19 Outubro 2021
Em 03 de outubro nós soubemos em Roma que o padre jesuíta Jacquineau Azétsop, diretor e professor da Escola de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Gregoriana, havia sofrido uma hemorragia cerebral depois de uma trombose. Ele ia para cirurgia naquele mesmo dia. Depois ele foi sedado para se recuperar, mas sofreu uma parada em 08 de outubro. Em 13 de outubro, Jacquineau morreu, aos 49 anos.
O relato é de James F. Keenan, jesuíta, professor da Cátedra Canisius e diretor do Boston College, EUA, publicado por National Catholic Reporter, 15-10-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Com um impressionante registro de projetos bem recebidos e nomeações de prestígio, Jacquineau (ou AZE, como ele assinava os seus email) era um líder internacional em bioética e em saúde igualitária, conseguia reunir colegas proeminentes com ímpeto, com estilo hospitaleiro, uma visão progressista e uma profunda paixão por uma saúde igualitária. Quem se encontrasse com ele, ficava engajado tanto nos seus questionamentos e ideais quanto no seu perfil gentil e alegre. Ele era convincente. Por essas razões, nós no Boston College o convidamos para a Cátedra Gasson, a mais antiga e distintiva cátedra para professor visitante. Ele estava para exercê-la em 2023-24.
AZE nasceu em 02 de março de 1972, em Douala, Camarões. Ele entrou para a Companhia de Jesus em 22 de setembro de 1993, e foi ordenado padre em 21 de junho de 2003. Em 1997 ele obteve seu diploma de bacharel em Filosofia da Faculté de Philosophie St. Pierre Canisius, em Kinshasa, na República Democrática do Congo, e em 2002 se formou em Teologia em Hekima University College, em Nairóbi, Quênia.
Em 2004, ele defendeu seu mestrado em Teologia (o qual fez comigo) na Weston Jesuit School of Theology, sua dissertação “Anthropological claims for theological bioethics in sub-Saharan Africa” (“Reivindicações antropológicas para bioética teológica na África Subsaariana”, em tradução livre) tinha como tema a desigualdade na saúde e a justiça social. Naquele outono, ele iniciou o doutorado do Departamento de Teologia do Boston College e em 2007 defendeu sua tese “Preferential option for the poor and health equity in Africa: a theological approach to population-level bioethics” (“Opção preferencial pelos pobres e saúde igualitária na África: uma abordagem teológica para a bioética”, em tradução livre). Eu o orientei, e na banca estiveram Lisa Sowle Cahill e o jesuíta David Hollenbach.
Hollenbach indicou a tese como a melhor do ano no departamento, e AZE venceu o prêmio. Posteriormente ela foi publicada com o título “Structural violence, population health and health equity: preferential option for the poor and the bioethics health equity in sub-Saharan Africa” (Ed. VDM Verlag, 2010. Em tradução livre: “Violência estrutural, saúde populacional e saúde igualitária: opção preferencial pelos pobres e a bioética da saúde igualitária na África Subsaariana”). Enquanto terminava sua tese ele começava a estudar para um mestrado em política de saúde pública e epidemiologia social no Bloomberg School of Public Health, na Johns Hopkins University.
Assim que o AZE terminou seu mestrado, ele começou a escrever para publicações. Em 2009, seu artigo “New Directions in African Bioethics: Ways of Including Public Health Concerns in the Bioethics Agenda” (“Novos rumos na bioética africana: maneiras de incluir assuntos de saúde pública na agenda de bioética”, em tradução livre) na revista Developing World Bioethics. Em 2010, “Social Justice Approach to Road Safety in Kenya: Addressing the Uneven Distribution of Road Traffic Injuries and Deaths across Population Groups” (“Abordagem de justiça social para segurança no trânsito no Quênia: enfrentando a distribuição desigual de acidentes de trânsito e mortes entre grupos populacionais”, em tradução livre) na revista Public Health Ethics. Em 2011, seu ensaio “Epistemological and ethical assessment of obesity bias in industrialized countries”(“Avaliação epistemológica e ética do viés da obesidade em países industrializados”, em tradução livre) foi publicado na revista Philosophy, Ethics, and Humanities in Medicine.
O alcance de seus primeiros ensaios só se aprofundou e se expandiu nos anos posteriores. Recentemente, ele e eu estávamos trabalhando em “HPV-mandated immunization and public health paternalism in the United State of America” (“Imunização obrigatória contra o HPV e o paternalismo da saúde pública nos Estados Unidos da América”, em tradução livre).
Em novembro de 2013 foi destinado pela Companhia de Jesus à Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma. Foi promovido a professor extraordinário da faculdade de ciências sociais em 2014 e assumiu o cargo de diretor da faculdade em junho de 2016.
Em 2015 ele sediou uma grande conferência em Nairóbi sobre HIV e AIDS na África, e em 2016 publicou os artigos pela editora Orbis Books, em uma coleção impressionante intitulada “HIV and AIDS in Africa: Christian Reflection, Public Health, Social Transformation”(“HIV e AIDS na África: Reflexão Cristã, Saúde Pública, Transformação Social”, em tradução livre). Todos os 31 ensaios foram feitos por africanos especialistas em ética, teólogos e estudiosos da saúde pública. Mary Shawn Copeland escreveu o prefácio, Sowle Cahill a conclusão e eu o posfácio sobre a mudança para o sistema de saúde universal.
Emmanuel Katongole, da Universidade de Notre Dame, classificou o livro como “leitura obrigatória para todo acadêmico, padre, assistente social, agente pastoral e qualquer pessoa que busque compreender a jornada de dor e esperança da África, e a fé que sustenta essa jornada”.
Ele editou outra coleção, “Integral Human Development: Challenges to Sustainability and Democracy” (“Desenvolvimento Humano Integral: Desafios para a Sustentabilidade e Democracia”, em tradução livre), publicada em 2019. Sowle Cahill, que avaliou a sua tese, chamou a coleção de “uma virada de jogo para os ideais sociais católicos, como dignidade pessoal, o bem comum e desenvolvimento integral”. E confronta duas grandes questões que o ativismo político enfrenta em todos os lugares: como podemos passar de ideais nobres e slogans para uma ação prática que fará a diferença? E que ação pode ser eficaz em nosso ambiente global fragmentado, onde nenhum corpo tem comando moral, autoridade legal ou poder de fiscalização?”.
Na conferência de 2015 em Nairóbi, onde fiz o discurso final, concluí destacando minha confiança no ativismo de Jacquineau e na sua pesquisa de saúde pública. “Em cinco de suas importantes contribuições dos últimos anos, ele mostra como os recursos da teologia e da saúde pública avançam juntos na trajetória do trabalho de prevenção e tratamento da HIV/AIDS para a saúde universal”, afirmei.
Primeiro, ele ofereceu uma crítica final ao princípio da autonomia e seu endosso explícito ao individualismo médico. Mais tarde, ele mostrou que uma ética baseada na autonomia inibe nossa compreensão da interconexão dos pacientes com os outros e seus ambientes biológicos. Em vez disso, torna invisíveis as causas sociais da saúde precária. Sua visão da mente e do corpo é abstrata e, neste modelo, a doença é o resultado de escolhas feitas. Em suma, a ética baseada na autonomia é, pelo menos na saúde global, um sifão moral.
Em vez disso, ele olhou para a África, que ensina que a doença é, ao mesmo tempo, um evento individual, social e cosmológico de importância significativa. Em seguida, ele identificou a ética centrada na vida de Laurenti Magesa como uma reivindicação da lei natural e a incorporou a uma visão de saúde pública e cura na África. Em seguida, ele nos convocou a mudarmos da mentalidade de crise do gerenciamento de doenças para uma estratégia muito mais ambiciosa e visionária de promoção e defesa da saúde, um movimento fundamental. Finalmente, sua contribuição mais sustentada é o livro que promove a equidade na saúde. Lá, ele insiste que devemos “criar um ambiente político que possa favorecer a otimização do potencial de saúde para indivíduos e grupos”.
Concluí: “De muitas maneiras, Jacquineau nos conduz à conversa sobre saúde universal e HIV/AIDS”.
O AZE articulou uma trajetória em nível global para a promoção da saúde. Agora, outros precisam seguir sua liderança. Seus dons eram tão evidentes e bons. Ele amou e viveu muito. Na outra noite, um amigo em comum, o jesuíta Bienvenu Mayemba, escreveu-me de Abidjan, Costa do Marfim, para dizer: “Toda a comunidade ficou atordoada e silenciosa. Parece que nos evitamos nos olhares para não termos que chorar em público... ou nos corredores”.
Que ele descanse em paz e possamos ser consolados pelo conforto da ressurreição.
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Morte de jesuíta pesquisador da saúde choca colegas de todo o mundo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU