10 Junho 2021
Kathlen Romeu, de 24 anos, foi baleada durante um tiroteio entre policiais e criminosos na comunidade do Lins. Movimentos antirracismo, políticos e artistas exigem justiça pela morte da jovem, grávida de 14 semanas.
Kathlen Romeu era modelo e designer de interiores e havia deixado de morar no Lins por causa da violência.
(Foto: Instagram)
A reportagem é publicada por Deutsche Welle, 09-06-2021.
A morte de uma jovem grávida que foi baleada durante um tiroteio entre policiais e criminosos no Complexo do Lins, no Rio de Janeiro, nesta terça-feira (08/06), desencadeou uma onda de indignação entre políticos, artistas, ativistas e movimentos antirracismo.
A modelo e designer de interiores Kathlen de Oliveira Romeu tinha 24 anos e estava grávida de 14 semanas, segundo ela havia anunciado nas redes sociais. Alvo de um disparo durante o tiroteio, ela chegou a ser levada a um hospital, mas morreu em seguida.
A Polícia Militar alega que agentes da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) do Lins foram atacados a tiros por criminosos num local conhecido como Beco da 14, e então reagiram atirando de volta. "Após cessarem os disparos, os militares encontraram uma mulher ferida", disse a corporação.
A Delegacia de Homicídios da Capital está investigando a morte de Kathlen e, em paralelo, a "Coordenadoria de Polícia Pacificadora (CPP) instaurou um procedimento apuratório para averiguar as circunstâncias do fato", afirmou a Polícia Militar.
Familiares da vítima afirmaram que Kathlen não morava mais na comunidade e estava apenas visitando parentes. Ela andava por uma rua com a avó quando foi baleada.
O pai, Luciano Gonçalves, disse que a filha havia se mudado do Lins justamente por causa da violência: "99% da comunidade são pessoas de bem. A mesma operação que tem constantemente na nossa área, na Zona Sul não tem. Eu tirei ela de lá por causa da violência. Minha filha era a coisa mais especial da minha vida. Uma pessoa do bem, inteligente. Estava na melhor fase da vida dela."
A morte de mais uma pessoa negra inocente em um confronto envolvendo a polícia foi recebida com repúdio nas redes sociais. Ativistas e movimentos que lutam contra a violência contra negros pediram justiça por Kathlen.
"Matam nossos filhos, matam nossas mães! Kathlen Romeu [...] foi fuzilada durante uma operação policial hoje. O Estado retirou mais uma vida negra e favelada que estava gestando outra vida. Investigação urgente!", exigiu o Instituto Marielle Franco, fundado pela família da vereadora assassinada em março de 2018 no Rio.
Até quando? Até quando vão justificar o injustificável? Até quando vão transformam vidas negras em descartáveis?
— Instituto Marielle Franco (@inst_marielle) June 8, 2021
Dor e revolta. #VidasNegrasImportam pic.twitter.com/lBrLm51qUz
A Coalizão Negra por Direitos, que reúne entidades do movimento negro de todo o país, chamou de "inaceitável" e "genocida" a política de segurança pública do Rio.
"A política de morte do RJ, alinhada ao governo Bolsonaro, mantém em curso o genocídio do povo negro no Brasil. Exigimos a imediata investigação do caso, a responsabilização do governador e do comando da Polícia Militar por mais essa operação irresponsável e criminosa, e o afastamento dos policiais envolvidos na ação. Solidariedade à família de Kathlen, queremos justiça!"
É inaceitável a política de segurança pública genocida do Rio de Janeiro que hoje fez mais uma vítima, Kathlen Romeu, mulher negra de 24 anos, grávida de 4 meses, baleada durante uma operação da Polícia Militar, na comunidade do Lins, Solidariedade à familia de Kathlen.
— @coalizaonegra (@coalizaonegra) June 8, 2021
O movimento Favelas na Luta, articulação de vários coletivos de favelas no Rio na luta por direitos, também exigiu justiça. "Um mês depois da chacina do Jacarezinho, estamos mais uma vez reunidos gritando que não merecemos morrer atravessados por uma bala do Estado, sem vacina e com fome. Queremos investigação já!", disse o grupo em rede social.
"Se como dizem por aí, 'a vida é um sopro', para pretas, pretos e pretes favelades é um sopro e uma bala encontrada. Que dilacera sonhos, amores e famílias. É furacão que abala as nossas (des)estruturas revelando as fragilidades de uma sociedade perversamente escravocrata, de um sistema de segurança falido e um Estado racista e genocida", afirmou, por sua vez, a jornalista e ativista Luiza Brasil, da plataforma Mequetrefismos.
Políticos também se manifestaram com indignação pela morte de Kathlen."Revolta e dor!", disse a deputada federal Talíria Petrone (Psol-RJ). "Esse sistema de segurança falido fez mais vítimas fatais. Mais duas vidas negras interrompidas. Justiça por Kathlen Romeu!"
É inaceitável a política de segurança pública genocida do Rio de Janeiro que hoje fez mais uma vítima, Kathlen Romeu, mulher negra de 24 anos, grávida de 4 meses, baleada durante uma operação da Polícia Militar, na comunidade do Lins, Solidariedade à familia de Kathlen.
— @coalizaonegra (@coalizaonegra) June 8, 2021
"Todo dia uma bala perdida que 'acha' um negro ou uma negra. Grávidas e crianças não podem ficar tranquilas, porque também podem ser vítimas da ação assassina do Estado contra os negros. Parem de nos matar!", escreveu o deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP).
"No Brasil, vidas negras não importam. É o óbvio diante do corpo de uma mulher negra e grávida. Kathlen e seu marido estavam se preparando para receber um bebê, não fosse pela violência tão comum nas nossas periferias. Balas não são perdidas no Brasil; são lançadas e encontram quase sempre corpos, sonhos, vidas negras" disse a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS).
Famosos também usaram sua visibilidade para trazer luz ao caso. "Uma notícia que se repete com tanta frequência que dá náusea. Inocentes. Pretos. Mortos. Operação policial. O Estado brasileiro não está em guerra contra as drogas. Está, desde sua formação, servindo ao extermínio da população preta e periférica. Não dá mais pra fingir que não", escreveu o ator Ícaro Silva em rede social. "Vidas Negras Importam. E é um absurdo e um inferno ter que dizer isso."
A cantora Elza Soares, por sua vez, publicou: "Daqui a cem anos os netos dos meus bisnetos olharão perplexos para o que estamos vivendo e tentarão entender os motivos que nos fez parecer anestesiados diante a avalanche de absurdos. Eu não preciso de mais cem anos pra isso. Nem os noventa e um que já tenho me ajudam a entender."
"Quero muito poder narrar a negritude para além da morte e da violência que é imposta, sem ignorar os acontecimentos, claro, mas mostrando que somos muito mais do que isso. Mas é difícil continuar falando sobre beleza e futuro quando as vidas de jovens pretos estão sendo constantemente interrompidas", disse a atriz Taís Araujo.
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Morte de jovem negra grávida no Rio gera onda de indignação - Instituto Humanitas Unisinos - IHU