08 Março 2021
Pracinhas da Força Expedicionária Brasileira (FEB) sequer tinham desembarcado no Rio de Janeiro, de regresso da Europa onde tiveram decisiva participação no campo de batalhas na Itália, quando o ministro da Guerra, general Eurico Gaspar Dutra, assinou portaria, dia 6 de julho de 1945, extinguindo a FEB, para frustração do comando e dos soldados vencedores.
A reportagem é de Edelberto Behs, jornalista.
Talvez a pressa do ministro da Guerra estivesse vinculada ao temor que o governo de Getúlio Vargas tinha dos retornados, depois que mantiveram contato com um exército organizado, como era o dos Estados Unidos. O repórter Joel Silveira (1919-2007), que cobriu combates e informou para os Diários Associados a tomada do Monte Castelo, no dia 21 de fevereiro de 1945, conta no livro “Segunda Guerra Mundial: todos erraram, inclusive a FEB” (Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1989), que na Itália todo mundo falava off the record. A luta da FEB, escreve, “era inspiração e mesmo emulação para a luta do underground antigetulista”.
Embora tenha deixado de existir depois da portaria ministerial, a FEB “passou a ser um estado de espírito”, que se materializou na Escola Superior de Guerra (ESG), criada ainda no governo do presidente Eurico Gaspar Dutra (1946-1951), afirma Silveira.
Já presidente da República, num de seus discursos o marechal Humberto de Alencar Castello Branco declarou que fora na FEB, “no diálogo com seus companheiros de guerra, que ouvira falar pela primeira vez na necessidade de reformas de base para o Brasil”. Castello Branco combateu na Itália, na qualidade de tenente-coronel, chefe da 3ª Seção (de Operações).
A ESG defendia cinco pontos básicos, segundo Silveira, que os coletou em reportagem, através dos quais ela pretendia justificar a sua ação. Os cinco pontos:
“Como substituto para a elite ‘fracassada’, a ESG oferecia uma elite militar estudiosa, aplicada, em dia com os problemas do país, impaciente por participar não só da solução desses problemas, mas da direção de toda a vida nacional”, arrola Silveira. Mas @ eleitor@ não entendeu assim as pretensões da ESG. Depois de Dutra foram eleitos Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros.
Escolhas que tiveram seu preço: “A impaciência da elite militar já não se continha, e daí as esporádicas explosões de rebeldia”, como as ocorridas em Jacareacanga e Aragarças. Com a queda de João Goulart, finalmente a FEB chegou ao poder, com o golpe cívico-militar de 31 de março de 1964, depois de 19 anos de frustrações e ressentimentos. Um poder total, na visão do repórter.
“E como ressentidos e frustrados é que seus elementos, ou pelo menos a maioria deles, conduziram-se nos diversos comandos que assumiram – ou seja, com rancor e espírito de vingança. Essa necessidade de desforra – verdadeira obsessão – manifestou-se principalmente contra elementos civis. Professores, intelectuais, políticos, estudantes, trabalhadores, em todos os recantos do país, podem ser apontados como as principais vítimas dessa revanche”, escreve o jornalista.
Alguma coincidência com fatos e acontecimentos da segunda década do século XXI no Brasil? Um capitão foi escolhido pelo voto para a presidência da República e recheou o governo de militares em seis mil postos na estrutura federal. Com certeza, o governo petista não agradou a ala militar do país.
Um dia antes de o Supremo Tribunal Federal (STF) negar habeas corpus ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e sem ser julgado em terceira instância, poupando-o de 580 dias de prisão, o general Eduardo Dias da Costa Villas Bôas, comandante do Exército de fevereiro de 2015 a janeiro de 2019, postou no Twitter uma admoestação à corte sobre riscos à estabilidade institucional caso ela livrasse o líder petista.
Em entrevista à Folha de S. Paulo, Villas Bôas disse que pretendia intervir caso o STF concedesse o habeas corpus a Lula. “Temos a preocupação com a estabilidade, porque o agravamento da situação depois cai no nosso colo. É melhor prevenir do que remediar”, afirmou.
Preocupava a cúpula do Exército o “revanchismo” da presidente Dilma, que instaurou a Comissão da Verdade. “Foi uma facada nas costas” da petista, frisou Villas Bôas. Ele também reclamou da Comissão, que não ouviu o lado dos militares acerca dos acontecimentos durante o regime cívico-militar de 1964. Ficou evidente o apoio de militares à candidatura Bolsonaro.
Ressentimentos? Depois do governo petista, Bolsonaro, apoiado pela Lava Jato e militares ameaçando o STF, veio para substituir um governo civil “fracassado”? A ESG voltou ao poder? Os militares em postos chave do governo constituem “uma elite militar estudiosa, aplicada, em dia com os problemas do país”?
Ao que tudo mostra, com a indicação de um ministro da Saúde militar que sequer conhecia o SUS, com militares silenciando diante da entrega de riquezas do país para os gringos, ou mesmo convidando ministros civis incompetentes para ocupar pastas no governo Bolsonaro, apareceram na vitrina negacionistas, terraplanistas, sem esquecer os esquisitos que passaram pelo Ministério da Educação, o super ministro Sérgio Moro e o apagado Posto Ipiranga.
Bolsonaro teve péssimos momentos no Exército, acusado de tentar ato terrorista ao pretender colocar bombas nas caixas d’água em quartéis cariocas em protesto pelos baixos soldos. Ele mostra-se ressentido e frustrado por não ter avançado na carreira militar, embora tenha chegado à presidência da República?
Talvez dê para entender o jeito bolsonarista de governar. Será por desforra que o presidente ridiculariza ciência e cientistas? Ou ignora as recomendações de organismos internacionais de combate ao coronavírus, como o uso de máscaras, o afastamento social, a vacinação em massa? Ou quando ataca a imprensa ao ser questionado sobre latas de leite condensado, os 89 mil depositados por Queiroz na conta da primeira dama, e o mimimi sobre a morte de 250 mil brasileiros e brasileiras por covid-19?
Como o ex-presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), sentou em cima de mais de 60 pedidos de impedimento do presidente da República, “epopeia” que vai inscrevê-lo nos livros de História, dificilmente Bolsonaro, depois da compra do Centrão, enfrentará o incômodo que a presidenta Dilma Rousseff passou por causa de “pedaladas”! Os dois anos restantes vão deixar mais claro se Bolsonaro governa movido por ressentimentos, revanchismo ou frustrações.
O ressentimento, arrolou o médico, historiador, escritor e filósofo espanhol Gregorio Marañón (1887-1960), não é necessariamente mau, quando ele purifica o homem de moral superior. Mas ele pode envenenar por completo a alma e pode manifestar-se por um ato criminoso, especifico com relação à origem do ressentimento.
“Eis porque são tão temíveis os homens ressentidos, quando o acaso os coloca no poder, como tantas vezes acontece nas revoluções. É esta também a razão de acudirem à confusão revolucionária tantos ressentimentos que passam a desempenhar nela papel preponderante”.
Continua Marañón: “E como ressentidos e frustrados é que seus elementos, ou pelo menos a maioria deles, conduziram-se nos diversos comandos que assumiram – ou seja, com rancor e espírito de vingança”. Imprensa, universidades, pesquisadores, artistas são alvos de impropérios do presidente da República.
Revanchismo? É este o quadro no horizonte de brasileiros e brasileiras? O que esperar de um presidente que, quando o Brasil atinge a marca das 260 mil mortes por covid, declara: “Chega de frescura, de mimimi. Vão ficar chorando até quando?” A pergunta, por acaso, é dirigida aos familiares das vítimas?
Tão preocupados com a estabilidade de antanho, militares de hoje simplesmente ignoram, ou esqueceram, o patriotismo do general Villas Bôas: “É melhor prevenir do que remediar”, porque “o agravamento da situação depois cai no nosso colo”.
Já caiu, general!
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A ESG voltou ao poder? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU