e derrubar as suas mesas. Não sentimos hoje a necessidade de um chute do Espírito, nem que seja para nos acordar do torpor? Mas quem são hoje os “mercadores do templo”? Só uma reflexão impregnada de oração poderá nos ajudar a identificá-los. Porque não são os pecadores, não são os “distantes”, os não crentes, nem mesmo quem se professa anticlerical. Pelo contrário, às vezes estes nos ajudam a entender melhor o tesouro precioso que contemos nos nossos pobres vasos de barro.
Os mercadores estão sempre perto do templo, porque ali fazem negócios, ali vendem bem: formação, organização, estruturas, certezas pastorais. Os mercadores inspiram o imobilismo das soluções velhas para problemas novos, ou seja, o usado seguro que é sempre um “remendo”, como o pontífice o define. Os mercadores se orgulham de estar “a serviço” do religioso. Muitas vezes, oferecem escolas de pensamento ou receitas prontas para usar e geolocalizam a presença de Deus que está “aqui” e não “ali”.
Fazer sínodo, então, implica ser humilde, zerar os pensamentos, passar do “eu” ao “nós”, abrir-se. Nesse sentido, chama a atenção por exemplo, o que o relator geral do Sínodo, o cardeal Jean-Claude Hollerich, disse na sua saudação no dia 9 de outubro durante a inauguração: “Devo confessar que ainda não tenho ideia do tipo de instrumento de trabalho que eu vou escrever. As páginas estão vazias, cabe a vocês preenchê-las”.
É preciso viver o tempo sinodal com paciência e expectativa, abrindo bem os olhos e os ouvidos. “Effatà, que quer dizer: ‘Abre-te!’” (Mc 7,34) é a palavra-chave do Sínodo. Roland Barthes – como exímio linguista e semiólogo – havia entendido que os Exercícios Espirituais de Inácio de Loyola servem para criar uma linguagem de interlocução com Deus feita de escuta e palavra. É preciso compreender que o Sínodo, a seu modo, compartilha essa natureza linguística, de criador de linguagem. E é por isso que o método é importante, ou seja, o modo e as regras do caminho, sobretudo em função do pleno envolvimento.
Em definitiva, a dinâmica que se desenvolve no Sínodo pode ser descrita como “jogar-se”, “pôr-se em jogo”. E, por exemplo, jogar futebol não significa apenas jogar uma bola, mas também correr atrás dela, “ser jogado” pelas situações que ocorrem em campo. De fato, “o jogo só alcança o seu objetivo se o jogador imergir totalmente nele”, como escreve Gadamer no seu célebre ensaio “Verdade e método”.
O sujeito do jogo, portanto, não é o jogador, mas o próprio jogo, que ganha vida por meio dos jogadores. E este é, no fundo, o espírito do Sínodo: pôr-se em jogo finalmente, realmente, seguindo a dinâmica animada pelo Espírito.
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O autêntico espírito dos Sínodos está em saber se pôr em jogo. Artigo de Antonio Spadaro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU