25 Janeiro 2021
"Neste relato deixo claro que não adianta chegar imensa quantidade de oxigênio em Manaus e no interior do Estado, se as nossas famílias não têm acesso às balas, às garrafas, aos cilindros. O percurso para o oxigênio chegar ao paciente que dele necessita imediatamente para permanecer vivo é longo e exige uma série de outros procedimentos para que se complete", escreve Pe. Paulo Tadeu Barausse, Sj, coordenador do Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação e Socioambiental – SARES.
O Amazonas segue sendo um dos estados mais atingidos pela pandemia. E diante da política genocida do presidente Jair Bolsonaro, do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, e do governador do Estado, Wilson Lima, precisamos reagir ao descaso. Propor, denunciar, reivindicar, colocar nossas vozes em todos os espaços e fazer ecoar os gritos de desespero, de sofrimento e de revolta. São muitos meses de muitas perdas, de angústia e de dor. Também dor da fome, do abandono à miséria.
A mídia noticiou que Manaus, na madrugada da quinta-feira (14.01.2021), vivenciou um dos maiores dramas no sistema de saúde do mundo, com momentos de horror, em razão da falta de oxigênio para socorrer pacientes acometidos pela COVID-19, tendo muitos - um número que precisa ser contabilizado - ido a óbito por asfixia.
Manaus vem sendo nos últimos cinco dias destaque nacional e internacional, devido a segunda onda da pandemia da COVID-19. O sistema de saúde, já impactado na primeira fase da doença, entrou em colapso total, com destaque para o Hospital Universitário Getúlio Vargas (HUGV) e o SPA “José de Luís Lins de Albuquerque”, que apareceram no noticiário como locais onde ocorreram várias mortes por asfixia.
Na quinta-feira (14) administrador de empresas Iyad Hajoj perdeu o pai e a mãe no mesmo dia por falta de oxigênio em Manaus. Os dois estavam internados no Hospital Getúlio Vargas com Covid-19, o pai na UTI e a mãe na enfermaria, mas ambos não resistiram à falta de oxigênio. “Foi o dia mais aterrorizante que eu não desejo para absolutamente ninguém. Fui infectado pela Covid porque tive que cuidar dos dois e tive que reconhecer o corpo dos dois. Perder e enterrar os pais, no mesmo dia, não tem quem suporte”.
No dia (15 de janeiro) em ação na Justiça Federal os procuradores destacaram que, em reunião com outros órgãos, que a Força Aérea Brasileira (FAB) seria a instância responsável pelo transporte dos cilindros de oxigênio líquido, em razão das peculiaridades no transporte desse tipo de insumo, que é inflamável e volátil. Contudo, foram obtidas informações de que a aeronave da FAB, destinada a tal fim sofreu problemas e necessitava de reparos, o que ocasionou a paralisação nas ações que manteriam o fluxo de fornecimento emergencial de oxigênio.
Diante de tal cenário e da responsabilidade constitucional, cabe à União a atribuição legal de coordenar as atividades relacionadas às políticas públicas de saúde, possuir adequado aparato logístico para tornar possível a imediata regularização da oferta de oxigênio em tempo hábil para socorrer os pacientes em Manaus e outros municípios do Amazonas. Bem como providenciar o reparo da aeronave e ou substituição da mesma a fim de não reduzir os impactos da grave situação na capital amazonense.
As medidas determinadas pela juíza federal titular Jaiza Maria Pinto Fraxe são respostas fundamentais ao quadro de completo abandono a que a população de Manaus e, principalmente, doentes de Covid-19 e familiares destes foram submetidos. São elas:
1. Imediatamente, apresentar plano para abastecimento da rede de saúde do estado do Amazonas com oxigênio, a fim de ordenar o serviço durante a pandemia;
2. Imediatamente, identificar, em outros estados, cilindros de oxigênio gasoso em condições de serem transportados pela via aérea; sucessivamente, que se determine sua requisição, transporte e instalação, para suprir a demanda no estado do Amazonas, inclusive do interior e do Hospital Nilton Lins;
3. Imediatamente, requisitar oxigênio líquido disponível em outros estados e na indústria em funcionamento no país e promover seu transporte ao Amazonas;
4. Imediatamente, identificar e reativar as usinas localizadas no Amazonas para produção de oxigênio utilizável nas unidades de saúde, se necessário mediante requisição;
Após negociações entre a gestão do HUGV, a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) – vinculada ao Ministério da Educação (MEC) – e a empresa White Martins – fornecedora de gases medicinais –, foi instalada, no HUGV, no dia 20 de janeiro, uma usina geradora de oxigênio. O insumo, em falta crítica nas unidades de saúde de toda a cidade, em decorrência do elevado consumo nessa segunda onda, é essencial no atendimento aos pacientes com covid-19 e de outras doenças que exigem o reforço para manter estável a respiração. Duas das sete usinas independentes produtoras de oxigênio, doadas pelo Ministério da Saúde ao Amazonas, começaram a ser instaladas no dia 21 de janeiro no Hospital e Pronto Socorro “João Lúcio” e no Hospital Francisca Mendes.
Mesmo com as determinações da juíza Jaiza Fraxe, a realidade é que pouca coisa mudou.
A tempestade continua muito forte e as vítimas dela são espalhadas nas redes sociais, nos enterros em série. Nós, da Preferência Apostólica da Amazônia, (no dia 17 de janeiro) perdemos uma colaboradora (Cristiane, 41 anos, mãe de dois adolescentes), também (no dia 21 de janeiro) faleceu dona Maria Oneide, mãe da nossa colaboradora do Sares Maricélia. Ontem (23 de janeiro) foi sendo velado um amigo (seu Joaquim) de longos anos. Era pai de duas meninas e de um menino, de 10 anos. Na semana passada faleceu a sua irmã. Agora à tarde (24 de janeiro) chegou o comunicado da morte do enfermeiro John Leno de Carvalho – ele atuava na Pastoral da juventude.
No dia de hoje (24 de janeiro) um profissional da saúde denunciou que quando faltou oxigênio nas unidades de saúde, alguns profissionais aplicaram um medicamento chamado morfina, que é um poderoso analgésico, para que o paciente não sentisse dor e tivesse uma morte tranquila, já que não conseguiria mais respirar sozinho. Um crime. De acordo com o Sindicato dos Médicos do Amazonas (Simeam), a suspeita da prática de eutanásia precisa ser apurada e levada ao conselho de ética. O Ministério Público do Amazonas investiga os responsáveis pelas mortes por falta de oxigênio. (Fonte: D24am. Leia mais aqui)
A imprensa oficial noticia a chegada de oxigênio para abastecer a cidade e municípios do interior. Muitas imagens mostram os caminhões chegando de outros estados e até da Venezuela. Sim, isto é real. O que não estão mostrando e informando é que não existem (balas, cilindros seja de 5 litro ou 40 litros). Estou acompanhando duas famílias há mais de cinco dias que desesperadamente procuram esses cilindros. Na sexta-feira, fiz um contato com um pequeno empresário do ramo. Ele disse que teria três balas de 5 litros, e deixou claro que o preço, por unidade, seria de R$ 2 mil. Valores dessa ordem também irão decidir quem tem acesso ao oxigênio e quem irá morrer por falta dele.
Na quinta-feira, dia 14 de janeiro, em meio a falta de oxigênio a pacientes em UTIs de hospitais de Manaus, a mídia noticiava que um caminhão, com 33 cilindros dos quais 26 possuíam o gás, foi apreendido por agentes da Secretaria de Segurança Pública do Amazonas. Infelizmente esta é a triste realidade. O preço de um cilindro de 40 litros pode chegar a R$ 5 mil.
Existe outro agravante: muitas famílias estão fazendo encomendas em outras cidades e se deparam com um prazo de até cinco dias para chegar a Manaus. Quando a família consegue o cilindro ainda deve levar até à empresa para que possa fazer a carga de oxigênio. E se depara com uma fila que pode levar a um tempo de até dois dias para o pedido ser atendido. Em seguida, tem que comprar o kit de equipamentos para que sejam colocados na boca do paciente. É preciso pagar os serviços de um profissional da saúde para a realização desse serviço que exige conhecer bem a técnica. Alguns profissionais, por ação de Deus, sentem-se tocados e fazem o trabalho voluntariamente.
Neste relato deixo claro que não adianta chegar imensa quantidade de oxigênio em Manaus e no interior do Estado, se as nossas famílias não têm acesso às balas, às garrafas, aos cilindros. O percurso para o oxigênio chegar ao paciente que dele necessita imediatamente para permanecer vivo é longo e exige uma série de outros procedimentos para que se complete.
Muitas pessoas estão morrendo em casa e essas mortes não estão sendo informadas pela mídia. Me sinto abalado com tudo que presencio nesta cidade que aprendi a amar. Muitos profissionais da saúde estão traumatizados. Desabafam: “Padre não estou suportando mais assinar tanto atestados de óbitos”. Precisamos de ações que mudem o cenário já!
Concluindo, estamos orientando quem perdeu parentes para a falta de oxigênio, lute pelo atestado de óbito correto! (Morte por asfixia por falta de insumo hospitalar). Não deixem seus entes entrarem na estatística do covid -19, a responsabilidade civil do estado nesse caso é clara! Cobrem seus direitos e não deixem esses assassinos saírem completamente impunes.
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: § 6º as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadores de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
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Momento de lamento e dor que continua assolando a cidade de Manaus - Instituto Humanitas Unisinos - IHU