08 Abril 2021
"Já ao tempo do regime militar (1964-1985), pela Comissão de Direitos Humanos e pela Comissão de Justiça e Paz, precisei atuar na salvaguarda da autonomia da universidade, da liberdade de ensino, de professores e de estudantes perseguidos pelo autoritarismo", escreve José Geraldo de Sousa Junior, professor titular da Faculdade de Direito; ex-Diretor da Faculdade e ex-Reitor da UnB; co-lidera o Grupo de Pesquisa O Direito Achado na Rua.
Com o tema que dá título a este artigo, a Câmara dos Deputados, programou Reunião de Audiência Pública Virtual para dia 05/04/2021 em atendimento ao Requerimento nº 14/2021, de autoria da Deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP), subscrito pelo Deputado Reginaldo Lopes (PT-MG).
Estive entre os convidados chamados a prestar depoimento nessa reunião. Certamente, a condição de ex-Reitor terá contribuído para me credenciar a essa assentada. Estou inclinado a pensar que minhas frequentes atuações em defesa do princípio também me habilitam para o debate.
Já ao tempo do regime militar (1964-1985), pela Comissão de Direitos Humanos e pela Comissão de Justiça e Paz, precisei atuar na salvaguarda da autonomia da universidade, da liberdade de ensino, de professores e de estudantes perseguidos pelo autoritarismo. Reitor da UnB institui para registro da memória e da verdade das injunções do período que chegaram a interromper projetos universitários, a Comissão Anísio Teixeira de Memória e Verdade da UnB, que afirmou a vitimização do próprio projeto e as circunstâncias nebulosas da morte de Anísio, ex-Reitor da universidade. Consulte-se em sua dramaticidade a peça eloquente que constitui o relatório "Comissão Anísio Teixeira de Memória e Verdade", disponível aqui.
Agora, desde 2016 quando parecemos estar voltando a tempo de ameaças à democracia e de ataques à Constituição, me vi na contingência de agir em defesa da autonomia e da liberdade de ensino, tendo sido co-autor em diversas representações contra ministros da educação e até do presidente da república, promotores de investidas contra esses valores constitucionais e convencionais, no plano do direito internacional dos direitos humanos, com base no Comentário Geral 13 e no enunciado 39, do Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (ONU): “Os membros da comunidade acadêmica são livres, de forma individual ou coletiva, de procurar, desenvolver e transmitir o conhecimento e ideias, por meio de investigação, da docência, do estudo, do debate, da documentação, da produção, da criação ou da escrita”.
Há poucos dias, precisei mais uma vez pronunciar-me nesse ponto, conforme requerimento que subscrevi com meus colegas da Faculdade de Direito Airton Lisle Cerqueira Leite Seelaender e Argemiro Cardoso Moreira Martins, pedindo reunião do órgão colegiado máximo de nossa unidade, para apreciar e, se possível, aprovar moção em favor de Declaração essencial, no presente momento, para a defesa da liberdade constitucional de ensino tanto na Faculdade de Direito da UnB quanto no país como um todo. A Declaração foi aprovada por unanimidade e circula, fazendo ressonância aos princípios constitucionais (artigo 206, II, da CF), confirmados em julgamento sobre esse mesmo assunto no Supremo Tribunal Federal.
Com efeito, dissemos no requerimento e a Declaração acolheu: “o cerne da presente declaração está em consonância com a orientação geral do STF, evidenciada no âmbito da ADPF 548-DF (Rel. Min. Carmen Lúcia), no sentido de rejeitar “atos judiciais ou administrativos pelos quais se possibilite, determine ou promova o ingresso de agentes públicos em universidades públicas e privadas, o recolhimento de documentos, a interrupção de aulas, debates ou manifestações de docentes e discentes universitários, a atividade disciplinar docente e discente e a coleta irregular de depoimentos desses cidadãos pela prática de manifestação livre de ideias e divulgação do pensamento nos ambientes universitários ou em equipamentos sob a administração das universidades (…)”.
Então eu não sabia, como também ainda não sabia no momento em que a Audiência na Câmara tinha lugar, que o móvel da iniciativa arbitrária do MEC decorrera, tal como noticia a Folha de São Paulo agora, de evento acadêmico-político, levado a efeito na Faculdade de Direito no qual se estabeleceu crítica jurídica severa à conduta do Juiz titular da 13ª Vara Federal que colonizara os processos instaurados contra o ex-Presidente Lula. Não teria deixado passar a extrema candura com que na sessão, o representante do MEC explicou o ir-e-vir da comunicação canhestra que a Pasta havia feito circular ilegal e inconstitucionalmente.
Na Audiência teria sido pertinente demonstrar que o evento da Faculdade de Direito da UnB se fizera em defesa da Constituição. Afrontada conforme as manifestações recentes do Supremo Tribunal Federal que aponta para a anulação dos processos, entre outros vícios, tributados ao juiz, de incompetência (em sentido processual) e de suspeição.
Teria sido uma oportunidade para retomar meus argumentos no texto que escrevi para o livro Relações Indecentes [recurso eletrônico] / organização Camila Milek, Ana Júlia Ribeiro; coordenação Mírian Gonçalves, Wilson Ramos Filho, Maria Inês Nassif, Hugo Melo Filho; 1ª edição – São Paulo: Tirant Lo Blanch /Instituto Defesa da Classe Trabalhadora, 2020, 190 p. Links para acesso gratuito disponível aqui. O livro digital Relações Indecentes, para o qual contribui com o artigo Entre Os Maus, Quando Se Juntam, Há Uma Conspiração. Não São Amigos, Mas Cúmplices, a tanto me instigou o quadro de degradação funcional até revelado pelas matérias do The Intercept, mas agora integrando as notas taquigráficas de julgamentos no STF.
Tudo isso, lembra o Professor Cristiano Paixão, em texto primoroso para o Portal da UnB, “Tempos de ameaças à democracia, tempos de ataques à Constituição”, para nos convocar postura em defesa da democracia e relembrar aos atores políticos do presente sobre a trajetória de todas e todos que lutaram contra o arbítrio, a violência e ao obscurantismo, confira aqui.
Valores que devem mais uma vez ser lembrados aos participantes da Reunião convocada pela Câmara dos Deputados.
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Autonomia universitária e liberdade de cátedra nas instituições federais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU