20 Novembro 2020
No dia de ontem [17-11], o Congresso nomeou Francisco Sagasti como presidente interino da República do Peru. O terceiro presidente, em sete dias. O quarto, em quatro anos. O que se espera em uma situação estável? Um, em cinco anos, sem possibilidade de reeleição. Em meio a tudo isto, distúrbios na rua junto à repressão e uma severa crise econômica agravada pela pandemia e as longas quarentenas.
A reportagem é de Pedro Maulhardt, publicada por Elentreríos, 18-11-2020. A tradução é do Cepat.
O que realmente ocorre no Peru? E por quê? A veloz troca de presidentes faz recordar imediatamente o ocorrido aqui, na Argentina, entre dezembro de 2001 e janeiro de 2002, quando houve cinco presidentes, em onze dias. Como em toda crise política, é preciso compreender o sistema de partidos, saber quais são os antecedentes e analisar os múltiplos interesses daqueles que desejam assumir o controle da situação.
Desarticulação das organizações terroristas de corte marxista-leninista ou maoísta, como Sendero Luminoso ou o Movimento Revolucionário Tupac Amaru, medidas afins ao Consenso de Washington, corrupção extrema com Montesinos à frente, gestão autoritária (chegou a desmantelar o Congresso), manobras para se perpetuar no poder e outras polêmicas, como a esterilização de mulheres indígenas. Isso foi o governo de Fujimori, que durou aproximadamente 10 anos, de 1990 a 2000. Seria, além disso, o ponto de partida para um novo sistema de partidos frágil, que acompanhava o crescimento econômico do país.
O legado, a nível político, é o que se reflete hoje com tudo o que se está vivendo no Peru. Os partidos tradicionais, caso se prefira chamá-los assim, como podem ser o APRA ou Ação Popular (AP), mudam de nome e de aliados, não predominam e são apenas alguns dos que transitam no espectro político. No momento de observar as eleições, as coalizões em mudança, a criação, desaparecimento e renovação de partidos políticos e candidatos, é possível deduzir que não existe algo como um sistema de partidos políticos no Peru. Mais interessante ainda, pode-se dizer que nem sequer existem partidos políticos presidenciáveis (com exceções), mas, sim, plataformas que são organizadas para enfrentar uma eleição.
A política peruana, ao não ter estrutura, nem pontos de referência dentro do sistema que permitam saber no que se vota ou como governaria realmente cada um, tem tudo para ser um caos. Não só existem vaivéns extraordinários e alianças pouco estáveis para as eleições presidenciais. O Congresso, unicameral por certo, também está fragmentado. Não há reeleição, há muitos independentes e outsiders. A forma como são eleitos é de índole excessivamente personalista e a agenda de cada um prima acima do interesse geral. Além disso, superabundam as identidades negativas, ou seja, “o que não somos”, que buscam se mostrar, sobretudo, como o oposto ao fujimorismo e investem contra qualquer figura política importante. Este último fator foi explicado por Patricio Navia, em seu artigo publicado em Americas Quarterly.
Um Congresso fragmentado e atomizado, como bem descrevia Navia, e presidentes sem uma estrutura partidária ou uma coalizão estável que os respalde. Bem ou mal, isto é o Peru em nível político nacional. De 2001 a 2016, não havia tido problemas em grande escala. Alejandro Toledo, Alan García e Ollanta Humala completaram seus mandatos e, de modo milagroso, parecia que a política funcionava ao lado de uma típica economia capitalista de terceiro mundo.
Humala seria sucedido por Pedro Pablo Kuczynski (PPK), e a partir daí viriam os problemas. Todos os presidentes peruanos, de Fujimori à atualidade, enfrentam ou enfrentaram acusações de corrupção. Alguns se viram forçados a renunciar antes que fossem destituídos por estes motivos, como foi o caso de PPK, em 2018, ou Fujimori, em 2000. Outros, como Toledo, que está refugiado nos Estados Unidos pelo caso Odebrecht, ou Alan García, que enquanto era investigado cometeu suicídio, se viram mais comprometidos depois que deixaram a presidência.
PPK, que tinha participado de governos anteriores e que havia se apresentado com diferentes alianças do tipo que descrevemos, venceu em 2016, mas com pouco tempo começou a entrar na mira da Justiça e do Congresso. Após uma série de eventos polêmicos, como o indulto a Fujimori e negociações pouco legítimas para evitar o processo de vacância presidencial (algo similar a uma moção de censura em um sistema parlamentarista), renuncia em 2018. Quem assume? Martín Vizcarra, seu vice-presidente.
Vizcarra teria uma sorte parecida com a de PPK. Em 2019, tentou renovar o Congresso, após dissolvê-lo (uma faculdade que o Presidente tem ao seu alcance), mas de nada adiantou, já que a natureza dos protopartidos e dos candidatos eleitos em tal renovação não mudou. Enfrentou, então, duas tentativas de processo de vacância presidencial por causas de corrupção, que, como dissemos, é muito parecido a uma moção de censura e não tanto a um julgamento político, porque o procedimento é muito mais fácil para o Congresso. O segundo, finalizado no dia 9 de novembro, teve êxito.
A mensagem, ao final das contas, é a seguinte: nem as irregularidades dos que ocupam o Poder Executivo, nem a falta de liderança destes, nem o voraz Poder Legislativo, cooptado pela velha guarda política e por interesses plenamente pessoais, colaboram para que haja estabilidade.
Nesse sentido, o ocorrido durante esta última semana é mais do que interessante. O Congresso, que parece ter encontrado algo de graça na destituição dos presidentes, esteve na mira de todos os analistas e das pessoas que saíram para protestar. Sobretudo dos que apoiam Vizcarra. Este foi sucedido por Manuel Merino, que era presidente do Congresso e membro do Ação Popular, um dos partidos que promoveu o impeachment. Nem ele e nem seu gabinete funcionaram. As pessoas não aceitaram, por A ou por B, a jogada política do Congresso contra Vizcarra. O Congresso, os membros do Conselho Executivo do Congresso e do gabinete de Merino cederam e perceberam que não era possível sustentar a nova fórmula.
Cinco dias depois, com um saldo de centenas de feridos e dois mortos, Merino renuncia. Um dia mais tarde, assume Fernando Sagasti, congressista do Partido Morado. Por que o Partido Morado? Os especialistas e aqueles analistas que acompanham o caso peruano concordam na explicação. O Partido Morado tem apenas 9 das 130 cadeiras no Congresso. É apenas o sétimo partido com mais representantes e conta com só três anos de existência. Mesmo assim, era evidente que teria um representante em um governo de transição. É um partido que tem o sinal verde dos mercados financeiros, o partido que mais se opôs à vacância presidencial de Vizcarra, é de centro, tecnocrático e não é populista, diferente de outros. Em síntese, e sabendo que é necessário chegar de maneira ordenada às eleições do ano que vem, o Partido Morado era a opção centrista que convencia, em maior ou menor medida, a todos.
Durante o processo, tentou-se uma fórmula que incluía o Partido Morado, mas que seria encabeçada por Rocío Silva-Santisteban, do Frente Ampla. Não houve êxito porque não se conseguiu o apoio suficiente (50%+1), razão pela qual se buscou uma nova opção comandada por Sagasti. Porta-voz parlamentar do Partido Morado, experiência profissional e política, histórico limpo de causas de corrupção e sem tanto capital político para enfrentar o Congresso ou se colocar como candidato favorito, Sagasti acabou sendo o eleito pelos parlamentares.
O que caberá ao Peru? Curar o vazio de poder e a instabilidade, duas tarefas delicadas. Enquanto o Tribunal Constitucional define se a destituição de Vizcarra, que tem intenções de voltar, é legal ou não, o país e os políticos devem enfrentar essas tarefas. A crise política não cessará, a não ser que o sistema de partidos e alianças mude de natureza, torne-se mais previsível e consiga fazer com que aqueles que ocupam cadeiras ou a presidência sejam responsáveis, em vez de ser lobistas desenfreados.
Por outro lado, e mais ainda após a brutal repressão frente às manifestações, será necessária uma transição pacífica frente às próximas eleições, sabendo que as pessoas estão desencantadas com seus representantes e suas jogadas. Por último, espera-se que com Sagasti, a audácia dos atores e uma pitada de sorte, o Peru, que é um dos países que mais sofreu este 2020 com a Covid-19, possa se recuperar aos poucos.
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Peru. Conflitos de interesses, corrupção e vazio de poder - Instituto Humanitas Unisinos - IHU