14 Dezembro 2020
Frei Lorenzo Raniero, nascido em Vicenza em 1967, religioso da Ordem dos Frades Menores (1992) e sacerdote (1994), depois de se formar em Teologia no Studio Teológico "San Bernardino" de Verona (1992), continuou os estudos de especialização em teologia no "Instituto Superior de Ciencias Morales" de Madrid (1994-1995) e defendeu seu doutorado em teologia moral na Academia Alfonsiana de Roma (2000). Começou imediatamente a lecionar no Studio Teológico Interprovincial "San Bernardino" de Verona e, em 2003, também no Instituto de Estudos Ecumênicos de Veneza. Ele também atuou como professor convidado em alguns estudos teológicos no Vêneto e na Lombardia (Verona, Pádua, Mântua). Desde 2013 é diretor editorial da Rivista di Studi Ecumenici, desde junho de 2020, é reitor do Instituto de Estudos Ecumênicos de Veneza. Entre suas publicações, o livro Preceduti dalla Parola. Percorsi di ermeneutica ecumênica, Antonianum, Roma 2016, em coautoria com P. Sgroi; Le parole del matrimonio, Messaggero, Pádua 2019. Além do ensino acadêmico, ele se dedica à pastoral familiar e juvenil em âmbito paroquiano e diocesano.
A entrevista é de Paolo Ricca, publicada por Riforma, 11-12-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
O Instituto de Estudos Ecumênicos (Ise), do qual o senhor é reitor, está instalado em Veneza, no convento franciscano de S. Francesco della Vigna. Você considera que a Ordem Franciscana esteja mais inclinada do que outras a trabalhar pela causa ecumênica?
A Ordem dos Frades Menores é ecumênica em sua essência porque simplesmente coloca o Evangelho no centro: centrar-se no único Senhor Jesus Cristo é o que constitui a identidade cristã, mesmo antes do pertencimento eclesial. Nós, franciscanos, escolhemos o Evangelho como prioridade e o seguimos na espiritualidade de São Francisco.
O Ise foi fundado com a intenção de tratar de forma particular as relações com o protestantismo. Ainda é assim?
Para dizer a verdade, esta não foi a intenção original, mas a consciência de que a única fé cristã se expressa em teologias diversas. No entanto, a situação concreta italiana daqueles anos, que viram nascer o Instituto de Teologia Oriental de Bari, levou a Conferência Episcopal a pedir ao Ise que tratasse das relações com o protestantismo, para ter dois centros ecumênicos na Itália, caracterizados de forma diferente. O pedido foi acolhido com entusiasmo pelo nosso Instituto, que imediatamente começou a colaborar com figuras proeminentes do mundo protestante.
Como se manifesta esse interesse particular pelo protestantismo?
Hoje, o Ise mantém sua relação com o protestantismo por meio de relações de colaboração acadêmica com professores protestantes de vários centros teológicos (a Universidade de Marburg e o Instituto de Estudos Ecumênicos em Estrasburgo) com os quais organiza seminários teológicos sobre questões sensíveis a ambas as confissões. Isso favoreceu as relações, dando origem a relacionamentos de respeito e amizade fraterna.
Um filósofo anticlerical francês comentou a eleição de Bergoglio com as seguintes palavras: "O Papa Bergoglio é tão jesuíta que se deu o nome de Francisco". Na sua opinião, o quanto franciscano é o Papa jesuíta Francisco?
O atual Pontífice se apresentou desde o início ao mundo no imediatismo de uma humanidade simples e cordial que impressionou a todos. Eu poderia dizer "como um irmão". Não menos importante, o Papa Francisco sempre mostrou uma grande predileção pelos pobres que estão no centro do Evangelho e uma paixão pela evangelização, todos aspectos constitutivos do carisma franciscano. Por isso o Papa Bergoglio é um "franciscano" não só no nome.
Conte-nos, em resumo, a história de sua fé. Você "nasceu cristão" ou se tornou?
Minha fé nasceu dentro de um tecido de relações familiares simples e foi comunicada a mim pelo exemplo e pela vida de meus pais, especialmente de meu avô paterno. Mas isso foi o começo; mais tarde, tomei consciência desse grande dom e o assumi para a minha vida. Para mim, o encontro com a Palavra de Deus aos 19 anos, durante um retiro, foi decisivo: descobri o contato vivo com Cristo na sua palavra e senti a beleza do dom da graça. Desde então, nunca mais parei de orar com a Palavra.
Por que para você não foi suficiente ser cristão, e decidiu se tornar um frade? É algo mais ou diferente de ser cristão?
Senti a necessidade de dar uma forma mais radical ao meu batismo. Fascinado pela simplicidade dos franciscanos, pela humildade e pela imediatez de suas relações, vi nesta forma de vida algo que me pertencia. E descobri que “franciscano” significa “Evangelho” sem concessões.
Francisco de Assis foi um cristão revolucionário: aboliu a figura quase milenar do abade, para dar vida a uma comunidade cristã radicalmente fraterna, na qual todos são "irmãos" e nenhum "pai". Você concorda com esta minha avaliação?
A revolução de Francisco de Assis foi simplesmente aquela do Evangelho, seu modelo de vida cristã era o dos discípulos no seguimento do Mestre, e se diferenciava consideravelmente do modelo inspirado na igreja primitiva dos Atos dos Apóstolos, buscado pelas ordens monásticas. Nessa sua escolha, foi central a palavra de Cristo que Francisco fez sua na Regra: “todos vós sois irmãos e a ninguém na terra chameis vosso pai, porque um só é o vosso Pai, o qual está nos céus” (cf. Mt 23, 8-9).
Por que tantos franciscanos hoje também são "padres", isto é, sacerdotes, e não mais apenas "frades", como queria Francisco? O franciscanismo teria se clericalizado?
A clericalização da Ordem franciscana remonta a meados do século XIII, quando os Frades menores já haviam se espalhado pela Europa e a Cúria Romana via neles um instrumento para compensar a falta de clero. A partir do Vaticano II, porém, os franciscanos começaram a recuperar o espírito originário da fraternitas também no que diz respeito aos encargos de direção da Ordem. Se a tradicional distinção entre "padre" e "frade" é agora superada pelas novas gerações, ainda precisa ser resolvida a questão canônica do famoso art. 3 §2 das Constituições Gerais da Ordem para permitir aos franciscanos assumir cargos de liderança mesmo que não sejam padres.
O Poverello de Assis hoje é realmente tão pobre quanto Francisco queria? Ou seu modelo de pobreza é impraticável?
Para Francisco de Assis, a pobreza é viver "sine proprio", isto é, sem apego do coração às coisas, aos papéis, aos bens. Acredito que a pobreza hoje deve ser vivida desta forma mais radical. O resto vem por si.
Julgando o estado do ecumenismo à luz de sua experiência no Ise, como está o ecumenismo na Itália hoje?
A dificuldade que vejo é a formação de nossas pessoas no ecumenismo, para que possa entrar nas relações cotidianas. Se o ecumenismo do papel e da palavra fez grandes progressos, ainda há muito a ser trabalhado no ecumenismo da vida.
Por falar em ecumenismo, o que você acha da "hospitalidade eucarística"?
Posso expressar-me a favor da hospitalidade eucarística como momento de participação aos meios da graça. Pode ajudar a acelerar a superação das divisões entre as Igrejas, respeitando as legítimas diversidades.
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O espírito da fraternidade franciscana. Entrevista com Lorenzo Raniero - Instituto Humanitas Unisinos - IHU