Segundo o geneticista, presidente da Liga Nacional do Câncer, talvez nunca acabemos com a Covid. Mas o humanista continua confiante em nossa capacidade coletiva de enfrentar a crise sanitária global.
A entrevista é de Olivia Elkaim, publicada por La Vie, 10-03-2021. A tradução é de André Langer.
Desde o início da pandemia, o geneticista Axel Kahn assumiu publicamente uma posição pela proteção dos mais vulneráveis, especialmente as pessoas com câncer, bem como pela universalidade da vacina anti-Covid, após apelar ao governo para impor o uso da máscara em locais públicos. Conversa com um humanista que defende o uso da razão mais do que nunca nestes tempos de crise e que acaba de publicar: Et le bien dans tout ça?, Stock (E o bem em tudo isso?).
E aqui estamos, um ano após o início da pandemia. O que aprendemos sobre nós mesmos?
O tempo da imprudência dificilmente pode durar, não pode ser definitivo. Do ponto de vista econômico, e agora sanitário, estamos saindo de um período que começou após a Segunda Guerra Mundial e foi marcado por um otimismo temerário.
O que ainda não compreendemos?
Nunca compreenderemos totalmente as turbulências da alma humana. Eu tenho 76 anos. Passei parte da minha vida tentando dar explicações para que meus semelhantes, cidadãos, crianças nas escolas, pudessem compreender melhor os fenômenos ao seu redor e os desenvolvimentos científicos. Valorizei a abordagem da razão, tentei persuadi-los de que não se podia contestar o uso da razão, da lógica, para argumentar em um debate. Mas durante esta pandemia, assistimos a uma explosão extraordinária das posições mais irracionais, de formas de agressão à razão. Pude dizer a mim mesmo que era a negação e o fracasso daquilo a que dediquei minha vida.
Você se arrepende?
Sim, essa é uma observação totalmente triste. O que nós perdemos, mulheres e homens da minha geração? Há um recuo significativo do uso da razão em comparação com quando eu tinha 30 anos.
Esta pandemia parece, de fato, desafiar a razão...
Não! Tudo é razoável. A melhor prova é que cometi poucos erros ao prever seu futuro. Fiz apenas um, e grande: em março de 2020, pensei que, como a gripe espanhola, esse vírus iria nos atacar e ir embora, que não ouviríamos falar nele novamente. Não estou mais convencido disso hoje. Talvez tenhamos que conviver com esse vírus. Não deixando isso acontecer, é claro. Uma marca registrada do “mundo pós-pandemia” pode ser que nunca conseguiremos erradicar a Covid.
Portanto, mergulhamos em um mundo em que teremos que conviver com as epidemias.
Mas esse sempre foi o caso! A última pandemia – a gripe de Hong Kong – foi há 50 anos. Nós a tínhamos esquecido... Porém, desde que há homens sobre a terra, sempre houve grandes pandemias que, às vezes, mataram 30% da humanidade. Nada de novo!
O que há, então, de novo desde o ano passado?
A realidade do mundo reapareceu de repente para nós em sua dureza e incerteza. No entanto, a despreocupação e o otimismo foram gradualmente desmoronando com as dificuldades da construção europeia, as crises econômicas, a crise dos subprimes em 2008. Estamos agora enfrentando este flagelo sanitário.
Este ano, você defendeu o fato de que não devemos confinar apenas os idosos. Mas não temos feito os jovens pagarem por esta epidemia, com dramáticas consequências psicossociais?
Nesta fase da evolução das nossas sociedades, moral, médica e tecnicamente, isso não é possível. Se deixar os idosos em um canto tivesse evitado a crise econômica, social, psicológica, eu diria: por que não? Mas os países que tentaram fazer isso falharam.
Há uma questão ética subjacente: devemos “proteger” os idosos dando prioridade à proteção da saúde, ou devemos “proteger” os jovens priorizando a economia, o emprego e a educação?
A pergunta é absurda! A Suécia é um bom exemplo: o país deixou os jovens viverem; os velhos morreram em massa. Seu PIB entrou em colapso. O número de mortos é até 10 vezes maior nos países vizinhos. É um desastre total. Os únicos países que protegeram idosos e jovens são aqueles que adotaram a estratégia “Covid zero”. A única que funcionou. Qualquer que seja o custo, a princípio essa estratégia visava erradicar o vírus, depois ser implacável contra todas as suas reinfiltrações: Nova Zelândia, Austrália, Tailândia, Coreia, Japão e China adotaram essa estratégia. Hoje, os jovens nesses países dançam nas boates, trabalham, vão à escola, à universidade e têm 100 vezes menos mortes.
Na França, o executivo adota uma estratégia entre duas águas.
O único esforço real que fizemos foi o primeiro confinamento de março a maio. Ao final, ocorreram 15 mortes por dia. Mas não conseguimos manter este resultado: não tínhamos testes suficientes; o “testar, rastrear, isolar” só funciona quando a circulação viral é muito baixa. Em novembro, estávamos confinados com o objetivo de atingir 5.000 pessoas infectadas por dia. Em dezembro, relaxamos com 10.000 contaminações diárias. O Presidente da República mudou de ideia. Atualmente, a opção política é manter uma alta circulação viral. O preço a pagar em termos de saúde é significativo.
Os franceses estão exasperados com as restrições.
Eu entendo perfeitamente. O mais exasperador é que não há perspectiva de sair do túnel. A alternativa atual? Bicicleta, trabalho remoto, cama. Ou seja, uma vida diminuída, com um preço social e econômico considerável.
O paradoxo do confinamento estrito é que ele preserva a vida biológica. Mas ainda é realmente vida quando não há mais relações sociais?
Não podemos viver com o vírus. Para que a vida social e cultural seja retomada, é preciso controlá-lo. Para que teatros, universidades e restaurantes reabram, é necessária uma baixa circulação viral.
Você defendeu as pessoas mais frágeis, especialmente aquelas com câncer. Mas uma política de confinamento rígida levou a enormes problemas de saúde pública, com cânceres não detectados e mortalidade excessiva...
É pior agora! A tensão nos hospitais persiste, o plano de urgência foi reativado, os surtos epidêmicos são deplorados em alguns estabelecimentos de saúde. Potenciais pacientes ainda não foram detectados. Substituímos um esforço concentrado de algumas semanas por um ano de privação e tensão. Alguns analistas econômicos demonstraram que a melhor solução financeira, sanitária, social e psicológica seria erradicar a doença, por meio de contenção rígida, e depois retomar uma vida sem esse vírus.
Você não mudou sua linha sobre a necessidade do confinamento generalizado.
Eu não faço política. Mas não acredito que as escolhas atuais sejam boas do ponto de vista da saúde. Nem para os 100 mil mortos que teremos de deplorar no final, nem pelos pacientes com câncer que cuido na Liga, nem pelo estado psicológico dos franceses. Somente o primeiro confinamento permitiu o colapso da circulação viral. Mas compreendo as escolhas dos políticos face à exasperação dos cidadãos que temem que não apoiarão novas restrições.
Como permanecer “razoável e humano”, nas palavras de seu pai, o filósofo Jean Kahn, diante da complexidade dessa crise?
Antes do seu suicídio, meu pai me disse para sempre usar minha razão. No contexto desta crise, isso não requer uma reflexão profunda. Aperfeiçoamento das técnicas de atendimento, novos protocolos médicos, decisões para pacientes em final de vida, ensaios clínicos, tudo isso exigiu o uso da razão e a consideração da realidade da vida humana.
Seu livro intitula-se E o bem em tudo isso? O que você quer dizer com “o bem” e como isso se reflete na gestão da epidemia?
O bem é materializado no respeito e na preocupação pelos outros. Tudo o que põe em perigo a segurança, a saúde, a autonomia e a liberdade das pessoas é mau. A indiferença se situa entre os dois, mais do lado do mal, na minha opinião. No contexto da pandemia, sempre que é promovido um método que limita os constrangimentos das pessoas ao mesmo tempo que preserva as suas vidas, que não considera que podemos sacrificar certas categorias de pessoas, estamos do lado do bem.
Neste período de incertezas, quando o sofrimento psicológico dos franceses é persistente, a que podemos nos agarrar?
No início da crise, falava-se com certa ingenuidade do “mundo pós-pandemia” que era para ser alegre, fraterno, onde se promoveria a saúde e se combateria o capitalismo selvagem. Eu sempre pensei que o “mundo pós” seria como o “mundo de antes” e pior. A felicidade será possível? Sim! A humanidade encontrará outras maneiras de desabrochar? Os casais podem se amar e ter filhos? Sim! A vida e a riqueza de projeção do espírito humano, nossa capacidade de abraçar o mundo com ternura e amor são razões para permanecermos otimistas. Enquanto houver uma pequena faísca, o fogo pode crepitar novamente.
Há alguns anos, você cruzou a França a pé, encontrando um país abandonado e os mais vulneráveis. Como você vê nossos concidadãos que oscilam entre o desgaste e a resiliência?
Há continuidade entre minha análise atual da situação e minhas observações como caminhante durante essas duas travessias da França. Descobri territórios abandonados, pessoas sem esperança que se separaram de todas as formas de racionalidade administrativa e política. Isso abrange os territórios de onde vieram os “coletes amarelos”, que então se viram entre a massa de pessoas que negava a palavra das autoridades públicas e sanitárias durante esta crise. Essas pessoas não acreditam mais na República, nem nos seus representantes, nem em Paris ou na Europa. Eles responsabilizam todos os detentores de poder.
Mas o conhecimento confere poder. Tudo o que vem das autoridades, acadêmicas ou estatais, é engano a ser rejeitado por essas pessoas em secessão que, em massa, seguiram Didier Raoult. Há uma continuidade marcante, nas redes sociais, entre os “coletes amarelos” e os adeptos deste último. As populações carentes, as mais revoltadas, estão atualmente no mesmo processo de secessão que observei durante as minhas marchas.
Com a pandemia, a reflexão ética foi minada pela urgência da situação, pois levantou questões importantes como a triagem de pacientes e o alívio de pessoas em final de vida em casas de idosos. Essa crise mudará nossa relação com a ética médica?
De modo algum. Como jovem estagiário, tive momentos de grande afluência de pacientes no hospital e já tinha que saber quais atenderia prioritariamente. A priorização é indissociável da medicina. Na terapia intensiva, durante toda uma parte da minha vida, fui confrontado com uma implacabilidade irracional, com pessoas que tenho que decidir se reanimo ou não.
Essas questões reapareceram durante esta crise...
Do ponto de vista dos pacientes, sim, mas não do corpo médico.
Você escreve que é agnóstico. No que exatamente acredita?
Não me coloco a hipótese de uma transcendência. Para mim, o espírito é imanente. A incrível capacidade dos espíritos humanos, sua comunhão, a habilidade de abraçar a beleza do mundo, de vibrar com ela, isso me faz estremecer e chorar. Eu experimentei isso em várias ocasiões. Em Conques, depois que o irmão Jean-Daniel nos mostrou o Juízo Final do tímpano da basílica, entramos nele. Ele tocou o órgão sob uma luminosidade composta. Era lua cheia, os últimos raios de sol apareciam atrás dos cumes do Rouergue, tudo isso passando pelos vitrais de vidro soprado de Soulage...
Estou encostado em uma coluna e tomado pela música. Este é um estado de emoção intensa, uma experiência do sublime. Mas eu sou agnóstico! Nesse momento, estou cercado por centenas de peregrinos crentes, mas não há a espessura de uma folha de papel de cigarro entre a minha emoção e a deles.
E na natureza, você já experimentou o sublime?
É claro! Certa vez, descendo o ponto mais alto do Cézallier, no Maciço Central, a 1.500 m de altitude, eis que me deparo com um grande prado deserto. De repente, estou diante de um campo de orquídeas selvagens que se estende até onde a vista alcança. Algumas estão fechadas como punhos juvenis e desajeitadas; outras têm as mãos estendidas, rosas, lilás, listradas. Com o vento dos picos, é Shiva que tenta me seduzir. Estou estupefato! Incapaz de dar mais um passo por medo de esmagar uma.
Uma ideia me atravessa – aplica-se a este momento difícil que estamos enfrentando: enquanto no mundo tal beleza existir e for entendida como tal, o infortúnio absoluto não pode existir na terra. Esta é especialmente a minha esperança. Após o primeiro confinamento, fui para a floresta. Certamente, os junquilhos, os narcisos tinham passado, mas era época de columbinas, orquídeas, lírios do vale, aspargos silvestres; era maravilhoso. Enquanto for possível, haverá um futuro desejável e óbvio. Eu acrescentarei: enquanto homens e mulheres puderem ver seus olhos brilharem de desejo, haverá um futuro nítido.
O que lhe resta de sua juventude católica?
O catolicismo é minha terra natal. Mas não me coloco a hipótese do bom Deus e não acredito na vida eterna. Quando eu morrer, minha imagem se desvanecerá. A ideia de que as margaridas vão crescer perto do meu túmulo, nutridas pelas moléculas do meu corpo podre, é o suficiente para me fazer feliz.
Você perdeu a fé aos 15 anos, mas não rejeita tudo...
O humanismo cristão merece ser preservado e refundado sem pressupor a transcendência. Esta é a jornada intelectual da minha vida.
Você está preocupado com o período atual?
Tenho certeza de que ficaremos bem porque a humanidade sempre encontra uma saída. Resistimos à peste negra e vamos resistir à Sars-Cov-2! Mas teremos que reconstruir. Vamos reconstruir, vai ser lindo e vamos nos amar!
Neste ensaio, Axel Kahn tenta definir o bem, confronta-o com as descobertas científicas que levam ao transumanismo e à esperança louca da imortalidade. Ele também questiona o lugar do bem no espaço público, no campo das decisões políticas, especialmente neste período de crise sanitária. “Estamos embriagados com uma sensação de invulnerabilidade”, lamenta. Este vírus nos coloca frente a frente com a nossa finitude. É para o nosso bem? Por fim, e estas são páginas mais íntimas, o geneticista questiona a forma como poderia e soube responder à injunção de seu pai, o filósofo Jean Kahn, antes que este se suicidasse em 1970: “Seja razoável e humano”. Um livro denso e rico em matéria para a reflexão sobre a pandemia.