22 Julho 2021
O que a reação ao Traditionis custodes, o motu proprio do Papa Francisco que restaura as restrições à missa tradicional em latim que existiam antes de 2007, nos diz sobre a necessidade do documento? E o que dizer das perspectivas de unidade eclesial que Francisco citou como sua motivação para tomar essa decisão?
O comentário é de Michael Sean Winters, publicado em National Catholic Reporter, 21-07-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
É importante distinguir entre aqueles que simplesmente achavam a antiguidade do velho rito um conforto em um mundo em rápida mudança, ou aqueles para quem a missa tradicional em latim oferecia uma estética que servia para mediar o divino, e aqueles para quem a liturgia tridentina era uma espécie de declaração ideológica que expunha a sua oposição ao Concílio Vaticano II.
Muitas vezes, é fácil identificar este último grupo: eles têm sites. E esses sites, nos últimos dias, têm espalhado um veneno que, sem querer, demonstra como foi necessária a decisão de Francisco.
No site da Society of St. Hugh of Cluny, um grupo com sede em Connecticut, Stuart Chessman manifestou o seu desprezo pelo papa. Mas à medida que ele desenvolvia o seu argumento com base em sua raiva, e não em qualquer teologia católica, ficava claro que ele via o rito antigo como uma espécie de baluarte contra a Igreja pós-conciliar. Ele escreveu:
“O raciocínio costuma ser transparentemente desonesto. O que podemos dizer, por exemplo, da passagem do motu proprio que cita Santo Agostinho para a proposição de que permanecer na Igreja ‘com o coração’ é uma ‘condição de salvação’ – após o ecumenismo irrestrito dos últimos 60 anos? Ou da insistência de Francisco na ‘unidade’ e na ‘comunhão’ como critérios quase exclusivos do catolicismo, quando todos os dias os princípios fundamentais da teologia e da moral católicas são desafiados – muitas vezes com o apoio expresso ou implícito do papa (por exemplo, as proibições ao divórcio, aborto, comportamento homossexual)?”
Sessenta anos de “ecumenismo irrestrito”? Em seguida, em seu comentário, ele afirma: “O verdadeiro problema não é o tradicionalismo, mas as falhas manifestas e catastróficas do Concílio Vaticano II, do Novus Ordo e da organização ultramontanista da Igreja Católica”.
Aí está. Uma rejeição ao Vaticano II e um desejo de retorno ao... ao quê? Aos anos 1950? Não, eles eram muito ultramontanos, assim como os anos 1850. Talvez aos anos 1750? Talvez aos anos 1450?
No Fr. Z’s Blog, o Pe. John Zuhlsdorf escreve que a situação dos devotos do rito antigo é semelhante à dos negros estadunidenses do Sul segregado, só que pior. Os tradicionalistas estão sendo submetidos a condições que são “separadas, mas desiguais”, escreveu Zuhlsdorf. A comparação é tão ofensiva quanto absurda.
Os jornalistas do LifeSiteNews chamaram o documento do papa de “cruel” e “odioso”.
Se você quiser ver algo “odioso”, confira a seção de comentários em qualquer um desses sites de missas tradicionais em latim. O vitríolo dirigido contra Francisco é diferente de tudo que eu já testemunhei.
Compare essa histeria com as respostas ponderadas e razoáveis dos homens que serão chamados a implementar as novas diretrizes do papa, os bispos.
“Vou refletir em oração sobre o Traditionis custodes nas próximas semanas para me assegurar de que entendamos plenamente as intenções do Santo Padre e consideremos cuidadosamente como elas são realizadas na Arquidiocese de Washington”, escreveu o cardeal Wilton Gregory, de Washington, em uma carta ao seu clero. “Nesse ínterim, concedo a faculdade para aqueles que celebram a missa usando os livros litúrgicos emitidos antes de 1970 para continuarem a fazê-lo neste fim de semana e nos dias seguintes, até que novas orientações sejam fornecidas”.
O arcebispo José Gomez, presidente da Conferência dos Bispos dos Estados Unidos, emitiu uma breve declaração que dizia, em parte: “Acolho o desejo do Santo Padre de fomentar a unidade entre os católicos que celebram o Rito Romano. À medida que essas novas normas são implementadas, encorajo meus irmãos bispos a trabalharem com cuidado, paciência, justiça e caridade enquanto, juntos, promovemos uma renovação eucarística na nossa nação”.
O arcebispo Bernard Hebda, de St. Paul-Minneapolis, disse que precisará “de algum tempo para estudar as novas normas, examinar a nossa situação local e buscar conselho. (...) Alegro-me em conceder as faculdades necessárias para que os padres que já estão celebrando os ritos da forma extraordinária possam continuar a fazê-lo”.
Isso não parece muito duro, não é mesmo?
Em suma, os pastores da Igreja estão abordando essa questão pastoralmente. Ninguém está sendo chutado para a rua. Não se trata de uma blitzkrieg.
Um dos meus lemas para 2021 é uma frase que o padre jesuíta Mark Massa, diretor do Boisi Center for Religion and American Public Life, no Boston College, gosta de dizer: “O oposto de católico não é protestante. O oposto de católico é sectário”.
Sabemos que a palavra “católico” significa “universal”, mas tendemos a pensar em termos de global. De fato, quando viajamos para o exterior e vamos à missa em um país diferente, sempre é possível acompanhar, mesmo que você não entenda as palavras: você sabe quando se ajoelhar e quando ficar de pé, você sabe quando os padres estão dizendo as palavras da consagração, você sabe quando o Pai-Nosso está sendo rezado etc.
A oração da Igreja não só atravessa as fronteiras nacionais, mas também atravessa o tempo, pois cada missa nos une com o sacrifício de Cristo na cruz, com a Igreja ao longo dos séculos e com a comunhão dos santos na eternidade.
Nestes dias, porém, convém pensar em “católico” e “universal” não tanto em seu alcance, mas em sua especificidade. Ou seja, o amor de Cristo pode nascer e encontrar expressão não apenas em cada cultura, mas também em cada coração humano.
Alguns corações humanos preferem as missas folclóricas dos anos 1970, alguns preferem o canto gregoriano de um rito tridentino, e alguns preferem uma missa rápida, sem música nenhuma, porque, bem, não sei por que, mas não cabe a mim questionar isso.
Nossos avós não questionavam a estética da missa na sua Igreja local, assim como não pensavam em questionar por que comiam as mesmas comidas ou se vestiam com o mesmo estilo de roupa que seus vizinhos. Quaisquer que sejam as limitações que surgiram no modelo de paróquia territorial, ele foi construído sobre o sólido fundamento de um princípio teológico, e esse princípio era a catolicidade da Igreja Católica.
Se a celebração da liturgia pré-Vaticano II tivesse se tornado o que o Papa Bento XVI esperava que ela se tornasse, uma fonte de enriquecimento mútuo para as duas expressões litúrgicas da mesma fé católica, Francisco não teria que dar o passo que deu para reger a velha liturgia.
Sinto muitíssimo por quem se apegou ao rito antigo nos últimos anos, mas que agora pode ter problemas para encontrar uma igreja onde ele seja celebrado. Espero que falem com seus párocos e vejam se a beleza que eles apreciavam no rito antigo não encontra expressão no novo; se alguma das músicas não podem ser compartilhadas. O simples desejo de se sentir parte de uma tradição antiga não é um desejo maligno.
Mas algumas pessoas, como aquelas com os sites citados acima, usaram o rito como um veículo para questionar a fé católica, não para ensiná-la. Elas achavam que suas opiniões importavam mais do que os ensinamentos de um Concílio Ecumênico. Chegaram até a colocar os seminaristas na mira, com algum sucesso, tentando imprimir nas mentes desses jovens uma hermenêutica da suspeita em relação à ortodoxia da Igreja pós-conciliar. Elas não têm ninguém a quem culpar a não ser elas mesmos por essa virada nos acontecimentos.
Em última análise, este não deveria ser um momento de culpabilizar, mas sim de crescimento. Não no número de pessoas que vão à missa todas as semanas: isso vai acontecer ou não à medida que o Espírito soprar, e só veremos o farfalhar das folhas da árvore que é a Igreja.
Não, este é um tempo para crescer na caridade uns para com os outros, em uma abertura para compartilhar gostos litúrgicos divergentes e desejos diferentes do coração humano, em um compromisso para renovar a unidade da Igreja, construída sobre a nossa fé comum e sobre a liturgia, que é a fonte e o ápice dessa fé.
É hora de colocar o “católico” de volta na Igreja Católica.
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