03 Novembro 2020
Não pretendo opinar sobre o encontro e a reaproximação recentes entre Lula e Ciro Gomes. Poderão ser positivos ou não, ainda não sabemos.
Mas fica claro, para mim, que as críticas de Ciro ao Lula são superficiais e dizem respeito apenas à forma de fazer política: “busca hegemonia”, “não cumpre acordos”, etc.
Minhas críticas ao Lula são de outra natureza. Dizem respeito à natureza do projeto de país que o PT abraçou.
Para mim, não se trata de ser contra ou a favor de uma unidade abstrata, mas de redefinir o projeto de país, com todas as consequências práticas que isso traz.
Não sei se Ciro é suficientemente firme neste aspecto.
Professor César Benjamim, sua compreensão dos limites estreitos e contraditórios do lulopetismo é a minha.
Pantanal tem pior outubro de queimadas da história e fogo cresce 121% na Amazônia
Elevados registros de queimadas ocorrem apesar de proibição do uso de fogo e de operação do Exército
1º.nov.2020
Edição Impressa
FSP
Phillippe Watanabe
São Paulo
As queimadas continuam castigando biomas brasileiros. Na Amazônia, o fogo aumentou 121% em outubro em relação ao mesmo mês em 2019. Enquanto isso, o Pantanal teve o seu pior outubro de incêndios já registrado.
Na Amazônia, foram registrados 17.326 focos de queimada no último mês, segundo dados do Programa Queimadas, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Em outubro de 2019, foram 7.855 (menor valor já registrado no bioma para o mês).
É o segundo pior outubro de queimadas da Amazônia dos últimos dez anos, atrás apenas de 2015, com 19.469 focos de calor. O fogo no bioma tem origem humana e é normalmente ligado ao desmatamento.
O elevado valor ocorre apesar da proibição de uso de fogo na Amazônia e também da presença, desde maio, das Forças Armadas na floresta para a Operação Verde Brasil 2 contra ilícitos ambientais. Além de queimadas, o desmatamento também permanece em níveis elevados.
Ao mesmo tempo, o Pantanal continua enfrentando o seu pior ano de queimadas. O fogo na região também tem origem majoritariamente humana (seja acidental ou proposital) e a situação se torna ainda mais complexa porque o bioma passa pela pior seca dos últimos 60 anos.
Em outubro, foram 2.856 focos de calor, o maior valor já registrado para o mês. Trata-se de um aumento de 17% em relação ao mesmo mês de 2019.
A situação, porém, parece ter apresentado pequena melhora quando comparada aos três meses anteriores. Em julho, agosto e setembro, o aumento das queimadas no Pantanal foi de, respectivamente, 241%, 251% e 181%, em relação aos mesmo meses de 2019.
Setembro teve o maior número queimadas já registrado em qualquer mês no bioma.
O uso de fogo também está proibido no Pantanal desde julho, por um decreto do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que, porém, desdenhou do possível efeito do mesmo. O estado de Mato Grosso já havia proibido antes as queimadas.
Bolsonarismo: o autogano como expressão da impotência
Se há algo que me intriga no bolsonarismo, é com o pouco com que se contentam. Porque Bolsonaro não lhes entrega quase nada do que promete. Ele ilude sistematicamente sua base de reacionários, arremessando-lhe mentiras como Chacrinha jogava bacalhau na plateia.
Diz que não vai comprar vacina (mas vai); que apoia Trump (mas já entrou em contato com Biden); que vai ter "nova política" (mas está casado com o centrão); que vai nomear pro STF um ministro terrivelmente evangélico (e chega um católico do centrão), etc.
Na medida em que aceitam o governo menos como tal do que como programa de auditório, eu me pergunto até que ponto os bolsonaristas se contentam com o show que lhes oferecido, porque sabem que sua utopia reacionária é uma impossibilidade.
Tudo se passa como se os bolsonaristas soubessem, no fundo, que dar marcha a ré na história é impossível. E por isso se contentam com o prazer infantil do autoengano, do xingamento, da expressão irracional dos ressentimentos acumulados.
Foto: Reprodução Facebook
Ninguém arrisca previsões sobre o que vai acontecer na terça-feira nos EUA, mas há duas coisas em que podemos apostar com alguma certeza: 1. haverá litígio judicial, já está havendo; 2. haverá violência, já está havendo. A dúvida é sobre a duração e a quantidade dos litígios e a intensidade e a disseminação da violência.
A esperança é que uma possível vitória de Biden seja avalassadora o suficiente para diminuir tanto as possibilidades de litígio prolongado como o apelo popular da violência. A estas alturas, me parece difícil que as coisas aconteçam assim.
A guerra judicial está a pleno vapor. Umas horas atrás, a Corte Suprema do Texas negou um pedido da chapa Trump, de que 120.000 cédulas sufragadas em um drive-thru de Houston fossem descartadas, com o argumento de que as localizações dos drives-thru favoreciam Biden (!) Assim mesmo, com a desculpa de que os lugares do drive-thru eram “parciais”, demandava-se que as cédulas fossem jogadas fora. Imagine um lugar em que uma suprema corte estadual tem que se reunir para decidir isso.
Mas a maior mina de ouro para as empresas de advocacia é mesmo a Pensilvânia. Há exércitos de firmas por lá. Os advogadinhos solo já foram chutados pra fora da parada, não há mercado pra eles, agora é só firmão mesmo.
O mapa é mais complicado que isso, mas quem está confuso pode começar observando apenas dois estados: Flórida e Pensilvânia. Trump precisa ganhar os dois. A Biden basta, muito provavelmente, apenas um deles.
Foto (CNN): drive-thru para eleitores de Houston, cujas 120.000 cédulas a chapa Trump acionou um tribunal para anular.
Sobre a possibilidade de violência nos EUA, aí vai um esclarecimento para quem está confuso:
Polícia nos EUA, polícia mesmo, é municipal, não estadual como no Brasil. Ela é civil, não é militar como no Brasil (aliás, que país tem policiamento militar até hoje, hein?). Logo que se diz isso, é necessário dizer também que essa fronteira é cada vez mais precária em época de crescente militarização das polícias civis.
Existem, nos EUA, polícias estaduais como no Brasil, mas tratam-se dos chamados “troopers” ou polícias rodoviárias. E existem os aparatos policiais federais, com objetivos específicos, como o FBI e a DEA, que se encarrega das drogas.
Não é tradição, nos EUA, que se use o Exército, a Marinha ou a Aeronáutica em matérias de policiamento interno.
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Dito tudo isso, existe algo à disposição de Trump se ele quiser? Sim, existe a Guarda Nacional, que é uma força federal, mas estacionada nos estados. O Presidente pode mobilizá-la para além da vontade do governador? Pode. Ele precisa declarar a existência de uma insurreição. É a lei de 1807 chamada Insurrection Act. É com ela que Trump agora ameaça os estados ou municípios que são governados pela oposição.
Obviamente, se Trump decidir que meia dúzia de latas de lixo queimando e meia dúzia de vitrines quebradas configuram uma “insurreição”, há pouco que se possa fazer. Esse é o poder discricionário que existe hoje no arcabouço legal americano para que um Presidente use forças federais para "assegurar cumprimento de lei" [law enforcement] doméstica.
Tenso, para dizer o mínimo.
A situação é tão insólita que os tradicionais e-mails de véspera de eleição, de lideranças da sociedade civil, como os presidentes de universidades, estão nos chegando não apenas com o protocolar incentivo a que todo mundo vote, “seja em quem for que você queira votar”.
Além disso, os e-mails chegam com o aviso — cuidadosamente escrito, claro — de que, neste país, a tradição é que se contem os votos por mais de uma noite, até o final.
Imagine uma eleição em que é necessário lembrar a todos e todas que os votos devem ser contados até o fim. Eu me sinto, sei lá, disputando o DCE da UFMG contra o PCdoB em 1987.
É das eleições mais tensas e bizarras que já vi na vida.
A imprensa diz que Trump anunciará vitória logo depois do fechamento das urnas na terça-feira, antes mesmo que a grande maioria dos votos seja contada. Entre seus apoiadores há muitos grupos, especialmente de supremacistas brancos, que estão fortemente armados. A situação nos Estados Unidos poderá ficar muito nebulosa, com conflitos nas ruas e judicialização da eleição. Coisa de república de bananas.
A Organização dos Estados Americanos (OEA) fincou pé na Bolívia durante o processo eleitoral, vasculhou tudo e no final emitiu um parecer -- que hoje sabemos ter sido falsificado -- contestando o resultado.
Estou esperando que, a qualquer momento, uma delegação da mesma OEA desembarque nos Estados Unidos para verificar in loco a bagunça do processo eleitoral de lá e emita um parecer sobre os procedimentos e o resultado.
Afinal, Bolívia e Estados Unidos são membros plenos da OEA, com iguais direitos e deveres. Ou não?
Foto: Reprodução Facebook
Em dois livros, Bruno Latour investiga os efeitos das mudanças climáticas
Filósofo e antropólogo francês é um dos principais pensadores do Antropoceno
Rodrigo Petronio*, Especial para o Estado
31 de outubro de 2020 | 16h00
Bruno Latour é um dos expoentes da antropologia e da filosofia das ciências em atividade no mundo. Essa frase deixa de ser um lugar-comum quando se navega pelo site do autor, em específico pelo seu memorial, que reúne as suas dezenas de livros e as suas centenas de trabalhos, conferências e artigos.
Bruno Latour
O filósofo, sociólogo e antropólogo francês Bruno Latour, autor dos livros 'Diante de Gaia' e 'Onde Aterrar?'
Para o leitor dimensionar esse pensamento e compreender esse vasto campo de estudos transdisciplinares conhecido como “novas ontologias”, acabam de sair do prelo duas obras de Latour bastante complementares, em uma curiosa sincronia.
A primeira é Diante de Gaia: Oito Conferências sobre a Natureza no Antropoceno. Trata-se das Gifford Lectures de Edimburgo. Proferidas em 2013, saem agora pela primeira vez reunidas em português, em uma coedição entre a Ubu e o Ateliê de Humanidades. A excelente tradução de Maryalua Meyer foi ainda aperfeiçoada com a revisão técnica do sociólogo André Magnelli, diretor do Ateliê de Humanidades, centro de formação e de livre-pesquisa.
Sem fins lucrativos, o Ateliê se concentra em Humanidades e, em especial, na sociologia e na antropologia das tecnociências e dos saberes tradicionais. E vem se dedicando a promover autores e temas contemporâneas de envergadura. Dentro desse catálogo ainda pequeno mas consistente, o Ateliê publicou também há pouco A sociedade das tecnociências de mercadorias, livro minucioso de Marcos Lacerda sobre a obra do sociólogo português Hermínio Martins, referência mundial no estudo das tecnociências.
A segunda obra é Onde Aterrar? Como se Orientar Politicamente no Antropoceno, publicada pela Bazar do Tempo em tradução de Marcela Vieira. A revisão técnica e o posfácio são assinados por Alyne Costa, professora de Filosofia da Ciência na PUC-RJ e especialista nos estudos de impactos ambientais produzidos pelas tecnologias. O livro vem enriquecido por um anexo intitulado “Imaginar gestos que barrem o retorno da produção pré-crise”, ensaio de Latour publicado originalmente em 29 de março de 2020 no site Analyse Opinion Critique (AOC) e traduzido pela filósofa Déborah Danowski e o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro.
As duas obras de Latour abordam um mesmo conceito matricial: o Antropoceno. Este seria a nova (ceno) época da Terra sob a dominação do humano (anthropos). Há grandes reivindicações da comunidade científica internacional para essa redefinição do momento em que vivemos. Estaríamos saindo do Holoceno, época baseada na integração (holos) de todas as formas de vida e no equilíbrio climático, e cuja origem remonta há cerca de 12 mil anos. Esta nova época começaria agora por um motivo simples. Ainda que o sapiens se extinguisse hoje, a intervenção dos humanos deixou resíduos na Terra que devem perdurar pelos próximos milhares ou mesmo milhões de anos. As evidências acerca das marcas humanas na Terra são incontestáveis. As controvérsias se dão apenas em relação a como e a quando oficializar o Antropoceno.
O leitor deve imaginar os infinitos fatores implicados nesse macrofenômeno. Para compreendê-lo, há duas grandes linhas de vigentes: a Teoria Gaia, concebida pelo cientista, livre-pensador e inventor James Lovelock, e a Ciência do Sistema-Terra. Latour define esta grande mudança que estamos vivendo como Novo Regime Climático (NRC). Mais importante do que a passagem do Antigo Regime das monarquias para os Novos Regimes da modernidade, ocorrida no século 18, esse NRC descreve uma alteração de todo planeta em um corte de mais de 10 mil anos.
Para Latour, a humanidade está perplexa porque os discursos que nos orientaram até agora não funcionam mais. Essa alteração atual é fruto de três fatores que começaram nos anos 1990: 1. A globalização. 2. O aumento das desigualdades sociais. 3. As mutações climáticas. E o pensador é categórico: nada no mundo vai mudar se não tivermos uma visão unificada destes três fenômenos ou se continuarmos a isolá-los, como se estivessem desconectados.
Uma tônica em ambos os livros é a crítica à chamada “crise ecológica” e ao “meio ambiente”. Imaginar que vivemos uma crise é pensar que ela é passageira. Pensar os impasses globais a partir da ecologia e do meio ambiente, é pensar os problemas como se dissessem respeito à natureza. Assim, ignoramos as conexões entre uma miríade de processos complexos, tecnológicos, sociais, culturais, econômicos, entre outros. Por isso, Latour se vale do termo mutação, não crise ou mudança. E usa o conceito de clima, que envolve todos os processos, e não meio ambiente ou ecologia, que diz respeito à natureza.
Essa escolha decorre de outra crítica contundente, familiar aos leitores de Latour, ao conceito de natureza. A naturalização dos processos complexos, híbridos de artificiais-naturais, é uma falsa solução criada pela modernidade. Uma maneira moderna de purificar atores-actantes impassíveis de serem separados. A solução seria mobilizar uma nova categoria política: o Terrestre. E criar meios-lugares de aterrar, tanto no sentido de criar raízes (na terra) quanto de aterrissar (pousar em um solo acolhedor).
O livro empreende uma crítica da globalização. Propõe que o conceito de globo não faz sentido no Antropoceno. E demonstra que os eixos tradicionais direita/esquerda, global/local e progressista/conservador são resíduos da modernidade. Entraram em colapso e não funcionam mais. Por isso, a humanidade está sem saber como se orientar. Sugere então um novo vetor de orientação: Terrestre/Moderno. O livro inclui alguns esquemas visuais para didatizar essas alterações dos vetores.
Já Diante de Gaia é um livro mais extenso e complexo. Latour se dedica a analisar o cosmocolosso, misto de ciclone e de Leviatã, neologismo criado pelo autor para descrever os efeitos titânicos e devastadores com que o cosmos-Terra começa a presentear os humanos. Por isso, a antiga deusa grega Gaia, grande-mãe da natureza criativa e também rainha da destruição e dos caprichos.
Esta imagem-conceito criada por Lovelock sob influência do romancista William Golding é uma tentativa de descrever a Terra a partir dos chamados sistemas não-lineares fora do equilíbrio. Em resumo: a natureza não é harmoniosa. As leis estáveis e eternas são abstrações. Causas negativas podem gerar efeitos positivos e vice-versa.
É preciso descrever os cosmogramas (John Tresch), os indicadores de mutações, sempre por meio de regimes complexos e ambivalentes positivos-negativos dessas “zonas metamórficas” de transição. A “revolução galileana” estaria sendo substituída pela “revolução lovelockeana”. Galileu olhou da Terra para céu e descreveu os corpos em queda livre. Lovelock olhou através dos olhos-sondas não-humanos pousados em Marte. E viu nosso planeta-casa como um sistema vivo.
A revolução de Galileu no século 16 tirou a Terra do centro do Sistema Solar. Para tanto, produziu um “ponto de vista de Sirius”, ou seja, da Terra vista do espaço abstrato. Precisamos criar uma contrarrevolução terrestre: voltar a ver o espaço e a Terra do ponto de vista da Terra. Apenas assim podemos dimensionar a singularidade da vida neste planeta perdido no infinito.
Essa concepção entretanto não é vitalista nem animista. Isso seria mais uma vez separar natureza e cultura, orgânico e inorgânico, vivo e não-vivo, humano e não-humano. E Latour recorre diversas vezes ao filósofo e matemático britânico Alfred North Whitehead (1861-1947), criador da maior arquitetura metafísica e cosmológica do século 20 e crítico contumaz dessas “bifurcações da natureza”.
Outro aspecto central do livro é a desconstrução do conceito de globalização. Latour recorre ao filósofo alemão Peter Sloterdijk, seu amigo e confessadamente uma de suas fontes de inspiração. Especialmente à sua esferologia, teoria desenvolvida na trilogia Esferas (Bolhas, Globos e Espumas).
Em resumo, segundo Sloterdijk, a “globalização terrestre” começou no século 16. A globalização estaria no fim, não no começo. Os séculos 20 e 21 vivem os estertores finais do Globo. Estaríamos agora adentrando as Espumas, o sistema de “paredes finas” e o “colapso dos sistemas de imunização”. Por isso, na tela do pintor romântico alemão Caspar David Friedrich (1774-1840), a Terra está afundada na quase invisibilidade do rio Elba. A Terra-Globo se liquefez. Em outras palavras: adentramos o Antropoceno.
Foto: Reprodução Facebook
Devido ao fato de serem conferências, o tom digressivo e dispersivo da oralidade pode incomodar um pouco a leitura. Porém, como toda obra de Latour, estes dois livros são indispensáveis para pesquisadores de todas as áreas de conhecimento, das ciências humanas às ciências naturais. E para todos que queiram se imunizar das Sereias do reducionismo, que matam o pensamento e aprisionam a vida.
*Rodrigo Petronio é escritor e filósofo. Professor titular da Faap e pesquisador associado no Programa de Pós-Graduação em Tecnologias da Inteligência e Design Digital (TIDD/PUC-SP), onde desenvolveu Pós-Doutorado.
Foto: Reprodução Facebook
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