Alfredo Ferro: “Há um grande interesse em tecer relações no seio da Igreja”

Foto: Arquivo Pessoal

14 Mai 2021

 

A Conferência Eclesial da Amazônia acaba de anunciar a nomeação do seu novo secretário executivo, o jesuíta Alfredo Ferro, que agradece a Mauricio Lopez pelo seu serviço como secretário interino durante os primeiros dez meses da CEAMA, que foi criada "a partir do compromisso assumido pelo Sínodo Amazônico".

 

A entrevista é de Luis Miguel Modino.

 

O novo secretário executivo da CEAMA sublinha que "o Sínodo não fala propriamente de uma Conferência Eclesial, mas de uma Conferência Episcopal". Como resultado da reflexão, algo que parece ao padre Ferro ser muito apropriado, "fez-nos pensar numa Conferência Eclesial, o que é uma novidade". Os estatutos já foram elaborados e entregues à Congregação dos Bispos no Vaticano, e agora estão a ser revistos. Enquanto aguarda a aprovação canônica, o jesuíta assinala que "estamos no processo de elaboração dos regulamentos para esta Conferência Eclesial”.

 

Alfredo Ferro reconhece que "a responsabilidade do secretário executivo é grande", embora ele próprio afirme que será um trabalho de equipe, ao qual se acrescenta a perspectiva de "uma forte articulação com os organismos eclesiais, com a REPAM, com o Celam, dado que a própria CEAMA nidifica no Celam, embora tenha a sua autonomia, também com a CLAR, com a Caritas, com as conferências episcopais, com as jurisdições eclesiásticas". Na opinião do secretário executivo da CEAMA, "há um interesse muito grande em tecer estas relações dentro da Igreja", salientando o clima favorável, de abertura, de busca comum, nesta proposta de sinodalidade, de caminhar juntos como Igreja, "quebrando fronteiras e, ao mesmo tempo, procurando uma ligação e uma articulação muito forte".

 

Pe. Alfredo Ferro (Foto: Arquivo Pessoal)

 

Uma das grandes expectativas, que ele assume como trabalho do secretario executivo, é "formular um plano pastoral conjunto para a Igreja na Amazônia", que ele vê como "o foco da tarefa e da missão". Para o tornar concreto, "o Sínodo apresenta-nos algumas pistas, especialmente na busca desse rosto amazônico, de uma Igreja inculturada e em diálogo intercultural, uma Igreja muito próxima dos povos amazônicos". Sobre este ponto, o Padre Ferro vê como um dos desafios da CEAMA, "ver de que forma todos os níveis eclesiásticos estão envolvidos, mas não só isso, as comunidades, os territórios, os povos em geral, e sobretudo a nível local, as jurisdições eclesiásticas, que na Amazónia são mais de 100".

 

Nestes meses foram dados passos importantes, "definindo a partir dos sonhos da Querida Amazônia e do Documento Final do Sínodo, uma série de pontos, a que chamamos núcleos temáticos, que é onde queremos nos concentrar", diz Alfredo Ferro. Segundo ele, "alguns são mais específicos da CEAMA, em geral são aqueles que surgem do sonho eclesial, mas outros são mais específicos da REPAM". Há também pontos a serem retomados em comissões conjuntas, insistindo no trabalho comum que está sendo realizado entre a CEAMA e a REPAM, especialmente com o seu secretário executivo, o irmão João Gutemberg Sampaio.

 

"O Sínodo deu-nos a base para construir coisas novas, para trabalhar nelas, para assumir estes compromissos", diz o jesuíta colombiano. Na sua opinião, é necessário compreender a CEAMA como parte de um processo de vários anos, "que é consolidado e reforçado por todo o processo preparatório do Sínodo, onde a REPAM desempenhou um papel muito importante e significativo". Há um grande desafio, "em torno da prática concreta da sinodalidade, que significa participação, escuta, participação ativa dos leigos, das mulheres, dando voz ao local, aos territórios, aos povos, aos espaços de diálogo, de abertura aos grandes desafios que a Igreja na Amazônia tem".

 

Ferro dá alguns exemplos em que podemos ver novidade, onde novas questões podem ser levantadas, que já foram formuladas neste processo. Em primeiro lugar, fala da "rejeição das práticas colonialistas, do esforço de uma Igreja que não só deve inculturar-se a si própria, como deve entrar num forte diálogo intercultural com os povos amazônicos". Isto é visto como "uma questão de novas formas de evangelização, de novas propostas, que devem partir de um diálogo respeitoso com as culturas e de um encontro produtivo e que, de alguma forma, confirma esta missão, este anúncio, mas construído coletivamente".

 

Um segundo elemento-chave, "é o tema da ministerialidade, uma Igreja ministerial, uma Igreja onde os serviços já prestados pelos líderes da Igreja a nível local são reconhecidos”. Sobre este ponto cita o ministério do cuidado da Casa Comum, do acolhimento dos deslocados, o ministério das mulheres, "outros tipos de ministérios que surgem das necessidades que as comunidades vivem, e em particular os serviços que muitos homens e mulheres já prestam no território amazônico". É uma Igreja servidora, que formaliza o que as comunidades já estão vivendo.

 

Pe. Alfredo Ferro (Foto: Arquivo Pessoal)

 

Outro elemento que é destacado pelo secretário executivo da CEAMA tem a ver com o rito amazônico, ou melhor dito, com os ritos amazônicos, dada a diversidade de culturas, afirmando que "a partir da liturgia, dos sacramentos, da celebração, a Igreja também se faz algumas perguntas e também poderia haver uma novidade". Juntamente com isto, tudo o que tem a ver com a Universidade Amazônica, "como proposta de ensino superior para a Amazônia", para a qual foi criada uma comissão que já está começando a trabalhar e a provocar reflexões sobre o significado e a contribuição da Igreja neste campo da educação. Também neste mesmo campo, menciona as propostas de educação bilingue, algo levantado no Sínodo, e do qual já estão sendo realizadas experiências, algo muito importante no processo de inculturação e diálogo intercultural.

 

O tema do diaconato e do sacerdócio é outro elemento em que, segundo o padre Ferro, "pouco progresso foi feito". Isto é algo que tem a ver com a formação, perguntando "qual deve ser a formação dos nossos seminários de presbíteros para trabalhar na Amazônia". Isto deverá levar à revisão dos currículos, procurando propostas alternativas, que deverão estar ligadas à questão das vocações sacerdotais. Juntamente com isto a questão do diaconato permanente, afirmando que "de forma alguma podemos escapar às questões sobre os viri probati, sobre as possibilidades de tornar realidade a ordenação dos homens casados", algo sobre o qual, apesar do fato de não haver avanços concretos por parte do Papa Francisco, "o Sínodo apontou para pensar seriamente na possibilidade da ordenação dos homens casados", que o jesuíta vê como algo que "será reavivado", afirmando que está ligado ao tema da celebração e do sacramento, especialmente a Eucaristia como centro da vida cristã e a dificuldade que as comunidades têm em celebrar a Eucaristia.

 

Um último elemento é "o tema das mulheres, da presença feminina na Igreja, o tema dos ministérios para as mulheres, e também, embora não se diga muito, o tema do diaconato para as mulheres". O secretário executivo da CEAMA reconhece que existem outros temas fundamentais para continuar avançando no que poderia ser novidade, não só para a Igreja Amazônica, mas também para toda a Igreja, e isto foi visto muito claramente na repercussão que o Sínodo tem tido na Igreja universal".

 

Pe. Alfredo Ferro (Foto: Arquivo Pessoal)

Durante mais de um ano as atividades da REPAM e das circunscrições amazônicas foram muito afetadas pela pandemia, diz o padre Ferro, algo inimaginável depois do Sínodo, pois "isto ia afetar-nos como Igreja naquilo que sonhávamos para a devolução aos territórios, às comunidades". Embora algo tenha sido feito, o jesuíta reconhece que esta devolução "foi muito limitada, devido às condições, devido às circunstâncias, devido à devastação causada pela pandemia, devido à dificuldade de movimento, devido aos cuidados que têm de ser tomados".

 

Nesta situação, "as jurisdições eclesiásticas tiveram de se adaptar às condições, e com grande dificuldade foi possível fazer o que se sonhava e o que se esperava", um elemento a ter em conta. Neste ponto, "aparece todo aquele serviço que a Igreja deve prestar como Igreja samaritana, como uma Igreja que está ao serviço da realidade que o povo vive na sua vida quotidiana, de todos os contágios que existem, das mortes, dos problemas de saúde". Por esta razão, o padre Ferro reconhece que "o trabalho pastoral do dia a dia e dos territórios tem de ser modificado”. Um exemplo é a intensificação da pastoral da saúde, algo que "é uma resposta às condições em que as comunidades vivem".

 

Da sua experiência em Leticia, na Tríplice Fronteira entre a Colômbia, o Peru e o Brasil, onde viveu nos últimos anos, ele diz que "percebemos que o trabalho que tínhamos de fazer, quando a primeira onda da pandemia começou, era estar ao lado das comunidades, acompanhando-as, fornecendo-lhes alimentos, ferramentas, plantas de oxigênio", respondendo assim às necessidades das comunidades. Isto é visto como "uma resposta concreta às necessidades que as comunidades estavam experimentando". O interessante foi que "não havia fronteiras, se fossem comunidades do Brasil, do Peru, da Colômbia, nós tentámos responder a essas necessidades, articulando também entre nós e vendo como, a partir da pastoral social, da vida religiosa, da Caritas, podíamos enfrentar esta situação".

 

Pe. Alfredo Ferro (Foto: Arquivo Pessoal)

 

Embora a vacinação já tenha começado, ainda não é possível reivindicar a vitória, diz o secretário executivo da CEAMA, que relata outros problemas que estão surgindo, tais como o fato de muitos povos indígenas não quererem ser vacinados. Isto leva-o a interrogar-se sobre o que isto significa e como lidar com isto, "como trabalhar nestes problemas concretos que estão surgindo na pandemia e que certamente aparecerão na pós-pandemia". Falando da cidade colombiana de Leticia, que vive em grande parte do turismo, que está completamente acabado, ele pergunta-se "o que significa retomar a missão da Igreja, formulá-la a partir de uma situação de crise em termos de desemprego, pobreza, fome, todas as dificuldades que as comunidades estão a enfrentar, tanto nas comunidades urbanas como rurais".

 

O caminho é "estar muito próximo das comunidades, compreender a realidade que estão vivendo e repensar a pastoral”. Segundo Alfredo Ferro, "não somos apenas uma tenda de campanha, mas também temos de encarnar esta vocação como Igreja samaritana", algo que deve ser traduzido em "uma pastoral conjunta, que é como o grande desafio que a CEAMA tem", para o qual esta e outras realidades devem ser tidas em conta, porque "as consequências desta pandemia são tremendas e isto será tido em conta nas opções, nas prioridades pastorais que a Igreja Amazônica deve ter".

 

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