27 Novembro 2020
Enquanto o governo acentua o combate à violência doméstica, o paleoantropólogo Pascal Picq estuda em seu último livro Et l’évolution créa la femme (E a evolução criou a mulher, em tradução livre, Odile Jacob) a relação dos sexos entre os macacos e entre os nossos ancestrais pré-históricos.
A entrevista é de Pascale Tournier, publicada por La Vie, 25-11-2020. A tradução é de André Langer.
O homem, como ser humano, é mais violento com as mulheres do que as outras espécies? A coerção das mulheres é uma fatalidade evolutiva ou uma construção cultural? Para responder a essas perguntas, você procurou comparar os humanos com seus primos mais próximos, os macacos e os chimpanzés, mas também mergulhou na pré-história. Uma abordagem inédita...
Sim, ela é de fato evolucionária no verdadeiro sentido da palavra. Em vez de questionar o presente, começo por baixo e pelas origens. Esse é um olhar que faltou às ciências humanas. Claro, o trabalho dos antropólogos Claude Lévi-Strauss, Maurice Godelier e Françoise Héritier é uma exceção. Durante muito tempo, também o estudo sobre a evolução das espécies centrou-se na evolução dos homens e ocultou a evolução das mulheres. Porque até a década de 1970, as ciências humanas eram marcadas por um contexto social e cultural das nossas sociedades patriarcais, como o modelo do homem-caçador, que projeta na pré-história o modelo dos Trinta Gloriosos, resultante daquele do século XIX, com o homem no trabalho e a mulher em casa. Ignoramos as sociedades matrilineares e matrilocais, até mesmo matriarcais, que existem na Ásia, na América e na África.
Que conclusões você tira de seu estudo sobre as sociedades de macacos e de grandes primatas?
Existem vários modelos. Não há fatalidade ligada a uma linhagem, nenhuma restrição genética, nenhuma lei de ferro baseada nas condições ambientais. Não há nenhuma correlação entre o grau de dimorfismo sexual – diferença de tamanho e de forma entre fêmeas e machos – e a intensidade da coerção masculina. O tamanho frequentemente maior dos machos está ligado à competição intrassexual entre eles e não às relações de dominação em relação às fêmeas. Nenhuma linhagem se caracteriza pela presença ou ausência sistemática de comportamentos coercitivos. Os catarrinos – babuínos, macacos, colobinae, colobus, cercopitecos, chimpanzés, etc. – parecem ser mais coercitivos em geral, embora com muitas variações. Por exemplo, os macacos do gênero rhesus, os mais conhecidos, são supermachos, os macacos tonkean ou os macaco-de-Gibraltar são mais pacíficos e tolerantes. Entre os rhesus, se um macho começa a ser violento com uma fêmea, ninguém se importa, ao passo que entre os tonkeans o grupo reage e exerce um papel regulador.
Como as fêmeas conseguem se defender? Existem métodos específicos dependendo da espécie?
Elas podem formar coalizão, selecionar machos tolerantes, multiplicar os parceiros sexuais. Os machos se mostram então mais conciliadores e participativos. Elas também podem fazer amizade com os machos protetores e poderosos. Esses comportamentos são favorecidos pela matrilocalidade e a matrilinearidade, uma organização dominante na grande maioria das espécies. As fêmeas ficam juntas por toda a vida (endogâmicas e matrilocais), ao passo que os machos (exogâmicos) deixam a comunidade para ir se reproduzir.
E quanto às espécies mais próximas dos humanos?
Nossa família dos hominídeos, a linhagem dos grandes macacos africanos, agrupa os humanos, os chimpanzés e os bonobos. Essas três espécies são patrilocais. Isso significa que os machos ficam juntos. Uma organização que facilita a coerção masculina. Se os machos são associados desde tenra idade, é mais fácil para eles reter o poder, mas isso não é um absoluto. Entre os hominídeos, notamos duas atitudes antagônicas do ponto de vista das relações entre os sexos. Tanto os humanos quanto os chimpanzés são hipercoercitivos; os bonobos, não. Os humanos – atuais – estão entre as sociedades de primatas mais violentas, junto com os babuínos-sagrados e os chimpanzés. Observe que as únicas espécies que fazem guerra sem motivação, exceto a de matar, são os chimpanzés e os humanos.
A partir de que período da história observa-se sociedades mais restritivas em relação às mulheres?
Com certeza a partir do Mesolítico e do Neolítico. Isso é mais difícil de estabelecer para os períodos mais antigos. Mas aqui também você deve considerar muito mais diversidade do que se pode imaginar. Mas desde o final dos tempos pré-históricos, por volta de 15.000 a.C., ocorreram massacres coletivos e a distribuição de tarefas entre mulheres e homens. O deslocamento de mulheres e seus raptos... tornam-se mais importantes. Eu insisto: parecem existir mais sociedades coercitivas, mas não todas! Acreditar que as sociedades com economias de caça e coleta são todas gentis, como argumenta um atual herdeiro de Rousseau, é um pouco ingênuo. Entre os fatores agravantes estão: o aumento da riqueza, o afastamento das mulheres de sua família, o serviço ou o preço da noiva, a dívida que um homem deve pagar para esposar uma mulher, o estabelecimento de espaços privados, o sedentarismo, o controle das relações externas do grupo e a guerra, que são realizados pelos homens.
Como abordar a personagem Lucy, o Australopithecus descoberto em 1974 na Etiópia?
Lucy desempenhou um papel simbólico real. É a primeira vez que falamos da evolução da linhagem humana no feminino. Mas a visão defendida de sua vida de casada era idílica. A sociedade na época era complicada para as fêmeas, em algum lugar entre os gorilas (tolerantes) e os babuínos-sagrados (coercitivos) e, aí novamente – certamente muito diversa.
Em seu livro Et l’évolution créa la femme, você ressalta o grande arco patriarcal...
Sim, ele surge no Oriente Médio e se estenderá com as migrações até o sul da Europa, por volta de 6.000 a.C. Parece que quanto mais cedo as sociedades são agrícolas, mais marcada é a coerção masculina, especialmente no sul da Europa. Observe que são as sociedades agrícolas que vão estabelecer o sistema de dote para as meninas. Em contraste, as sociedades que migram da Eurásia central, por volta de 4.000 a.C., com uma economia pastoril são mais igualitárias. Essas diferenças culturais são encontradas nos respectivos legados do direito romano e do direito germânico. Elas ainda persistem nas diferenças de igualdades de gênero entre as sociedades do sul e do norte da Europa. Em suma, a violência dos homens contra as mulheres resulta de evoluções sociais e culturais. Não é nem uma questão de genes nem de restrições ecológicas ou econômicas. É um fato da civilização.
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“Junto com os chimpanzés, os homens estão entre as sociedades mais violentas em relação às mulheres”. Entrevista com Pascal Picq - Instituto Humanitas Unisinos - IHU