21 Abril 2021
“Os palestinos, ironizavam os israelenses, nunca perdem a oportunidade de perder uma oportunidade”. Os israelenses, denuncia Lea Tsemel, advogada israelense de palestinos acusados de terrorismo, perderam agora a de tratar os palestinos como pessoas e vacinar a todos.
Há 50 anos, a advogada defende para Israel um futuro que inclua os palestinos e deixe de condená-los à ocupação ou ao êxodo por nascer do lado errado da fronteira. Tudo o que pede é que Israel dê ao amor uma oportunidade e aos casais mistos de israelenses e palestinos a de se estabelecer no país.
Esse foi o princípio de outras convivências das quais nasceram filhos com duplas identidades, como as que hoje permitem um mundo mais pacífico. Toda pureza é uma mistura esquecida e nenhuma identidade é melhor ou pior que a outra.
A entrevista é de Lluís Amiguet, publicada por La Vanguardia, 20-04-2021. A tradução é do Cepat.
Os israelenses se vacinaram com sucesso... E os palestinos?
Israel já vacinou todos os israelenses e agora sobram vacinas. Tantas que as exporta para outros países, mas não vacina os palestinos. Só os que trabalham em Israel...
Por que os palestinos não buscam as vacinas por conta própria?
Porque Israel tem o controle total das fronteiras da Palestina e isso o torna responsável pela vacinação dos palestinos. Mas temos outro problema mais grave...
Mais grave?
Israel impede que israelenses e palestinos se misturem, se casem, tenham filhos e construam uma convivência juntos que poderia ir abrindo o caminho para a convivência em paz.
Como os pune?
Quando um palestino se casa com um estrangeiro ou um israelense, não concedem permissão de residência ao casal para que resida em Israel. Uma mulher de Gaza ou de outros territórios ocupados, mesmo que se case com um israelense, ou vice-versa, jamais conseguirá permissão para viver em Israel. São convidados a se estabelecer no estrangeiro. Assim evitam a mistura em Israel, que é tão necessária.
Por que é tão necessária?
Porque todas as convivências entre comunidades em conflito começam com esses casamentos mistos, mas em Israel fomos nos tornando mais religiosos, intransigentes e supremacistas e esse é o caminho para a eternização do conflito.
Por que se tornou advogada?
Nasci em Haifa, filha de pais judeus bielorrussos que fugiram para Israel, onde chegaram a ser de classe média. Sentíamos a necessidade de justiça e estudei Direito durante meu serviço militar em Telavive, e depois em Jerusalém.
Fez o serviço militar?
Fui voluntária em combate na Guerra dos Sete [n.d.t. Seis (?)] Dias, em 1967, e a primeira mulher israelense a ter acesso ao Muro das Lamentações.
Porque foi voluntária em uma guerra?
Porque era jovem e ingênua e acreditava que era “uma guerra para a paz”, como nos diziam.
No que acredita agora?
Israel não queria e nem quer a paz. Tratava-se e se trata de livrar-se dos palestinos.
Israel também não estava ameaçado?
Mas naquela guerra iniciou o processo de expulsar os palestinos e se não fosse pelas pressões internacionais, sua expulsão teria sido ainda mais desumana do que foi. Nós os expulsamos de suas casas: primeiro em Jerusalém, demolindo seus bairros, de casa em casa, e repovoando-os com israelenses. Depois, Gaza, e depois com a ocupação, enclave por enclave, de seus territórios...
O que você fez após a guerra?
Fiquei grávida de meu marido, Michel Warschawski, e tivemos mais dois filhos. Meu marido sempre lutou pela convivência pacífica com os palestinos e por isso, em 1987, ficou 20 meses em prisão por “dar auxílio a associações ilegais”...
É possível ser antissionista em Israel?
Ele não se rendeu e fundou a organização Matzpen, e após sair da prisão, continuou buscando a paz. Em 2015, apresentou-se nas eleições em uma lista israelense-palestina. É filho de um rabino e de uma família muito religiosa e especialista no Talmude e acredita que a fé nos leva à convivência.
Por que tão poucos israelenses, hoje, defendem essa convivência?
Porque esquecemos a história que nos diz que hoje tratamos os palestinos como tantas vezes nos trataram: racismo, discriminação, degradação, expulsão... E esperamos que os palestinos se resignem.
É por isso que você defende terroristas?
Quando um garoto condenado à ocupação e a ser um cidadão de segunda lança pedras contra um tanque, devemos entender os fatos em um contexto...
Você também defendeu homicidas.
E por isso me chamam de “advogada do diabo”, mas não me importa, porque assim dou testemunho de que seria possível um Israel na qual os palestinos coubessem – um cidadão, um voto – e que os direitos humanos fossem respeitados. E não me rendo, porque, apesar de tudo, há israelenses que me veem como necessária e talvez algum dia concebam um futuro de convivência.
A Bíblia justifica a ocupação?
Com ela nas mãos, é o que dizem aqueles que se apropriam das casas e terras dos palestinos só porque não são judeus, mas o que fazemos é simplesmente – a Bíblia também diz isso – um roubo. Assim, muitos israelenses se tornam mais religiosos porque acreditam que essa religião justifica a injustiça de expulsar outros seres humanos de suas casas por não serem como você.
Não se vê os palestinos cada dia mais sozinhos e mais perdedores?
Imbuem a nós, israelenses, um sentido de superioridade em relação ao resto do mundo. Lembre-se de Trump, parece nos conceder. E não falo apenas dos Estados Unidos. Agora, Turquia, Emirados, Arábia... Israel está ficando sem inimigos... Mas isso também incuba antissemitismo, se antes não fizermos justiça em nosso país.
Por que não aceita se resignar?
Porque o povo eleito somos todos nós, seres humanos. Sendo assim, a justiça consiste em tornar possível que convivamos.
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“Israel perdeu a oportunidade de também vacinar os palestinos”. Entrevista com Lea Tsemel - Instituto Humanitas Unisinos - IHU