07 Janeiro 2021
O que o novo ano trará para a vida da Igreja nos Estados Unidos? Como aprendemos no ano passado, nunca sabemos quais eventos imprevistos iluminarão ou obscurecerão todo o restante.
O comentário é de Michael Sean Winters, publicado por National Catholic Reporter, 05-01-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Podemos discernir três temas principais que moldarão em grande parte o ano que temos pela frente: a relação entre os bispos dos Estados Unidos e o governo Biden, o Ano da Família, as nomeações de novos bispos em algumas sedes significativas e o modo como a Igreja continuará lidando com a Covid-19.
E, pouco antes do fim do ano passado, um novo grande tema emergiu, provavelmente o mais explosivo: uma mudança significativa na EWTN.
Ainda estamos tentando descobrir o que está acontecendo na EWTN, o conglomerado midiático católico conservador. Eles cancelaram os programas de rádio “Morning Glory”, de Gloria Purvis, e “Open Line”, do Pe. Larry Richards. Purvis era a afro-americana mais proeminente na EWTN, e Richards era um defensor solitário do Papa Francisco na rede muitas vezes hostil ao atual papado.
Organizações de mídia passam por abalos o tempo todo, mas derrubar duas vozes marcadas pela sanidade, incluindo uma das poucas vozes minoritárias na rede, enquanto se mantém Raymond Arroyo, que se extasia com o presidente Donald Trump e lidera um seminário semanal sobre teorias da conspiração anti-Papa Francisco, é estranho, na melhor das hipóteses. Na pior delas, é altamente sectário.
A rede anunciou alguns programas novos, e eu vou ficar de olho em um em particular. “EWTN News In-Depth” será apresentado por Montserrat “Montse” Alvarado, diretora executiva do Fundo Becket para a Liberdade Religiosa. Eu participei de um congresso com Alvarado sobre a superação da polarização, promovido pela Iniciativa sobre o Pensamento Social Católico e a Vida Pública da Georgetown University, e ela certamente é capaz de preparar um interessante programa de televisão. Preocupo-me, no entanto, que o tempo dela no Becket não a tenha inoculado com a fusão entre religião e política, que é o problema central da EWTN. Foi revelador que a notícia sobre o novo programa publicado pela Catholic News Agency (CNA), de propriedade da EWTN, afirma que ele “oferecerá a perspectiva e a análise católicas sobre as principais notícias da semana”. Isso é um erro, mas revelador. A EWTN oferece “uma” perspectiva católica, não “a” perspectiva católica.
Igualmente interessante foi a saída surpresa de J. D. Flynn, editor, e de Ed Condon, chefe do escritório de Washington, da CNA. Flynn disse que estava saindo por motivos pessoais e familiares, mas tais partidas raramente são abruptas e geralmente são acompanhadas por um anúncio de transição, o que não ocorreu. Nesta semana, Flynn e Condon anunciaram que estão lançando uma nova plataforma, “The Pillar”.
Flynn derrama muita tinta explicando como eles planejam ser diferentes dos outros jornalistas, requentando uma conversa com um arcebispo de “alguns anos atrás” no hotel em Baltimore onde a Conferência Episcopal se reúne. Flynn perguntou sobre a conveniência de realizar os encontros em um local tão luxuoso, e o arcebispo ignorou a pergunta. Flynn escreve:
“Há um tipo de jornalismo que usaria essa história para retratar uma caricatura unidimensional dos bispos católicos, ou usaria o clericalismo entre os bispos para diminuir a veracidade das suas afirmações religiosas. Há comentaristas que descartariam de cara, sem nenhuma pesquisa ou análise, a possibilidade de que um hotel caro pudesse realmente ser a escolha econômica para os encontros dos bispos, gerando raiva, e não respostas, em um esforço para obter cliques e atenção.
“Também há jornalistas que nunca questionariam as despesas. E há aqueles que podem levantar a questão, mas não têm nem ideia de como obter a resposta.
“Queremos que The Pillar seja um tipo diferente de jornalismo.”
Desculpe-me por apontar que, antes que ele fale sobre as maneiras erradas como os outros jornalistas podem tratar o fato-chave aqui – “Um hotel à beira-mar em Baltimore pode muito bem ser a melhor escolha para os bispos, e pode até ser o mais econômico” –, ele admite que nunca investigou esse fato-chave: “Eu não sabia e ainda não sei”. Não é um exemplo estranho de bom jornalismo?
O fato de Flynn ter escolhido tal história confirma algo que, com o passar do tempo, transformará esse The Pillar no tipo de coisa pela qual o Senhor foi açoitado: ele e Condon não são realmente jornalistas, são advogados canônicos, e às vezes parecem não reconhecer a linha divisória entre jornalismo e propaganda, não importa o quão brilhante essa linha seja, como Paul Moses demonstrou brilhantemente na Commonweal.
Mudanças em uma organização de mídia, mesmo em uma grande e influente, podem parecer uma coisa estranha para se focar ao examinar o ano que vem pela frente na Igreja Católica, mas a EWTN não é qualquer organização de mídia. De acordo com a sua última declaração de imposto disponível ao público, fazem parte do seu conselho o arcebispo José Gomez, arcebispo de Los Angeles e presidente da Conferência dos Bispos dos Estados Unidos, e o arcebispo Charles Chaput, ex-arcebispo da Filadélfia. Por que Gomez e Chaput não quiseram ou não puderam conter o teor anti-Francisco de alguns dos programas da rede é uma questão importante e interessante.
O que nos leva ao segundo item que moldará o ano que vem pela frente: ninguém deveria se surpreender com o fato de que os bispos dos Estados Unidos, como um corpo, são tão amigáveis com o Partido Republicano que perderam a sua bússola moral. Sua fixação em uma única questão – o aborto – os levou para o campo dos republicanos, que é incapaz até de levantar a voz contra os ataques à nossa democracia que vêm do presidente Trump. Como David Gibson, diretor do Centro de Religião e Cultura da Fordham University, tuitou:
“Quando até Paul Ryan pode ser estimulado a falar, é ainda mais interessante que os bispos dos Estados Unidos (coletivamente) não tenham dado um pio sobre a ameaça à República, o que não é realmente uma boa imagem para uma Igreja que nem sempre esteve intimamente associada com a democracia liberal.”
Não é uma “boa imagem”? A sua imagem é o que menos importa. Ao longo do século XX, os bispos dos Estados Unidos lideraram a redução da histórica antipatia da Igreja Católica pela democracia, finalmente superando-a no Concílio Vaticano II e em 60 anos de magistério papal.
Não querendo defender a democracia em praça pública e não querendo defender o papa no maior meio de comunicação católico, a Conferência dos Bispos dos Estados Unidos está, no entanto, determinada a colocar o presidente eleito Joe Biden de joelhos. O anúncio no fim da plenária virtual deste ano de que a conferência estava estabelecendo um comitê ad hoc para lidar com o próximo governo foi surdo e também ridículo. Apesar do desejo de alguns bispos de que a conferência exija que se negue a Comunhão a Biden, essa decisão cabe ao novo pastor do novo presidente, o cardeal Wilton Gregory, e ele já indicou que não tem planos de transformar a grade do altar em um campo de batalha partidário.
A eleição de um novo secretário-geral na Conferência dos Bispos dos Estados Unidos, Dom Jeffrey Burrill, é um bom presságio. Burrill é conservador, mas não louco. Mas não é a equipe que dirige a conferência, e sim os bispos, e eu temo que a maioria deles estará em busca de oportunidades para entrar em conflito com o governo Biden.
Há uma série de questões sobre as quais a postura do novo governo é muito mais próxima da Igreja Católica do que o que está saindo, mas isso não importa. Além dos bispos guerreiros culturais, muitos outros simplesmente não querem arriscar receber os telefonemas e os e-mails decorrentes do fato de enfrentar a ala de direita da Igreja.
Eu conheço um bispo que, quando ele faz qualquer coisa que sabe que vai provocar uma tempestade de fogo entre os conservadores da sua diocese, ele leva flores e chocolates para as secretárias que atendem ao telefone na cúria. É uma boa ideia. Os católicos conservadores, em sua cumplicidade com Trump e com a sua hostilidade, jogaram fora qualquer direito de veto às ações de um bispo.
O Santo Padre disse que, a partir do dia 19 de março, festa de São José, a Igreja universal embarcará em um ano de reflexão sobre a Amoris laetitia, a exortação apostólica de 2016 que ele promulgou após os dois Sínodos sobre a Família. Naqueles sínodos e quando o documento foi publicado, grande parte do foco foi posto em uma nota de rodapé controversa que abriu a porta para que os católicos divorciados e recasados recebessem os sacramentos.
O padre jesuíta James Keenan organizou três congressos para bispos e teólogos discutirem o texto em 2018, após um encontro de três dias de muito sucesso para refletir sobre o documento, que Keenan organizou com o cardeal Blase Cupich, de Chicago, em 2017.
Eu tive a sorte de participar daquele primeiro encontro, e foi tão revigorante abordar as muitas questões que o documento levanta, para além da Comunhão a divorciados e recasados. Será interessante ver se a Conferência Episcopal aproveitará essa oportunidade de reflexão que o Santo Padre oferece agora, ou se, como fizeram há cinco anos, deixarão a reflexão para outros, porque seria muito divisivo para a conferência.
Eu temo que o assunto ainda esteja quente demais para se lidar. Como observei na semana passada, muitos bispos acham que não há nada a discernir, que não há nenhuma necessidade de discussões sinodais, que eles têm todas as respostas de que precisam no Catecismo.
É triste, mas também é mais do que triste. O papa fez um convite explícito aos seus colegas bispos. Se eles forem incapazes ou não quiserem aceitar o seu convite de modo significativo, o que isso significará? É claro que certos grupos conservadores marginais, como o Church Militant e o LifeSiteNews, são cismáticos de fato, mas quantos bispos se qualificam como protocismáticos?
Isso nos leva ao perene tema de quais dioceses-chave receberão novos bispos no próximo ano. O bispo Michael Sheridan, de Colorado Springs, completou 75 anos em março passado, então a sua substituição pode vir a qualquer momento. A diocese não é grande, atendendo apenas cerca de 176.000 católicos, mas é uma nomeação crítica e importante, porque Sheridan tem sido um líder entre os bispos mais extremos contra o aborto, e a vizinha Denver é o marco zero para a oposição ao papa. Ter um bispo amigo de Francisco pela frente ajudaria a criar um equilíbrio na província.
O único bispo metropolitano que completa 75 anos este ano é o arcebispo Joseph Kurtz, de Louisville. Com 200.000 católicos, a arquidiocese não é grande, mas a província inclui todo o Kentucky e o Tennessee.
Dois dos bispos que estão mais em sintonia com o Papa Francisco, o bispo John Stowe, de Lexington, Kentucky, e o bispo David Talley de Memphis, estão entre os sufragâneos, embora seja improvável que Talley seja elevado à sé metropolitana, já que ele herdou uma bagunça em Memphis em 2019.
O bispo de uma das cidades que mais crescem nos Estados Unidos, Phoenix, Dom Thomas Olmsted, só completará 75 anos em janeiro de 2022, mas o núncio deve começar a procurar agora. Cerca de 1,2 milhão de católicos vivem na diocese e são liderados por um dos piores bispos guerreiros culturais do país. Olmsted convocou uma novena de 54 dias pela nação no ano passado, e entre as coisas pelas quais ele pediu que o povo católico de Phoenix rezasse estava “a rejeição de todas as formas de coletivismo”. Eu espero que ele não esteja recebendo o Medicare [sistema público de saúde para idosos] ou o seguro social. Em todo caso, tenho certeza de que o metropolitano da região, o arcebispo de Santa Fe, John Wester, encontrará um pastor adequado para recomendar ao núncio.
É difícil adivinhar como a Igreja lidará com a Covid-19. Há tantas coisas que não sabemos. Em quanto tempo a maioria de nós estará vacinada? Qual foi o tamanho do dreno financeiro que a pandemia gerou nos cofres paroquiais e diocesanos? A persistência desse vírus mudou os contornos culturais da nossa sociedade, a ponto de mais pessoas estarem receptivas à religião? Ou as pessoas que deixaram de ir à igreja nunca mais voltarão? Essas são questões vitais, mas eu não tenho a menor ideia de como elas irão se resolver.
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Como será o ano de 2021 na vida da Igreja nos EUA - Instituto Humanitas Unisinos - IHU