24 Novembro 2020
Assassinatos ocorreram em agosto e policiais responsáveis seguem trabalhando normalmente, apesar de pedido de afastamento.
A reportagem é de Nanda Barreto, publicada por Conselho Indigenista Missionário - CIMI, 20-11-2020.
A chacina de indígenas do povo Chiquitano mortos pela polícia brasileira em agosto deste ano segue impune. Os familiares de Paulo Pedraza Chore, Ezequiel Pedraza Tosube, Yonas Pedraza Tosube e Arcindo Sumbre García, que vivem em San José de la Frontera, na Bolívia, exigem a apuração do caso. “Eu espero que se faça justiça. Agora eu fiquei só, com nossos dois filhos e meu marido era o único que me ajudava”, diz, consternada, Fabíola Tosube, viúva de Yonas.
Dor da perda redobrada pela injustiça: povo chiquitano não aceita versão da polícia de que
indígenas assassinados tinham ligação com o tráfico. (Foto: CEDPH-MT e FDHT-MT)
Os quatro indígenas estavam caçando em território brasileiro quando foram surpreendidos por agentes do Grupo Especial de Fronteira (Gefron) – núcleo da polícia do Mato Grosso (MT). A análise dos corpos das vítimas mostrou sinais de tortura, como braços e pernas quebradas e um deles teve a orelha cortada. Os policiais alegam que o grupo era suspeito de tráfico e que a atuação foi em legítima defesa. No entanto, nenhuma droga foi encontrada. Os indígenas portavam apenas carne de animais silvestres e instrumentos de caça.
Desde o primeiro momento, organizações sociais se uniram aos Chiquitano na batalha por justiça. “O caso só não foi escondido desde o início devido ao clamor dos familiares que motivou a atuação de diversas entidades”, pontua o advogado Daniel Bretas Fernandes, presidente da comissão de direitos humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Cáceres (MT). “Pra começar, embora os fatos tenham ocorrido no dia 11 de agosto, o inquérito só foi instaurado em setembro, quase um mês depois. Além disso, a necropsia demorou bastante pra sair e, ainda assim, quando saiu, deixou a desejar”.
Daniel salienta que, embora tivesse sido solicitada pela delegada responsável, não foi feita perícia no local. “Foi aí que comecei a atuar no caso, requerendo informações das autoridades”. De lá para cá, foram realizadas inúmeras audiências e requerimentos às instituições públicas responsáveis, além de visitas à comunidade onde os indígenas assassinados viviam. De acordo com o advogado, os policiais envolvidos seguem trabalhando normalmente. “O Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) solicitou o afastamento deles, mas o pedido foi indeferido pelo secretário Estadual de Segurança Pública”, detalha.
De acordo com Daniel, de julho a outubro de 2020, ocorreram 17 mortes em operações do Gefron, a maioria delas envolvendo chiquitanos. “Isso é mais que o dobro de mortes de 2019 e de 2018 inteiros”, contabiliza o advogado. Diante destes números, a Comissão dos Direitos Humanos, com vários aliados que voluntariamente estão atuando no caso, passou a se chamar Rede de Proteção para os Chiquitanos, num entendimento de que o trabalho precisa ser permanente, pois a chacina de agosto não é um caso isolado.
O presidente do CNDH, Renan Vinicius Sotto Mayor de Oliveira, destaca que no decorrer dessa mobilização em defesa do povo Chiquitano, a Polícia Federal deflagrou a Operação Cérberus, que investiga uma organização criminosa voltada ao tráfico de drogas e extorsão. No início de novembro, a PF prendeu pelo menos três policiais militares de MT. “Este é um caso complexo e perigoso. Agora nós queremos saber se há conexão entre esta operação e os crimes contra os Chiquitano, pois a situação está nebulosa”.
Renan, que também é Defensor Regional de direitos humanos no MT, esteve recentemente com os familiares das vítimas, que o autorizaram a atuar como assistente de acusação no processo. “É fundamental que este caso não caia no esquecimento, pois o tempo da Justiça pode ser lento. Neste momento, estamos aguardando decisões do Ministério Público Federal (MPF), da Justiça Estadual e da PF no que diz respeito às suas responsabilidades com a apuração”.
A fronteira seca entre os dois países não é marcada por nenhuma delimitação na região. Além disso, o líder indígena Soilo Urupe Chue ressalta que os chiquitanos devem ter seus direitos garantidos nos dois países. “Esteja na Bolívia ou no Brasil, o povo Chiquitano é um só, independente da nacionalidade (do território em que estejam). Nós não criamos as fronteiras – esta coisa de país pra cá e país pra lá. Pra nós, isso não existe. O que existe é a territorialidade onde a gente vive com nossos costumes, nossas crenças e nossa língua”.
Assista ao vídeo com depoimentos da comunidade e familiares das vítimas:
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Caso de indígenas Chiquitano chacinados pela polícia brasileira segue impune - Instituto Humanitas Unisinos - IHU