17 Dezembro 2020
A pandemia empurrou todos aqueles que estavam no limiar de pobreza para a pobreza, mas também está criando “novos pobres” entre os jovens, as mulheres e os autônomos.
A reportagem é de Jean Saint-Marc, publicada por Alternatives Économiques, 15-12-2020. A tradução é de André Langer.
A fila chega a ter cerca de cem metros, na frente do Crous [Centre régional des œuvres universitaires et scolaires. No ensino superior na França, o Centro Regional de Universidades e Escolas, fundado em 1955, é um órgão público dependente do Ministério da Educação que gerencia e organiza a rede de serviços sociais destinados aos estudantes: bolsas de estudo, residências universitárias, recepção de estudantes estrangeiros, atividades culturais e restaurantes para estudantes]. “Acabamos de contar as sacolas e teremos o suficiente”, exclama aliviado um dos dirigentes do sindicato estudantil Uni. Em Aix-en-Provence, vários grupos de estudantes se revezam desde março para distribuir alimentos aos estudantes necessitados. “Sem essa ajuda eu não conseguiria terminar o mês”, testemunha Mohamed.
Amel, que se encontra em situação similar, hesitou muito antes de pedir ajuda: “Tive muita vergonha!” Seus pais perderam o emprego “por causa da crise sanitária”, diz ela. Ela está procurando um “emprego de estudante” há vários meses, em vão. As propostas são raras. Amira, uma estudante de línguas, deveria ser garçonete em um café em Aix. Seu contrato foi cancelado com o segundo confinamento: “Este trabalho iria render-me entre 200 e 300 euros por mês. Tenho apenas uma bolsa de 350 euros, para um aluguel de 260 euros”.
Ela não está sozinha neste caso. Um estudo do Observatório Nacional da Vida Estudantil (OVE), realizado após o primeiro confinamento, indica que 33% dos estudantes pesquisados enfrentaram dificuldades financeiras nesse período. Entre eles, 23% não tinham o que comer, 19% tinham que restringir as suas compras aos itens de primeira necessidade.
A Cité Internationale Universitaire de Paris, pela primeira vez em sua história, teve que recorrer à generosidade pública. Mais de 10% dos 6.000 alunos e pesquisadores do campus estão em situação precária.
“Como boa parte dos cursos era organizada on-line, perdi 39 horas de tutoria, conta Zoé Dubus, doutoranda em história contemporânea. Eu não sou contemplado pelo desemprego parcial”. A historiadora encontra-se “em situação crítica”: “Eu não tenho mais mutualidade, meus pais pagam o seguro do meu carro”.
“A proteção social francesa segue uma lógica familialista, analisa o economista Jean-Luc Outin, membro do Conselho Nacional de Luta contra a Exclusão. Supõe-se que os jovens sejam protegidos pelo vínculo com sua família, por isso o nível de bolsas continua baixo e não há RSA [Renda de Solidariedade Ativa] para menores de 25 anos”.
No relatório sobre a pobreza na França do Observatório das Desigualdades, Anne Brunner e Louis Maurin lembram que os jovens já eram muito afetados pela pobreza antes da crise sanitária. Em 2017, mais da metade dos 5 milhões de pessoas que recebiam menos de 50% da renda média tinham menos de 30 anos. A taxa de pobreza para jovens entre 18 e 29 anos passou de 8% para quase 13% entre 2002 e 2018.
Os pesquisadores do Observatório anunciam que “os jovens sofrerão grande parte das consequências econômicas” da crise sanitária: “A cada ano, o mercado de trabalho deve absorver cerca de 700 mil novos ingressos (...) Encontrar um primeiro emprego neste outono [é] muito complicado”.
Para o economista Mathieu Lefebvre, professor nas universidades de Estrasburgo, “os jovens diplomados são vítimas de um efeito tesoura. As empresas estão contratando menos por causa da crise e já há muitos jovens desempregados no mercado de trabalho”.
De acordo com as previsões da Unédic [Union nationale interprofessionnelle pour l'emploi d'industrie et le commerce – União Nacional Interprofissional para o Emprego na Indústria e no Comércio], a crise econômica ligada ao coronavírus provocou a destruição de 900 mil empregos em 2020, ou quase 3% do emprego total.
Essa contração do emprego não atinge apenas os jovens. “Vemos as vítimas clássicas de todas as crises econômicas, estima Manuel Domergue, diretor de estudos da Fundação Abbé Pierre. As pessoas que estavam no limiar de pobreza estão caindo na pobreza. São os alunos, os estagiários, mas também os desempregados, os intermitentes do espetáculo, os trabalhadores temporários e os autônomos”.
Os setores da cultura, dos eventos e da alimentação encontram-se particularmente em dificuldade. Os trabalhadores intermitentes, muitos desses setores, foram duramente atingidos pelos efeitos da crise.
“É um desastre, disse Aude, gerente de hotel em Paris. Não trabalho desde que a Covid foi declarada. Esgotei meus direitos ao desemprego no final de maio e não tenho direito à RSA. Sem meu parceiro, eu não teria onde morar”. Um outro trabalhador do setor da alimentação, que trabalhava para uma trattoria, testemunha a brutalidade da queda: “De um dia para o outro, passei de 2.500 euros mensais a nada. Estou muito endividado, não consigo mais pagar minhas contas, é uma miséria só!”
Os donos de restaurantes também estão sofrendo, mas relutam em testemunhar. “Não estamos habituados a reclamar”, suspira um deles, que admite estar “em grande dificuldade”. Alguns “pequenos proprietários” acabam pedindo ajuda e se apresentam para instituições de caridade. “Esses são, talvez, os novos pobres, esboça Manuel Domergue. Autônomos, comerciantes que tiveram que sair do mercado e que recebem muito pouca remuneração!”
“A pobreza entre os comerciantes existe há vários anos, com os centros urbanos se esvaziando em favor das áreas comerciais, lembra o economista Mathieu Lefebvre. A concorrência do comércio on-line, que cresceu fortemente durante o primeiro confinamento, ampliou esse fenômeno”.
Os autônomos “relataram duas vezes mais queda em sua renda do que os empregados durante o período de confinamento, destaca o Drees, o serviço de estatística do Ministério da Saúde, em um relatório publicado em julho. Segundo o INSEE, 53% dos artesãos e dos comerciantes sentiram a deterioração da sua situação financeira em maio em comparação com o início do confinamento.
Se alguém fosse fazer o retrato falado de um “novo pobre”, seria um estudante, um trabalhador precário ou um autônomo. Mas definitivamente uma mulher. Depois de terem estado na “linha da frente”, por estarem sobrerrepresentadas nas profissões da saúde, depois de terem sofrido todo o peso da sobrecarga do trabalho doméstico provocada pelo confinamento, as francesas encontram-se agora mais em dificuldades face à supressão de empregos.
Em uma nota informativa publicada na primavera, Anne Lambert e seus colegas do Instituto Nacional de Estudos Demográficos (INED) afirmam que “as mulheres são mais afetadas que os homens pelas consequências econômicas e materiais da pandemia: situações de superlotação [em moradias], renda em declínio e paralisação do trabalho são as mais comuns”.
As mulheres já eram mais afetadas pela pobreza antes da crise sanitária. Em 2017, 8,1% das mulheres ganhavam menos de 50% da renda média, ante 7,8% dos homens.
Em 2019, 9,1 milhões de franceses viviam com menos de 60% da renda média, uma outra definição da linha de pobreza. Quantos serão no final de 2020?
Dirigentes de associações de caridade, citados pelo Le Monde, estimam que um milhão de pessoas caíram na pobreza em consequência da crise sanitária. Nenhum funcionário confirmou este número à Alternatives Économiques. Alguns especificam que esta é apenas uma aproximação, com base nas 900 mil perdas de empregos esperadas em 2020. “Um cálculo aproximado”, de acordo com um dirigente da associação. O Ministério da Solidariedade afirma ainda que este número não se baseia em nenhuma realidade estatística.
“Vários sinais nos permitem dizer que estaremos nessa maré baixa”, considera, ao contrário, Florent Gueguen, diretor-geral da Federação dos Atores da Solidariedade (FAS), que reúne 850 associações de luta contra a exclusão. Ele vê três sinais alarmantes: o aumento do número de beneficiários da renda de solidariedade ativa (RSA), a explosão da demanda por ajuda alimentar e o aumento da inadimplência no aluguel.
Ao final de junho, as Caisses d’Allocation Familiales (CAF) estimaram em 1,99 milhão o número de domicílios beneficiados pela RSA, ou seja, 6,2% a mais do que em junho de 2019. O governo espera um aumento de 8,7% do número de beneficiários para o conjunto de 2020. Os beneficiários deste parco subsídio de 497 euros são numerosos para apelar às associações para abastecerem as suas geladeiras.
O Banco Alimentar contabilizou entre 20% e 25% mais beneficiários do que o normal desde o início da crise sanitária. Em alguns departamentos, como Bouches-du-Rhône, esse número aumentou ainda mais acentuadamente, com 50% a mais de beneficiários. A associação acusa uma queda nos estoques de 23% e teme uma crise social “que promete ser forte e duradoura”.
Os locadores começam a constatar as primeiras inadimplências. Segundo a Agência Nacional de Informação Habitacional (Anil), o número de locatários que pedem ajuda por terem dificuldades para pagar o aluguel aumentou 15% em setembro. Os locadores sociais estimam em 100 milhões de euros o valor total de aluguéis não pagos devido à crise sanitária.
O governo, que se recusa a aumentar a RSA, tomou várias medidas para conter este empobrecimento da população: uma ajuda excepcional de 150 euros foi liberada em junho para os beneficiários de mínimos sociais e subsídios de habitação, com um suplemento de 100 euros por filho. Este auxílio é renovado neste outono e também será pago a estudantes bolsistas e a 560 mil jovens menores de 25 anos que não são estudantes.
O governo também anunciou a criação de um auxílio aos trabalhadores intermitentes e sazonais: o Estado vai garantir-lhes um rendimento mínimo de 900 euros mensais até fevereiro de 2021, desde que tenham trabalhado pelo menos 60% do tempo no ano passado. 400 mil trabalhadores precários devem ser beneficiados.
Por último, o programa “1 jovem, 1 solução” visa facilitar a inserção profissional dos menores de 25 anos. O Estado vai conceder, de modo especial, auxílios a empresas que recrutarem aprendizes. E aquelas que contratarem um jovem entre agosto de 2020 e janeiro de 2021 vão se beneficiar de uma redução de 4.000 euros nas contribuições sociais.
“Essas medidas vão na direção certa, mas os prazos de aplicação são relativamente curtos, critica Mathieu Lefebvre. Em fevereiro de 2021, não estaremos fora de perigo!”
A socióloga Marie Loison-Leruste, conferencista de Paris-13, acredita que “muitas pessoas vão ficar excluídas, porque o governo, em sua lógica liberal, só vê quem tem trabalho assalariado. Ele ignora outras formas de trabalho, como o trabalho doméstico e/ou voluntário”. Para ela, é preciso “simplificar os benefícios e estabelecer uma renda mínima”.
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França. Os “novos pobres” da Covid - Instituto Humanitas Unisinos - IHU