22 Setembro 2021
Já na Casa do Pai, nosso irmão Pablo Richard, teólogo da libertação que doou sua vida na defesa e promoção dos mais pobres. Doutor em Bíblia – estudou em Roma, Jerusalém e Sorbonne –, professor e pesquisador já nos anos 1970, participou ativamente dos “Cristãos pelo Socialismo”. Depois do golpe militar que assolou o Chile, exilou-se em San José da Costa Rica, sua segunda pátria, e recentemente louvou a encíclica Fratelli Tutti do Papa Francisco. Compartilhamos estas reflexões teólogicas-sociais deste insigne homem de bem e lutador incansável de causas justas de nossa América Latina e Caribe.
Obrigado, Pablo, por tanto amor e agir cristão sem se curvar!
Pablo Richard Guzmán morreu aos 82 anos na segunda-feira, 20 de setembro de 2021, na Costa Rica, de causas naturais.
O artigo é de Pablo Richard, publicado em sua homenagem pelo conselho editorial da revista Reflexión y Liberación, 22-09-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
O cristianismo nasceu no império romano, aos cristãos nos primeiros séculos jamais passou pela mente organizar um exército para derrotar o imperador. Nas suas cidades, eles simplesmente começaram a construir pequenas comunidades e viver uma ética, uma espiritualidade, uma racionalidade distinta à do império. A identidade cristã fundamentalmente se dá no que hoje chamamos de opção pelos pobres. Penso eu, que o cristianismo é uma das instituições, inclusive sociologicamente falando, que tem mais capacidade resistir à lógica e à racionalidade do sistema.
Surge a ideologia neoliberal, que foi a que substituiu a da segurança nacional. É uma ideologia que está se desenvolvendo rapidamente em um sentido quase neofascista. A ideologia neoliberal, poderíamos sintetizá-la de uma maneira simples em uma frase que se usa muito na América Central: “se não há para todos, que haja pelo menos para mim”. É uma ideologia que busca justificar a exclusão que o sistema está realizando, é uma ideologia cada vez mais patriarcalista, xenofóbica, neoclassista. Esta ideologia começa a justificar todo o desenvolvimento econômico, ali começam justamente os problemas, porque este sistema econômico, que se desenvolve pelo mercado total, tem duas falhas muitos profundas: a exclusão e a agressão à natureza. É um sistema que não é para todos e que não se desenvolve em harmonia com a natureza...
Existe uma economia que desenvolve apenas valor de troca e não valor de uso. Valor de troca, simplesmente eficiência e lucro, mas não é uma economia que se baseia na vida, nas pessoas. Daí a exclusão, porque para essas pessoas na economia de mercado total, neoliberal, produzir para todos não é eficiente. A eficiência só pode ser função de alguns. Produzir para todos não é eficiente. Qualquer visão universalista, de direitos humanos ou ambiental é vista como um obstáculo ao desenvolvimento.
Hoje, a esperança passa mais pela sociedade civil, onde o problema não é conquistar o poder, mas construir um novo poder desde baixo, e os movimentos sociais estão lá. Acho que a grande alternativa, no momento, são movimentos sociais, movimentos indígenas, mulheres, jovens, movimentos alternativos na agricultura, ambientalistas, etc. Todos esses movimentos sociais que buscam construir um poder real e que exercem pressão sobre o poder político. Acho que temos que continuar lutando a longo prazo para alcançar um novo estado democrático, mas por enquanto a esperança alternativa está na reconstrução da sociedade civil.
A globalização da esperança é incrível. Viajo muito pela América Latina, e para onde vou as pessoas que estão na resistência pensam o mesmo, todo mundo está trabalhando na mesma linha. Hoje nossa luta é uma luta de formigas contra dinossauros – a economia de mercado – os dinossauros estão condenados a desaparecer se as formigas conseguirem resistir. As formigas são todas minúsculas, mas coordenadas são incríveis. Quando você coloca um torrão de açúcar, depois de um tempo você tem toda uma fila de milhões de formigas, ordenadas, coordenadas, comendo aquele pedacinho de açúcar.
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Em memória de Pablo Richard: “o cristianismo é uma das instituições que tem mais capacidade para resistir à lógica e à racionalidade do sistema” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU