07 Dezembro 2020
Quase 30 páginas para lembrar aos bispos que o “compromisso ecumênico” não é opcional, mas um dever do seu ministério. A Santa Sé publica “O bispo e a unidade dos cristãos”, um vade-mécum para ensinar aos pastores, mas também ao povo de Deus, em um mundo dividido como o de hoje, como construir e reconstruir o diálogo com os irmãos “separados”.
A reportagem é de Salvatore Cernuzio, publicada por Vatican Insider, 04-12-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
São fixados pontos claros e são oferecidos esclarecimentos sobre as questões dos casamentos mistos, das orações comuns, da intercomunhão, um tema sentido e debatido em países de maioria protestante, mas nunca efetivamente resolvido. Neste caso, o documento não modifica a prática, mas reitera a disciplina católica.
Nos 42 pontos do vade-mécum, não são introduzidas novidades, mas se reforça o magistério da Igreja, inspirando-se particularmente na Unitatis redintegratio, do Concílio Vaticano II, e na Ut unum sint, de João Paulo II.
O documento foi publicado pelo Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos e apresentado na Sala de Imprensa do Vaticano pelo presidente, cardeal Kurt Koch, junto com outros três cardeais à frente de importantes dicastérios: Marc Ouellet (Congregação dos Bispos); Luis Antonio Tagle (Propaganda Fide); Leonardo Sandri (Igrejas Orientais).
O vade-mécum se apresenta como um apoio aos bispos “para ajudá-los a compreender e a implementar melhor a sua responsabilidade ecumênica”. O bispo, afirma um dos primeiros pontos, “não pode considerar a promoção da causa ecumênica simplesmente como uma das tantas tarefas do seu ministério diversificado, uma tarefa que poderia ou deveria ser adiada perante outras prioridades aparentemente mais importantes. O compromisso ecumênico do bispo não é uma dimensão opcional do seu ministério, mas sim um dever e uma obrigação”.
Tomando o “Diretório para a aplicação dos princípios e normas sobre o ecumenismo”, de 1993, como “texto de referência”, os pastores recebem diretrizes “claras e úteis” – chamadas de “recomendações” – para realizarem concretamente “o trabalho da unidade”. Entre elas, nomear um delegado diocesano para as questões ecumênicas; instituir uma comissão ecumênica diocesana para supervisionar a formação; assegurar-se de que em todos os seminários e as faculdades teológicas católicas haja um curso obrigatório de ecumenismo.
Recomenda-se também um diálogo 2.0, explorando as potencialidades dos sites diocesanos que são “o meio pelo qual o mundo percebe o rosto da Igreja”. Em detalhes, é solicitada a divulgação de documentação e material ecumênico através do site das dioceses e a partilha de informações para aprofundar o conhecimento mútuo e evitar dissabores inúteis.
Na segunda parte do vade-mécum, exorta-se a rezar regularmente pela unidade da Igreja; organizar um serviço litúrgico de oração ecumênica para a Semana pela Unidade dos Cristãos; organizar com os responsáveis das outras Igrejas dias de estudos bíblicos, peregrinações e procissões, eventuais trocas de relíquias e imagens sacras; publicar uma mensagem comum por ocasião do Natal ou da Páscoa com um ou mais responsáveis das outras Igrejas.
E ainda: dar o primeiro passo para encontrar os responsáveis de outras Igrejas ou participar, se for o caso, de liturgias de ordenação, posse, acolhida dos responsáveis de outras Igrejas na diocese.
No documento vaticano, não falta uma referência ao tema dos casamentos mistos, que, afirma-se, “não deve, ser considerados um problema”. “O bispo diocesano é chamado a autorizar os casamentos mistos e pode, em alguns casos, permitir uma dispensa do rito católico para a cerimônia nupcial”, afirma o vade-mécum. “No entanto, os pastores não podem ficar indiferentes ao sofrimento que a divisão dos cristãos provoca nessas famílias, de modo indubitavelmente mais agudo do que em qualquer outro contexto. A pastoral das famílias cristãs interconfessionais – continua o documento – deve ser levada em consideração tanto em nível diocesano quanto regional, começando pela preparação inicial do casal ao matrimônio até o acompanhamento pastoral quando nascem os filhos e quando se trata de prepará-los para os sacramentos.”
Solicita-se ainda um “esforço particular” para envolver essas famílias em atividades ecumênicas paroquiais e diocesanas: “Os recentes movimentos migratórios amplificaram essa realidade eclesial. De uma região a outra, existe uma grande diversidade de práticas em matéria de casamentos mistos, de batismo dos filhos nascidos desses casais e da sua formação espiritual. Por isso, devem ser encorajados acordos de nível local sobre essas questões pastorais candentes”.
Por último, o ponto 36 é de particular interesse, no qual se examina o problema do acesso aos sacramentos por parte dos cônjuges não católicos nos casamentos mistos. Daí a questão decisiva da intercomunhão, levantada em 2018 por alguns bispos alemães (que também foram a Roma para discuti-la) e que recentemente voltou a ter relevância durante o “Caminho Sinodal” iniciado pela Igreja na Alemanha.
Partindo do pressuposto de que “a questão da administração e da recepção dos sacramentos, em particular da eucaristia, nas celebrações litúrgicas de ambos continua sendo motivo de forte tensão”, o vade-mécum remete ao Diretório de 1993 para reiterar dois princípios.
O primeiro é de que “a comunhão eucarística está inseparavelmente ligada à plena comunhão eclesial e à sua expressão visível”. Portanto, a participação na eucaristia, na reconciliação e na unção dos enfermos deve ser “reservada a quem está em plena comunhão”.
O segundo princípio afirma, porém, que, “em certas circunstâncias, de modo excepcional e sob determinadas condições, a admissão a esses sacramentos pode ser autorizada e até recomendada a cristãos de outras Igrejas e Comunidades eclesiais”. Nesse sentido, cita-se também o Código de Direito Canônico, que “descreve as situações em que os católicos podem receber os sacramentos de outros ministros cristãos”: perigo de morte ou grave necessidade.
Mesmo nesses casos, porém, é necessário um discernimento por parte do bispo, porque “a partilha dos sacramentos nunca pode ocorrer por simples cortesia. A prudência é obrigatória para evitar que se cause confusão ou escândalo aos fiéis”.
A esse respeito, na coletiva de imprensa, o cardeal Koch foi interrogado por uma jornalista que recordou a resposta do papa durante a sua visita à Igreja Luterana de Roma em 2015, a uma senhora protestante casada com um italiano católico que pedia a possibilidade da hospitalidade eucarística. Francisco começou dizendo: “Compartilhar a Ceia do Senhor é o fim de um caminho ou é o viático para caminhar juntos? Deixo a pergunta aos teólogos”, para depois concluir: “Jamais ousarei dar permissão para se fazer isso, porque não é da minha competência. Um batismo, um Senhor, uma fé. Falem com o Senhor e sigam em frente. Não ouso dizer mais”.
Segundo Koch, o discurso do papa “era um discurso muito complexo”, por isso “não podemos citar apenas a última frase”.
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Ecumenismo: Vaticano publica manual com regras para casamentos mistos e intercomunhão - Instituto Humanitas Unisinos - IHU