19 Outubro 2020
Olha, é cada vez mais difícil conviver com o progressismo. Não bastasse a diminuição forçada daquilo que é possível discutir a partir das mil e uma interdições impostas pelo catecismo e liturgias do campo, há ainda o outro lado da moeda: a flexibilização moral de pontos que supostamente constam do rol dos seus bons princípios básicos. Talvez não devesse me chocar mais, mas ainda incomoda bastante ler que temos que observar "os dois lados" da decapitação do professor francês que exibiu charge do profeta Maomé. Cheguei a ler que o professor estava sendo "colocado como vítima" da situação, quando não seria bem assim. E o pior é que se no futuro acontecer de alguém matar um professor por fazer "propaganda de ideologia de gênero" no Brasil, os mesmos progressistas vão se chocar com as "ponderações" sobre o assassinato vindas da extrema direita. São difíceis os dias em que a oposição ao que há de pior também não é lá grande coisa.
Amados/as amigos/as do FACE, Envio um bilhete público para agradecer a cada um e uma companheiros de caminho, alunos, alunas, professores, gente de Emaus, de Créditos Teológicos, da minha universidade PUC-SP, minha família do Brasil e da Espanha, e minha amada esposa e meus filhos.
Fiquei onze dias hospitalizado por COVID (de 4 a 14 de outubro). A foto com máscara foi feita durante a internação quando ainda estava com taxa baixa de oxigênio no sangue e precisei de cateter e bipap. Obtive alta dia 14 de outubro de 2020 pela manhã. Estou em casa recuperando-me a contento. Vivi a solidão do quarto que chamei de casulo 677. Depois escrevo sobre esse "túnel" da infecção por COVID. Foi algo marcante em meu corpo e meu espírito.
Além da família, dos amigos, dos/as alunas sempre mandando mensagens de carinho eu declaro publicamente que tive excelentes cuidados clínicos das/o médicas/o infectologistas, de qualificadas fisioterapeutas para o pulmão que fora comprometido em 20% pela ação do vírus, de enfermeiros, auxiliares de enfermagem, nutricionistas, da gente do laboratório, e claro, das senhoras da limpeza que eram o meu contato a cada duas horas no quarto solitário. Todas e todos presentes em meus onze dias de forma personalizada e terapeutica. Uma de Osasco, o enfermeiro alegre na madrugada Ale, nascido em Garanhuns, PE. As paulistanas, as nordestinas, as mais falantes, as mais caladas, e eu sempre com a palavra de gratidão que brotava da boca convictamente. Eu era grato a tantos profissionais por cuidar de mim. Sim, eles fazem isso por seu salário e eu pela proteção do plano de saúde. Mas havia algo mais ao ganhar o café, ao seguir os exercicios, ao dizer bom dia e boa tarde. Algo enigmático e bonito.
Fui tratado com antibióticos e corticóides. Não é uma gripezinha. Os profissionais desde março tem hoje inúmeros procedimentos que enfrentam o vírus de forma mais efetiva. Não fui entubado, mas precisei usar por alguns dias o catéter com oxigênio no nariz por falha nos alvéolos que não atuavam plenamente. Após muitos exercicios diários e máquina Bipap fiz o desmame ao voltar a oximetria no sangue. Não tive processo infeccioso grave. Só um dia de febre e o antibiótico agiu direto e rápido. Deus foi bom comigo. Bão demais.
Assim que fiquei sem cateter ainda precisei ficar dois dias de segurança terapeutica para não ter recaidas ou falsa segurança. Estou agora de alta em casa, desde quarta, com os pés um pouco inchados do líquido e da pouca movimentação no quarto. Furado nos braços com alguns hematomas que agora vão amarelando. Sem sequelas além de uma pequena rouquidão. A tosse seca está superada. Preciso de serenidade para "doucement" voltar ao normal. Ainda devo cuidar de não falar muito. No mais me sinto muito bem. Graças a Deus.
Meu caso não foi grave, mas diria mediano. Dois dias mais seria possivelmente grave. Fui na hora certa no Hospital São Camilo e tive atendimento qualificado particularmente da equipe clínica que age como orquesta sinfônica. Louvo a Deus e aos profissionais por isso (co-criadores, diria dom Helder). Nada de asneiras como cloroquina ou bobagens similares. Gente séria com cuidados multidisciplinares articulados e medicamentos corretos e em dosagem acompanhada de forma personalizada para fazer o corpo viver e conectar-se com o melhor. Toda a minha família, esposa e filhos também foram contaminados pelo COVID, mas de forma suave: só perderam paladar e olfato em alguns dias. Não sei onde mas penso que nos contaminamos ou no caixa do banco ou em um supermercado. Difícil rever os passos e algum eventual erro na segurança das máscaras que sempre usei e ainda uso e do alcool a cada gesto exterior. Hoje todos/as em casa estão bem. Isso também mexe emocionalmente com a gente, pois eu estava em um quarto isolado sem saber efetivamente como estavam os meus amados/as. Sim, tinha celular mas não via os rostos. Essa foi a parte mais dura. A COVID mexe também com o emocional. Estou cuidando disso. E revendo falhas e deslizes. Onze dias servem de retiro profundo. Rezei e refleti muito.
Obviamente depois de onze dias de casulo estou diferente. Mais sensível, mais atento a coisas simples e creio eu mais sereno. Ouvir pássaros, agradecer a chuva, respeitar e valorizar cada gesto pessoal é mais que urgente. É o que vale. Nas pequenas coisas, há muitos segredos.
Dou graças a Deus por estar interligado ao ar, aos pássaros, aos mosquitos, ao cosmos, à água (1,5 litro por dia), aos seres todos do universo, aqueles personalizados e os invisíveis. Reforço minha profunda conexão com o anjo Gabriel. Ele foi um companheiro fiel dias, noites, sem falhar nem um segundo sustentando o sopro vital e o meu coração. Sem os anjos não sei como teria reagido.
Abraços a cada um e uma de voces que rezaram por mim. Aos que nada souberam ainda façam uma pequenina oração por mim. E se puderem rezem pelos médicos infectologistas, pelos fisioterapeutas e enfermeiro.s
Cuidem-se muito. O momento exige. Não se pode baixar a guarda para não ocorrer segunda onda. É muita dor nas famílias. Precisamos mudar. Façamos desse mal uma oportunidade e um horizonte de luz.
Senti misteriosamente o amor vindo do grupo de Emaus (coração aquecido tal qual os caminheiros ao ver e falar com Jesus), dos colegas do departamento da PUC, dos companheiros/as de Créditos, dos amigos, do bispo Angelico, de minha tia Mercedes, do padre Lancellotti, enfim, de multidão de gente. Não sabia que era tão amado. Meus sobrinhos e minha irmã foram luminosos. Grato a Mercedes, André, Sara e Lucas.
Ao voltar para a aula ontem aluno de Jogos fez um depoimento tão delicado e emocionante que chorou. Eu discretamente também. Foi tão profundo. Eu nem estou com os alunos fisicamente. Foi muito amor. Mexeu com minhas entranhas. É bom ser amado e saber-se amado. Paradoxo do momento frágil é fazer-se força pelo coração dos outros.
Grato imenso por preces, orações, energias, reverberações, pensamentos. Voces todos e todas fizeram-me vencer alguns momentos difíceis em que a gente deu uma fraquejada.
Do amigo em recuperação
CUIDEM-SE!!!
Fernando Altemeyer Junior - manhã de domigo 18/10/2020 em minha casa depois da alta hospitalar. Coração pleno de gratidão.
Dar a Deus o que é de Deus - amor, gratidão e louvor. Deus é bom!
Outro dia, os irresponsáveis da imprensa brasileira divulgaram, de forma acrítica, um manifesto contra medidas sanitárias e pró-imunidade de rebanho com o apoio alegado de um grande número de cientistas de universidades renomadas. Hoje, três cientistas, no Guardian, fazem o que os jornalistas deveriam ter feito: revelam quem pagou pelo tal manifesto. Nenhuma surpresa: um thinktank ultraneoliberal que recebe dinheiro de procedência duvidosa (por exemplo, fabricantes de cigarros) para financiar estudos defendendo os maiores absurdos. Veja aqui.
Quando um bolsonarista te disser, com aquele recorte desonesto ou burro das manchetes, que o mito (o minúsculo) acabou com a "grande corrupção do PT", do estilo Petrobras, creio que a resposta correta não é negar a corrupção dos anos anteriores. A resposta é reconhecer a corrupção dos anos anteriores e simplesmente jogar as cartas na mesa:
--- O bolsonarismo é uma corrupção de dinheiro na bunda. A corrupção dos tucanos, dos petistas, do pemedebismo, era uma corrupção conforme às nossas tradições, conservadora, que mantém os costumes desta terra desde Pedrálvares, enquanto o bolsonarismo nos enfia em uma ....
uma corrupção suja, de dinheiro na bunda, de maluco sonegando imposto na Virgínia e praguejando contra o Estado, de ex porta-voz da ditadura encontrando uma boquinha para lamber bota de presidente, daquelas rachadinhas de merda que são literalmente o parlamentar roubando dinheiro do povo, que a corrupção do bolsonarismo é, em suma, mais daninha e mentirosa, porque é mais bandida, mais (literalmente) suja, e que ainda por cima se elegeu com papo mentiroso de que não era corrupto.
Essa é, creio eu, a melhor resposta a se dar a uma bolsonarista do Brasil Profundo que ainda mantenha alguma crença nesse minúsculo mito.
Seguimos a luta, os dias são bastante ruins, e é importante manter-se unidos contra o minúsculo.
O que a Marguerite Duras fala sobre a escrita vale para a vida: viver é tentar saber como viveríamos se vivêssemos. Ou, mais do que "como viveríamos", o que seria a vida. O problema é que, numa quarentena falha desde o início e, por isso mesmo, tão longa, não saímos deste condicional - que, de resto, nos parece intrinsecamente falso.
Daí a impressão de que a vida seja, agora, uma variante da morte: vemos ao redor, e projetamos sobre o futuro (que é sempre hipótese), uma brutal ausência de possibilidades. Se o presente não é mais possível (ninguém mais vive como vivia antes), o futuro nos parece impossível.
Daí também que, num país como o Brasil, que juntou a morte de possibilidades da pandemia à morte de possibilidades de mais uma "década perdida", a crise político-econômica tenda a tomar cada vez mais a forma de uma crise psíquica. A loucura, aqui, é rigorosamente social - e não há saída dela, portanto, que seja apenas individual.
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