03 Novembro 2021
O teólogo: “O desafio de Bergoglio é a defesa da liberdade religiosa”.
“Ainda que não exista dúvida de que a religião muitas vezes se presta e serve para ‘parar o tempo’, isto é, a modernidade, em questões de bioética ou de direitos, a Igreja e as religiões devem ser capazes de desempenhar um papel ativo em contextos como o G20 e a Cop26". Palavra de Massimo Faggioli, professor do Departamento de Teologia e Ciências Religiosas da Villanova University (Filadélfia) e autor do ensaio "Joe Biden e o Catolicismo nos Estados Unidos" (em tradução livre, Morcelliana).
A entrevista é de Domenico Agasso, publicada por La Stampa, 30-10-2021.
Qual é o significado do sinal verde do Papa para a comunhão para Biden?
Muitos bispos estadunidenses gostariam de negar a comunhão aos políticos católicos (do Partido Democrata) que são a favor do aborto legal - enquanto os políticos católicos (do Partido Republicano) a favor da pena de morte ou da tortura nunca foram submetidos a uma crítica desse tipo. As palavras do Pontífice que Biden agora relatou fornecem-lhe cobertura e proteção contra prelados hostis.
O que poderá acontecer?
Muitos bispos nos Estados Unidos ficarão incomodados (para usar um eufemismo) e aumentará a distância entre a maioria conservadora da conferência episcopal e o Papa Francisco. Veremos isso na assembleia episcopal dentro de duas semanas.
Biden é católico, mas também é o presidente dos Estados Unidos: portanto, de maneira mais geral, como essa "abertura" do Papa deve ser enquadrada na relação entre Estado e religião? Entre fé, liberdade religiosa e laicidade?
O catolicismo nos Estados Unidos vive em contato com aquele tipo de protestantismo que colonizou o país há quatro séculos e tem dificuldade com o conceito de laicidade (que não é facilmente traduzido para o inglês). Mas Biden e Francisco são dois católicos formados no século XX que, portanto, aprenderam como pode ser arriscado esquecer a distinção entre Estado e Igreja, entre política e religião.
Com que consequências?
Tanto o catolicismo conservador quanto o evangelicalismo protestante não compreendem e não perdoam a Francisco do ponto de vista teológico a ênfase que ele transmite com seus os gestos a favor da laicidade que se alternam com sua extrema defesa da liberdade religiosa.
Até que ponto a Igreja pode "passar dos limites" nas várias discussões e decisões sobre os direitos?
Houve situações de excesso: nas questões LGBT, mas também, à esquerda, sobre as questões da imigração e do ambiente. A verdadeira tensão emergente global é a da liberdade religiosa. As "guerras culturais" estadunidenses sobre as temáticas éticas se globalizaram e se espalharam por todo o planeta, mas paradoxalmente a presença do Vaticano, na Itália e além, hoje mantém aquelas "guerras culturais" bastante sob controle. Sei que esta é uma explicação impopular entre quem vê os inimigos dos direitos no Vaticano e na Igreja.
Estes são os dias do G20 e da COP26. As religiões deveriam desempenhar um papel ativo em cúpulas como essas?
A Igreja e as religiões devem ter um papel ativo, e já o têm. Está acontecendo para o debate sobre o meio ambiente o mesmo que aconteceu no século XX para os direitos humanos: a secularização de um conceito teológico: todos temos a mesma dignidade porque somos todos imagem de Deus.
Mudanças climáticas, imigração, multilateralismo, vacinas, trabalho, economia: são temas que deveriam estar na agenda dos líderes religiosos? Não há risco de ingerências?
As ingerências da religião sempre existiram, mas diria que hoje são mais preocupantes as ingerências de outros atores muito menos visíveis e mais influentes (o setor petrolífero, por exemplo). Não há dúvida de que a religião muitas vezes se presta e é usada como argumento para tentar 'parar o tempo', ou seja, a modernidade, nas questões bioética ou nos direitos; por outro lado, o fato de a Igreja ser uma instituição conservadora não significa que esteja sempre errada.
Como você definiria a relação entre as religiões e o mundo hoje?
Vivemos uma mudança de época, como disse Francisco, também no sentido de que as crenças se globalizaram e estão se desvinculando dos berços geográficos e culturais de origem, para se tornarem comunidades "inculturadas "em todo o mundo. E isso pode provocar conflitos, é claro, mas também gerar diálogos inter-religiosos profícuos e entre crentes e não crentes”.
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Francisco e Biden. “Um gesto que fortalece a laicidade do Estado e defende a modernidade”. Entrevista com Massimo Faggioli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU