09 Setembro 2021
"Continuo sem entender como uma pessoa comprometida com o Evangelho possa apresentar qualquer argumento religioso, ético, evangélico, em defesa do presidente da República", escreve Edelberto Behs, jornalista.
Em sua página no Facebook, o pastor Edson Stürmer, da Igreja Aviva, de Panambi (RS), contou que sonhou, há tempos, ter encontrado num jantar o então presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre.
Questionou-os, então, a respeito da impressão de que tramavam a derrubada de Jair Messias Bolsonaro da presidência da República. Eles teriam respondido: “É nosso objetivo, e estamos trabalhando juntos para isso”. No sonho, o pastor alertou os dois políticos que não seguissem com a tramoia para derrubar o presidente, “pois tinha sido Deus que havia posto Bolsonaro no governo”. Conclui-se que Deus agiu e tirou os dois dos seus cargos!
Converso frequentemente com um interlocutor sempre que o encontro, um produtor de gêneros alimentícios que tem um ponto comercial. Trata-se de uma pessoa honesta, trabalhadora, empreendedora, pai de família, responsável, branca, evangélica e... bolsonarista.
Embora ele não goste de falar sobre política, insisto no tema, questionando-o, com o intuito de tentar entender como se dá essa relação de um evangélico praticante, leitor da Bíblia, frequentador de igreja, e defensor intransigente do presidente da República. É difícil entender essa equação.
Ele me contou que conversou com Deus em oração pedindo orientação em quem votar na eleição passada para a presidência da República. Deus, me disse ele, falou comigo e mandou que eu votasse em Bolsonaro. Em seguida, me indagou em quem eu tinha votado no segundo turno. Em Fernando Haddad, respondi.
Jamais votaria nele, confessou, veja só como ele deixou a Educação enquanto ministro. Logo fiz referência ao kit gay e à mamadeira de piroca, mentira que o candidato adversário atribuiu a Haddad. Perguntei ao meu interlocutor se ouvira alguma notícia de que Bolsonaro, agora presidente, teria mandado algum dos seus ministros que passaram pelo Ministério da Educação recolher os milhares de kit gays das escolas e os milhões de mamadeiras de piroca? Silêncio.
Mas ele não se rendeu na sua determinação bolsonarista. Frisou, como o pastor Stürmer, que Deus é quem coloca reis, presidentes e ministros nos postos de mando. Mesmo não tendo votado em Eduardo Leite para o governo do Estado do Rio Grande do Sul, o meu interlocutor tremendamente evangélico ora pelo governador e Bolsonaro.
Perguntei: se vivesses na Alemanha no tempo do nazismo, rezaria por Adolf Hitler? Sim, respondeu. E os milhares de judeus, ciganos, Testemunhas de Jeová que o Führer enviou para câmaras de gás, como ele justifica o holocausto? Isso aconteceu na Alemanha porque a sociedade precisou pagar pelos seus pecados, respondeu.
Lembrei do “comissionamento” que estava sendo alinhavado por fora, de um dólar para intermediários, na compra de vacinas pelo Ministério da Saúde. Ah, quem cometeu tais deslizes vai ter que acertar contas com Deus, frisou. Bom, retruquei, é fácil se eximir de responsabilidades e jogá-las na conta de Deus!
Como bom bolsonarista, o meu interlocutor tremendamente evangélico gostaria de comprar um revólver para proteger a família. Mas que confiança irrestrita é essa em Deus, provoquei, que precisas ter um revólver? Ah, só de saber que eu tenho arma em casa os bandidos não vêm. Então, continuei a provocação, vais botar um aviso na porta da tua casa: “o dono deste lar é evangélico e tem revólver. Afastem-se!” Ridículo!
Perguntei como pode um evangélico da cepa apoiar um mentiroso que só no ano passado proferiu mais de 1,6 mil mentiras? Como pode um evangélico fervoroso, leitor diário da Bíblia, apoiar um genocida responsável por milhares de mortes por covid? “Sabes quantas pessoas o covid matou no Brasil?”- me indagou. Sei, mais de 450 mil (na época). Pois é, disse, “só 4% da população brasileira!” (o percentual mencionado não confere, está errado).
Não o poupei. “Tens coragem de argumentar que SÓ foram 4%? A cada dia morre o equivalente à queda de cinco aviões. Se fossem aviões, os acidentes seriam manchetes em todos os jornais do mundo. O Brasil tem hoje 120 mil crianças órfãs de pais mortos pela covid-19. Isso também vai para a conta de Deus?” Olha, me disse, um dia nós todos temos que morrer, afirmativa recolhida do próprio presidente, que não é coveiro. Argumente isso para os familiares que perderam entes queridos, retruquei.
Perguntei se ele se lembrava do que Pedro fizera quando soldados vieram prender Jesus? Sim, ele sabia. Pedro puxou a espada e cortou a orelha de um soldado. Jesus foi, recolheu a orelha e a “colou” de volta no rosto do soldado. Jesus não disse: “agora, minha milícia, puxem suas armas e vamos enfrentar esses vagabundos que vieram me prender”! Ao contrário, a pregação de Jesus sempre foi “amai-vos uns aos outros”. Bolsonaristas acrescentam letras, assim que leem “armai-vos uns aos outros”.
Continuo sem entender como uma pessoa comprometida com o Evangelho possa apresentar qualquer argumento religioso, ético, evangélico, em defesa do presidente da República. Para Bolsonaro, “bandido bom é bandido morto”. Certamente o presidente jamais perdoaria Jesus por prometer ao ladrão crucificado ao lado dele: “Ainda hoje estarás comigo no paraíso”.
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“Oramos para quem está no poder”, diz crente evangélico - Instituto Humanitas Unisinos - IHU