28 Outubro 2021
"Para o catolicismo italiano, o fechamento das EDB deveria se tornar a oportunidade de sair de seu próprio caldo e participar do resgate e relançamento da cultura humanista sem mais rótulos, forjando alianças com quem não estiver disposto a colocá-la de volta na prateleira de uma biblioteca onde não entra mais ninguém", escreve o teólogo e padre italiano Marcello Neri, professor da Universidade de Flensburg, na Alemanha, em artigo publicado por Settimana News, 27-10-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
O anúncio do fechamento das EDB produziu um débil e por enquanto limitado debate: além da própria informação, que foi divulgada nas páginas locais dos jornais e na seção cultural de Avvenire, podia se registrar até ontem apenas um artigo de Cosentino no OR, uma intervenção de Brunelli no blog de Il Regno e um artigo de Mastrofini no Il Riformista.
Ontem apareceu a contribuição de Massimo Faggioli no Domani, que amplia o olhar da situação italiana para a do catolicismo no tempo de Francisco. Já durante o verão italiano, em Vita e Pensiero, Giuliano Vigini havia publicado um texto falando do "desmonte do setor editorial católico".
De uma forma ou de outra, todas essas contribuições para um eventual, e necessário, debate público são disputadas em casa - na Igreja Católica, na cultura (igualmente católica) da Igreja italiana e assim por diante. Uma escolha de campo certamente pertinente, se partirmos da anomalia italiana formada pelo binômio setor editorial católico-livrarias católicas - com as editoras “leigas” que nas últimas duas décadas lentamente começaram a incluir em seu catálogo também o “religioso”. mais comerciável. O religioso de efeito, o trend do momento ou o instant-book que gira em torno de notícias e acontecimentos do dia.
No momento falta ainda uma reflexão que insira a crise desse setor do catolicismo dentro de processos mais amplos: não para encontrar justificativas, mas para tentar compreender as razões subjacentes e não setoriais que não são irrelevantes em relação a essa mesma crise - que existe há pelo menos uma década, mas sobre a qual ninguém ou poucos disseram algo que não fosse simplesmente óbvio ou da moda.
Além disso, uma década em que cada um seguiu seu próprio caminho (não apenas os editores), sem sentir a necessidade de criar um lugar onde as várias experiências culturais do catolicismo italiano pudessem convergir.
Porque esta é a (triste) realidade do catolicismo da nossa casa: não só minoritário, que poderia até ser um bem e um estímulo, mas também fragmentado em si mesmo, insular mesmo quando se está de fato muito próximos na compreensão do cristianismo e na visão da Igreja, e substancialmente incapaz de implementar dinâmicas federativas que deem peso ao que de melhor cada um produz em seu laboratório fechado.
Mas vamos nos deter aqui no que diz respeito ao beco (sem saída) do catolicismo italiano. Precisamente porque acredito que existem fenômenos mais amplos, nos quais estamos todos imersos, que devem ser levados em consideração quando algo acontece em um nicho marginal da sociedade.
Pensar em resolver tudo o que está em torno da crise editorial católica (na Itália) focando apenas na questão do declínio da cultura católica (não só na Itália), ou seja, no desinteresse pela cultura na Igreja, nas paróquias, nas associações, na vida religiosa e assim por diante, continua a ser uma abordagem substancialmente provinciana.
Limito-me a duas referências que podem ampliar um pouco o horizonte. A primeira é a de uma crise generalizada da cultura humanista, que pode ser registrada tanto em referência ao número de matrículas nas faculdades das chamadas Geistwissenschaften, quanto em relação ao papel cada vez mais marginal que essas faculdades têm hoje dentro da academia dos conhecimentos, mas também a luta por sua sobrevivência face a um desequilíbrio estratégico cada vez mais evidente para com as disciplinas de carácter técnico-científico.
A lenta extinção de jovens gerações sensíveis ao espírito, iniciadas aos tempos longos exigido pela cultura humanista e dispostas a aceitar que muito pouco se lucra com ela em termos de sucesso, corrói maciçamente a disponibilidade social para o tempo despendido na formação de uma ideia própria, capaz de autonomia tanto em sua gênese quanto em sua argumentação, aceitando que ela - embora bem fundada - jamais alcançará a força das evidências das ciências naturais (que é muito mais instável do que a sua divulgação quer nos fazer crer).
Paralelamente, deve-se registrar o consumo de uma das instâncias fundamentais da modernidade: a do debate público. Para dizer a verdade, desempenhou o papel de uma verdadeira instituição: onde o conhecimento contribuía para configurar a sociabilidade partilhada e para formar as consciências dos cidadãos e das cidadãs.
Dessa instituição hoje já não existem mais nem as ruínas, totalmente suplantadas pelos talk shows, em que vence quem grita mais alto ou interrompe mais frequentemente o apresentador, e pelas redes sociais nas quais se regurgita mais o quem vem da barriga e certamente não o que vem do esforço do pensamento.
Passamos do debate público para um novo fideísmo: confiem nos cientistas, que é a versão moderna (e, além disso, pandêmica) do antigo obedeçam aos padres, por um lado; confiem na rede de espelhos que o mundo digital cria para encontrar apenas o que confirma e é conforme com o que você pensa, que é a versão em rede de algo entre a alquimia e a bruxaria, pelo outro lado.
Afinal, o que importa hoje não é mais o conhecimento, mas a mera opinião que não deve nem se justificar nem ser argumentada (precisamente, porque é meu sacrossanto direito - e, portanto, deve ser reivindicada sem qualquer disputa).
A segunda referência que deveria entrar em jogo é a da modificação da "mente de um leitor" que agora já nasce como leitor digital (a esse respeito, recomendo a leitura do belo ensaio Reader Come Home: The Reading Brain in a Digital World de Maryanne Wolf). Para esse leitor, o livro em papel não é imediatamente utilizável, ele deve ser educado e apresentado a ele desde a infância para que possa pegá-lo nas mãos e folhear as suas páginas como algo que pertence ao seu mundo.
E quando o leitor digital se vê obrigado a passar pelo arcaico (para ele) da escrita e da leitura que saem dos esquemas digitais, fica completamente perdido, não sabe de forma alguma como habitar esse espaço feito de papel, de frases com mais cinco palavras, que requerem pontuação e alguma conexão gramatical entre si. Corrigi teses ou exames escritos na Alemanha, nos Estados Unidos, na Áustria e na Itália: em todos me vi diante do drama da sintaxe e da gramática ...
O livro não se salvará sozinho, e com ele as editoras. Sem as alianças certas, com famílias, escolas, associações de todos os tipos frequentadas pelas gerações mais jovens, a escrita e o livro desaparecerão cada vez mais do horizonte da vida e da mente das pessoas ... serão objetos exóticos para pequenos círculos elitistas que serão percebidos como esotéricos e certamente não como guardiões da cultura comum.
Para o catolicismo italiano, o fechamento das EDB deveria se tornar a oportunidade de sair de seu próprio caldo e participar do resgate e relançamento da cultura humanista sem mais rótulos, forjando alianças com quem não estiver disposto a colocá-la de volta na prateleira de uma biblioteca onde não entra mais ninguém. Do contrário, morreremos naquele caldo, sem nem mesmo perceber que até hoje comemos uma sopa que foi cozida há mais de sessenta anos. Ter sido capaz de nos alimentar até hoje é um mérito que devemos lhe reconhecer.
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Crise do setor editorial católico ou da cultura humanista? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU