15 Setembro 2021
Cientista social vê mobilização do 7 de Setembro defendendo salvação de um governo em risco; por outro lado, 3ª via e esquerda ainda trazem pautas eleitorais.
A entrevista é de Tiago Mali, publicada por Poder 360, 14-09-2021.
O cientista social Jonas Medeiros, 37 anos, não enxerga nos protestos organizados pela oposição ao presidente o mesmo sentido de urgência que vê em apoiadores de Bolsonaro.
As manifestações da 3ª via no sábado (11.set.2021), por exemplo, trouxeram pautas “puramente eleitorais”. “O mote inicial do ato foi ‘Nem Lula, nem Bolsonaro’. Tentaram mudar o mote com o passar do tempo, mas isso não se efetivou”, afirma.
Medeiros, que também é pesquisador do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), lembra que os atos acabaram trazendo um pixuleco (boneco inflável) de Lula abraçado com Bolsonaro, o que rompeu acordo prévio de evitar ataques ao petista. “Se Lula é igual a Bolsonaro e se é uma questão eleitoral, acho que tem aqui uma dificuldade de perceber um sentido de urgência, o sentido de que Bolsonaro é um risco à democracia”, conclui.
A esquerda, opina, não foge dessa lógica. “Se tivesse sentido de urgência de que a democracia no Brasil está em risco, a gente não veria pessoas namorando a ideia de que um 2º turno entre Bolsonaro e Lula é o melhor cenário para a esquerda”, argumenta.
Por outro lado, avalia Medeiros, uma percepção de risco do fim deste governo, ou de que Bolsonaro possa ser preso, está unindo os apoiadores do presidente. Isso estaria por trás de a maior demonstração de apoio ao chefe do Executivo nas ruas até agora (no 7 de setembro) ter ocorrido exatamente no momento em que Bolsonaro enfrenta sua a pior aprovação (27%, segundo pesquisa PoderData).
Assista a entrevista com Jonas Medeiros Chen (28min46seg):
Leia abaixo trechos da entrevista:
Quem foi para as ruas no 7 de setembro?
Na comparação com os protestos em que a direita começou a ocupar as ruas em 2015 e 2016 (campanha pró-impeachment de Dilma), o perfil social do 7 de setembro é mais plural e heterogêneo.
Quem são essas pessoas?
Os organizadores desses atos em Brasília e São Paulo fizeram uma estratégia deliberada de concentrar nessas cidades diversas caravanas. Ao redor da Paulista dava para enxergar ônibus de caravanas de diferentes cidades do interior de São Paulo. Ribeirão Preto, Araraquara, São José do Rio Preto, e também cidades do interior de Minas, de Santa Catarina. Ao mesmo tempo, o survey realizado pelos professores Pablo Ortellado e Márcio Moreira Ribeiro, da USP, comprova que 1/4 dos manifestantes vieram de fora da Grande São Paulo.
Foi uma estratégia importante a de centralizar em São Paulo o movimento, mas não é só isso que explica a massividade dos protestos. É um perfil comparativamente mais popular. Encontrei nas ruas e em relatos de redes sociais pessoas fazendo peregrinações de bairros periféricos de São Paulo em direção à Avenida Paulista, que era algo não tão comum de acontecer nos protestos pelo impeachment da Dilma, que tinham um perfil muito mais elitista, muito mais branco, e, comparativamente, mais velho.
O que mais diferencia os protestos atuais com os pelo impeachment da Dilma?
Os protestos que o MBL, Vem Pra Rua e Revoltados On-line puxaram naquela época eram muito mais elitistas e muito mais brancos. Era mobilização de uma classe média alta, e das classes altas. Foram centenas de milhares de pessoas, especificamente dessa camada social.
A quantidade de pessoas que ganhava mais de 10 salários mínimos em 2015/2016 era da ordem de mais de 40%. Praticamente metade estava no topo da renda. Os protestos de 7 de setembro tiveram caráter mais popular. Os protestos pró-impeachment eram basicamente famílias brancas de classe média alta, sendo que no 7 de Setembro eu não me lembro de ver outro protesto da direita com tantas famílias negras circulando nas ruas, por exemplo.
E em relação às pautas?
Acho importante combater uma interpretação que circulou bastante de que a pauta da liberdade de expressão seria uma espécie de cortina de fumaça. Várias reportagens acompanharam um esforço deliberado dos organizadores do ato antes do 7 de Setembro tentando forçar uma mudança de pautas que seriam muito claramente identificadas como anti-democráticas, como o fechamento do STF e do Congresso. Os organizadores tiveram inteligência política em perceber que isso poderia ser muito facilmente enquadrado dentro como um caráter antidemocrático que o Alexandre de Moraes está investigando e reprimindo por meio do inquérito no STF.
De longe, a pauta da liberdade de expressão foi a que passou a ser a mais focalizada nos carros de som. Mas isso não é só cortina de fumaça. De certa forma, eles estão de fato defendendo a sua liberdade de expressão porque os canais desse circuito de comunicação alternativo criados nos últimos anos estão sob ataque. De fato, a liberdade de expressão é algo que estava mobilizando emocionalmente as pessoas.
No chão do ato, as pessoas não tinham um acordo consensual sobre o que fazer com o STF. O STF foi identificado como inimigo número 1 do Bolsonaro. Substituiu aquele discurso olavista de que a esquerda está perseguindo o governo, de que existe uma hegemonia cultural esquerdista. Mas as pessoas não concordam sobre o que fazer com o STF. É fechar o STF? É substituir um ou dois ministros? Em outros momentos, falam em substituição, exoneração e demissão, as palavras inclusive variam, dos 11 ministros. Para tentar não cair numa retórica antidemocrática, não dizem “somos contra o STF”, mas “somos contra esse STF”. Isso esconde um processo de autocratização, uma vontade de substituir juízes não alinhados ao governo por juízes mais alinhados.
Há quem ligue os atos à distribuição de fake news e a uma manipulação desses seguidores. Como o senhor vê isso?
É muito comum alguns circuitos da esquerda, mas também publicações acadêmicas, que vão na linha de que as pessoas são manipuladas pelas mídias digitais. Eu parto de um pressuposto de que as pessoas são capazes de reflexão em graus variados.
Esse circuito de comunicação não seria eficaz se não tivesse ressonância na visão de mundo e nos valores das pessoas. As pessoas não são folhas em branco que estão prontas para serem manipuladas e ativadas ao bel prazer do Carlos Bolsonaro ou de qualquer outro integrante do gabinete do ódio.
As pessoas têm valores, emoções e as redes sociais estão reforçando, dialogando ou combatendo esses valores e essas emoções. Não teria sido possível juntar dezenas de milhares de pessoas simplesmente por uma lógica de manipulação.
As pesquisas mostram o pior momento de aprovação ao governo Bolsonaro. Ao mesmo tempo, é o momento em que ele leva o maior número de pessoas às ruas. Como entender as duas coisas?
Sem dúvida, o ato de 7 de setembro foi aquele em que o bolsonarismo mobilizou sozinho a maior quantidade de pessoas. De longe. O próprio Bolsonaro fala no carro de som que “vocês demoraram muito em perceber e em se mobilizar”. Os outros atores políticos não apresentam agora o mesmo senso de urgência que os bolsonaristas. Por mais que em termos gerais o apoio a Bolsonaro esteja diminuindo, essa base percebe o senso de urgência de defesa do mandato do Bolsonaro, que está em risco por motivos econômicos, sanitários e por motivos judiciais. Esse é o grande fator de diferença de percepção na base dele. O de que “se não sairmos às ruas, o comunismo pode voltar, Bolsonaro pode ser preso”.
E os atos contra Bolsonaro puxados pela direita (em 11.set)?
Foi muito pequeno. Um excesso de políticos profissionais para uma ausência de massa nas ruas. Tinha diferentes partidos, uma heterogeneidade. Fica evidente a dificuldade da constituição de uma frente ampla capaz de criar nas ruas uma pressão suficiente para fazer o Congresso se mover [pelo impeachment].
Fica muito clara também a dificuldade dessa direita de sair desse horizonte puramente eleitoral. O mote inicial do ato foi “nem Lula, nem Bolsonaro”. Tentaram mudar o mote com o passar do tempo, mas isso não se efetivou. A pauta não era tanto o “fora Bolsonaro”, mas sim a de uma 3ª via.
As pessoas devem ter visto a foto do pixuleco nessas manifestações do Bolsonaro abraçado com o Lula, vestido de presidiário, e o Bolsonaro como um louco de manicômio. Os dois abraçados. Isso rompeu acordo coletivo dos organizadores de não colocar símbolos que atacassem o Lula.
Há um sentido de urgência hoje muito maior na base bolsonarista do que naqueles que pedem a sua saída?
Exatamente. Isso tanto do lado da direita, quanto da esquerda. A esquerda também apresenta o mesmo “curto-prazismo” eleitoral. A grande justificativa para muitos petistas não participarem do ato do MBL é o de que ele fortalecia a 3ª via e enfraquecia eleitoralmente o Lula em 2022. Se tivesse sentido de urgência de que a democracia no Brasil está em risco, a gente não veria pessoas namorando a ideia de que um 2º turno entre Bolsonaro e Lula é o melhor cenário para a esquerda.
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Bolsonaristas têm mais senso de urgência do que oposição, diz Jonas Medeiros - Instituto Humanitas Unisinos - IHU