13 Mai 2021
"Continua sendo fundamental que a devoção a Maria parta da palavra de Deus, e, portanto, a súplica a ela se torna um pedido de ajuda para que saibamos acolher a mensagem e realizá-la".
A opinião é de Luigi Bressan, arcebispo emérito de Trento, na Itália, em artigo publicado por Settimana News, 06-05-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Todos crescemos com uma particular atenção à figura de Maria Santíssima no mês de maio, com “fioretti” e encontros devocionais de particular intensidade e viva comoção, mas não é assim no hemisfério Sul do globo terrestre.
Por quê? As origens remontam ao Evangelho no que diz respeito à veneração de Maria, mas, em relação ao período, ele depende das estações climáticas.
Os antigos gregos celebravam os dias do fim de abril e do início de maio com festas especiais para Ártemis, a deusa da vegetação e da fecundidade, enquanto o mês de maio era visto sobretudo como o despertar da natureza e o tempo da grande floração.
No entanto, nos primeiros séculos, não se pensou em ligá-lo a um culto mariano, embora houvesse uma corrente de piedade popular de um mensis marianus ainda na Idade Média, mas ele se situava no tempo entre a Assunção e a Exaltação da santa cruz (15 de agosto a 14 de setembro).
Uma referência a maio se encontra nas 428 “Cantigas de Santa Maria”, do rei Afonso X de Castela (1221-1284): falando de maio no hino “Ben Vennas”, o rei poeta louva e suplica a Maria.
No século XIV, em Toulouse, o dia 1º de maio era celebrado como festa da vegetação e era exaltada a flor mais bela: Maria Santíssima.
Mas foi sobretudo em 1600, com alguns jesuítas (Nadasi, Vinckle, Jacolet), que se desenvolveu essa relação entre a floração do ambiente e a devoção à Maria Santíssima, integrando nela, justamente, o rosário.
Obviamente, trata-se de um mês outonal no hemisfério meridional, e, portanto, os católicos daquelas regiões “celebram maio” em novembro: é o caso, por exemplo, da Argentina, Chile, Paraguai ou África do Sul. Isso pode nos surpreender... mas no Natal não temos neve lá, mas sim o máximo de calor, e, para explicar a pobreza de Belém, não é possível dizer às crianças que Jesus sofria com o frio e com a geada, mas com muito calor, sem ventiladores e menos ainda ar-condicionado, nem mesmo uma rede etc.
É somente uma questão de ambiente e de expressão humana, mas a mensagem é sempre uma, a do sentido sublime do amor de Deus por nós.
A devoção mariana encontrou a sua expressão mais profunda na liturgia e a mais extensa na recitação do rosário. Sabemos como os fiéis são afeiçoados a ele e é um dos programas de televisão diários mais assistidos.
Além disso, a forma repetitiva da oração está presente em todas as religiosidades. Entre os ortodoxos, e não apenas por parte dos monges, “debulha-se” uma “corda da oração” com nós, que podem ser 33, 50 ou 100, de acordo com as tradições locais, repetindo a mesma invocação: “Jesus, misericórdia”.
Vemos que os muçulmanos também carregam um, geralmente muito bonito, composto por 99 grãos (ou por 33 que são repetidos três vezes): são os 99 atributos de Deus, ou seja, Deus é grande, misericordioso, onipotente...
Os monges budistas, por sua vez, usam um cordão com 108 nós, que seriam os 108 desejos dos quais se espera ser libertado para desfrutar a vida em felicidade.
O rosário (cujo nome provém das contas esculpidas para se parecer com pequenas rosas) é consagrado por uma devoção universal e secular, recomendada pelos papas e pelas aparições da Bem-Aventurada Virgem Maria e também era visto como um “saltério” para quem não podia ter acesso aos 150 Salmos em língua latina.
O Santo Papa João Paulo II, com a carta apostólica Rosarium Virginis Mariae, acrescentou os cinco “mistérios da luz” e convidou os fiéis a valorizarem tal prática de piedade também com abordagens novas.
Acolhendo esse convite e considerando que tal oração não faz parte da “liturgia”, mas continua sendo uma devoção popular, surgiram propostas para desenvolver ainda mais a consideração sobre os textos bíblicos dos chamados “mistérios”, ou escolher outros mais adequados para determinadas finalidades da oração, como as da família, dos jovens, dos migrantes, da vocação missionária etc.
Outra linha de propostas foi a de ampliar os “mistérios”, considerando, mesmo assim, não mais do que cinco por dia, mas estendendo a lista para abranger um mês inteiro sem nunca se repetirem (por exemplo, em maio e outubro), ou toda a semana, por exemplo acrescentando, às quatro cinquenas existentes, outras três, ou seja, do encontro, da palavra, da graça (concretamente: na segunda-feira, a alegria; na terça, cinco encontros do Senhor; na quarta, cinco parábolas e ensinamentos; na quinta, a luz; na sexta, a dor; no sábado, cinco milagres de Jesus; no domingo, a glória).
Além disso, o convite do Concílio a estar em sintonia com o tempo litúrgico leva a refletir: por exemplo, considerar os mistérios gozosos no Sábado Santo ou na segunda-feira da Páscoa (como já vi ser feito) colide com o clima litúrgico... e também durante toda a Oitava Pascal eu manteria o tema da glória; e, nas solenidades, seria mais conveniente se deter apenas no mistério que a liturgia celebra, vendo cinco aspectos dele.
Continua sendo fundamental que se parta da palavra de Deus, e, portanto, a súplica a Maria se torna um pedido de ajuda para que saibamos acolher a mensagem e realizá-la. O rosário se propõe bem tanto à pessoa solteira quanto à família, assim como à comunidade; e, em períodos de distanciamento social, oferece a oportunidade aos pais de ajudarem os filhos a rezar e a aprender uma catequese feita em casa. Além disso, se 10 Ave-Marias são demais para os jovens de hoje, ninguém é excomungado se forem reduzidas a três.
Reprodução da obra Assunção de Maria, de 1616, de Peter Paul Rubens (Fonte: Museu de Belas Artes da Bélgica | Wikimedia Commons)
A devoção a Maria Santíssima é um elemento de comunhão. Um primeiro-ministro da Itália dizia que nós somos um povo bem dividido, exceto em dois pontos onde encontramos unidade: a torcida pela Seleção Nacional de Futebol e a devoção a Maria (nas suas várias formas que enobrecem a Itália).
Mas outros povos também são ricos em expressões diversas, e os títulos dirigidos a Maria são surpreendentes e inspiradores de confiança e compromisso.
A arte, além disso, se expressou desde as catacumbas e ainda hoje nos dá novas imagens repletas de força poética e, ao mesmo tempo, partícipes da vida cotidiana. Às vezes, elas surpreendem. Lembro-me de quando me trouxeram da Colômbia uma Virgem toda colorida, que, com uma corrente, amarrava o dragão debaixo dos pés e tinha asas. Perguntei se era Maria Santíssima e São Miguel: olharam-me admirados... Reli o Apocalipse (12,14: a Mulher recebeu as duas asas da grande águia...).
A arte mariana no mundo é estupenda e não cessa de nos ensinar.
Mas, na devoção à Mãe de Deus, somos acompanhados – alguns dizem “precedidos” – pelos irmãos ortodoxos, com a grande variedade de ícones veneradíssimos e de hinos a Maria.
As Igrejas copta e etíope elaboraram uma vasta literatura e nada menos do que 100 títulos marianos, têm numerosas festas precedidas de jejuns, e dezembro é o mês mariano.
Os anglicanos, pelo menos na High Church, seguiram a tradição medieval. Em um altar de uma das suas igrejas, vi nada menos do que sete estátuas de Nossa Senhora. Uma bispa da Igreja Luterana da Noruega me disse um dia que eles também estão redescobrindo o papel de Maria a partir do Evangelho.
Há poucos anos, foi publicado um livro na Alemanha, com o patrocínio daquela Igreja Luterana: “Maria. Evangelisch”. Entre outras coisas, ele propunha rezar: “Ave Maria, cheia de graça. O Senhor é convosco. Bendita sois vós entre as mulheres, e bendito é o fruto do teu corpo, Jesus. Santa Maria, Mãe de Deus, Esposa da alma, rogamos convosco, pecadores, para receber a força de Deus, agora e na hora de nossa morte. Amém”.
Não é a Ave-Maria dos católicos, mas sabemos que a nossa oração também sofreu variações ao longo dos séculos.
É preciso dizer que Martinho Lutero defendia a Imaculada Conceição de Maria e a concepção virginal de Jesus e, se na invocação da sua ajuda ele encontrava excessos, ele mesmo não a negava. De fato, na introdução do livro sobreo o Magnificat, ele diz: “A doce Mãe de Deus me conceda o Espírito, para que eu possa explicar com suficiente eficácia esse seu canto”.
Certamente é difundida a atenção dos muçulmanos a Maria, mãe de Jesus, a quem eles chamam de Isáh. Duas semanas atrás, o centro inter-religioso Tevere organizou um colóquio, no qual interveio Shafik Iradi, reverenciado líder dos xiitas do Líbano. Parecia que ouvíamos um místico cristão falar de Maria, como ícone da misericórdia de Deus, exemplo maravilhoso de entrega à palavra de Deus, convite a construir a paz e o amor no mundo.
Sabe-se que o Alcorão menciona Maria 34 vezes, e ela é a única mulher cujo nome é citado. Muitas muçulmanas recorrem a ela na oração, e já é frequente encontrar textos que a apresentam como a Mulher do encontro. Um precursor disso foi o Bem-aventurado Antonio Rosmini, com uma conferência em 1845. Mas foi a partir de 1950 que iniciou-se um verdadeiro diálogo, começando pelo opúsculo de 90 páginas “Marie et l’Islam”, publicado em Paris por Jean Marie Abdel-Jalil, um marroquino que decidiu se tornar franciscano (estivemos juntos por um mês no verão de 1968 em um convento suíço, quando o Islã me parecia uma religião que não tinha nada a ver com o cristianismo).
É uma alegria que haja um Centro Mariano Islâmico-Cristão em Beirute, mas surpreende ainda mais que haja um correspondente Centro Mariano Budista-Cristão no Japão.
A esse respeito, lembro-me que, em uma visita a um templo budista em Bangkok, vi uma imagem da “deusa da misericórdia” representada como uma distinta senhora com um menino nos braços e a lua debaixo dos pés. A iconografia de Maria tinha inspirado aquela imagem. Eu me perguntei se não tinha inspirado o próprio culto.
Eu não ficaria surpreso em ver uma estátua de Maria Santíssima em um templo hindu, já que eles admitem dezenas de milhares de manifestações do divino. Muitas mulheres hindus rezam a Maria nos nossos santuários.
E quanto aos nossos irmãos mais velhos, os judeus? Há uma semana, o presidente da Pontifícia Academia da Imaculada nos dizia que tinha seis cartas de judeus que expressavam a sua estima por Maria, mulher judia que vira seu filho inocente ser torturado, condenado e levado à morte. Assim, Calvário e Shoah se unem, e, na recitação do rosário, “doce corrente que nos liga ao céu”, podemos e devemos rezar por uma fraternidade maior e solidária entre todos os homens e mulheres da terra, dos quais Maria, pela graça do Senhor, é mãe.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Mês mariano: maio ou novembro? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU