28 Julho 2021
“Enquanto o Vaticano e os bispos continuarem a difamar e oprimir os padres gays, esses homens não conseguirão viver sem medo, vergonha e segredo. Como resultado, em vez de integrar sua sexualidade de maneiras saudáveis e sagradas, eles acabarão procurando saídas menos saudáveis e sagradas”, escreve Francis DeBernardo, em artigo publicado por New Ways Ministry, 28-07-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
A história do padre de alto-escalão da Conferência dos Bispos dos EUA, Jeffrey Burrill, que é acusado de usar um aplicativo de paquera gay e de frequentar bares gays, continua se expandindo. Quando a história surgiu na última semana, eu pensei que desapareceria no outro dia. Parecia ser uma fofoca, que explode em manchetes e que tende a rapidamente desaparecer.
Mas a história persistiu na sua segunda semana, abastecida por questões de ética jornalística, uso de dados privados e, claro, interesses espúrios. Um portal de notícias que se diz católico sente que é correto invadir e expor a vida privada de um padre e irresponsavelmente publicar isso, procurando maximizar a humilhação do padre e juntar homossexualidade com abuso sexual de crianças (embora não exista conexão sobre isso, nem sequer tem acusações contra o monsenhor disso). Onde está o valor em tal investigação se não a criação de um escândalo?
Mais que um escândalo, essa história é uma tragédia. E o elemento trágico disso é não ser abordada assim.
Suponhamos, para fins de argumentação, que as acusações contra o padre Burrill sejam verdadeiras. Para alguns, essa informação parece dar-lhes licença para castigar todos os padres gays, todos os padres, todas as pessoas LGBTQIA+. No mínimo, é contada como uma história de fracasso moral e duplicidade. A Igreja Católica é vista como vítima de uma alma má e egoísta que apenas buscava o seu próprio prazer.
Não concordo com essa caracterização. Acho que Burrill é uma vítima aqui. Esta história destaca o perigo pessoal e institucional que a homofobia da hierarquia católica causa.
Sempre que uma história sobre o relacionamento clandestino ou atividades sexuais de um padre é interrompida, muitas vezes é vista por muitos católicos como um escândalo. E se essas atividades envolvem a comunidade gay, isso só parece aumentar a sensação de escândalo aos olhos de algumas pessoas. Sempre me surpreende que as pessoas fiquem chocadas com o fato de os padres às vezes buscarem relações sexuais. Existe algum ser humano que nunca fez algo por causa da necessidade de amor do qual ficaria envergonhado se esses atos ou desejos fossem expostos ao público? Eu acho que não.
Conheci muitos padres gays por meio do meu trabalho no New Ways Ministry, e muitos estão levando uma vida de fé e serviço, e são fiéis às promessas que fizeram na ordenação. No entanto, muitos deles também têm histórias de intensa luta para chegar a um acordo com sua sexualidade. A maioria foi formada em um sistema de seminário que tinha uma regra simples sobre como lidar com os sentimentos sexuais: ignore-os. E esse mesmo sistema tinha uma regra ainda mais forte para homens que pensavam que poderiam ser gays: ficar quieto.
Qual tem sido o resultado de um sistema com regras como essas? Muitos homens que tiveram que lutar contra a confusão, o medo, a vergonha e o sigilo. As pressões eclesiais os impediram de compreender, aceitar e afirmar sua identidade sexual. Muitos tiveram a oportunidade de apoiar a família, amigos, aconselhamento e orações para integrar sua sexualidade de maneiras sagradas em seu estilo de vida celibatário.
Infelizmente, porém, outros não. É alguma surpresa, então, que alguns desses homens se voltem para situações, pessoas e recursos eletrônicos que não são socialmente aceitáveis? Sem formas mais substanciais e saudáveis de lidar com sua sexualidade, o que mais resta a esses homens? Eles não falharam com a Igreja. A Igreja falhou com eles.
Se as alegações contra Burrill forem verdadeiras, então a Igreja institucional tem mais responsabilidade por suas ações do que ele, porque a instituição criou um ambiente de silêncio, vergonha e opressão, que impede que os padres se tornem pessoas mais integradas. Enquanto o Vaticano e os bispos continuarem a difamar e oprimir os padres gays, esses homens não conseguirão viver sem medo, vergonha e segredo. Como resultado, em vez de integrar sua sexualidade de maneiras saudáveis e sagradas, eles acabarão procurando saídas menos saudáveis e sagradas.
Estou surpreso que alguém ainda esteja chocado com a notícia de que um padre, mesmo de alto escalão, possivelmente cometeu comportamento sexual impróprio. Achamos que esses homens são feitos de anjos? Também vamos lembrar que as supostas ofensas de Burrill – usar um aplicativo de namoro e frequentar bares – não são comportamentos exclusivamente gays. Quantas vezes já ouvimos histórias de padres com amantes ou que solicitaram profissionais do sexo de vários gêneros?
A história é tão antiga e tão comum agora que não devemos sucumbir aos traficantes de escândalos. Em vez disso, uma história como esta deveria ser um alerta para os líderes da Igreja para reformar, se não o sacerdócio, pelo menos os processos de formação pelos quais os padres passam. E deve lembrar os líderes da Igreja que eles precisam começar a reconhecer que os homens gays não são uma aberração ou falha moral, mas são seres humanos assim como os heterossexuais, que têm as mesmas necessidades de amar e ser amados, e de afirmar sua sexualidade como abençoados por Deus que são.
Conferência proferida por Francis DeBernardo ao IHU, no dia 21 de julho de 2021. A conferência "A inclusão eclesial de casais do mesmo sexo. Reflexões em diálogo com experiências contemporâneas", é parte do ciclo "A Igreja e a União de pessoas do mesmo sexo - O Responsum em debate", promovido pelo IHU.
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EUA. A saga do padre Jeffrey Burrill não é um escândalo. É uma tragédia! - Instituto Humanitas Unisinos - IHU