10 Outubro 2020
"Em um momento único na história da maior procissão católica do mundo, em seus 228 anos, a fé – e a procissão - virtualizam-se totalmente para se manterem eternas, não importa o que aconteça", escreve Thamiris Magalhães, Ma. em Ciências da Comunicação pela Unisinos/RS e Doutoranda em Administração e Marketing pela ESPM/SP. Foi colaboradora do Instituto Humanitas Unisinos - IHU, produzindo conteúdos para o sítio e a Revista IHU On-Line.
O ano de 2020 vai entrar para a história com mais uma pandemia que assola, desestabiliza e altera a rotina das pessoas do mundo inteiro. A COVID-19 fez com que a sociedade parasse e repensasse sobre a vida, seu ritmo e o real significado; reavaliasse seu trabalho, sua relação familiar, reorganizasse seus estilos de vida e sua saúde, seu momento de lazer e tudo o que compõe e preenche os dias. Tudo mudou. O vírus veio para mostrar a todos nós que é preciso parar. Infelizmente, de uma maneira nem sempre agradável, pois, em muitas situações, extraiu o bem mais precioso do ser humano: a vida.
A sociedade está se adaptando a um novo formato, com diferentes estilos de vida. O trabalho mudou (há quem diga que para sempre, com a difusão do tele trabalho e das reuniões empresariais via videoconferência se fortalecendo em tempos de pandemia), o estudo, a rotina, o lazer, enfim, a vida. Estão surgindo novos hábitos, tais como: o distanciamento social, o uso de máscaras, álcool em gel e a prática constante de lavar as mãos.
Com a rotina do dia a dia mudando e a vida em constante transformação, a religião e a religiosidade também sofrem com as alterações advindas do momento, em que se enquadram o distanciamento social e a prevenção. Por conta disso, missas e cultos deixaram de ser realizadas com o mesmo número de fiéis e o uso de máscaras se torna obrigatório nas celebrações.
Devido a transformação e mudança de hábitos que a sociedade vem enfrentando com a COVID-19, a maior procissão católica do mundo, o Círio de Nazaré, realizado todo segundo domingo de outubro nas ruas do centro de Belém do Pará, também passa por grandes e inéditas transformações.
O 228º Círio de Nazaré ficará para a história como a primeira edição a ser realizada completamente virtual. Na realidade, mesmo com tantas restrições, ainda se tem expressões de fé, como os fiéis romeiros vindos de cidades vizinhas em peregrinações pelas estradas até o centro de Belém, só que desta vez, em vez de virem caminhando, como de costume, seguem para a capital paraense de carro, moto ou bicicleta, para evitar aglomerações.
Para tentar minimizar o impacto da não existência da procissão tradicional este ano que, sabe-se, é permeada de símbolos e possui impacto significativo de fé e emoção, que só quem vive e está presente fisicamente pode explicar, há a programação oficial do Círio, sendo divulgada nas mídias, para acompanhamento por meio da TV, rádio e Internet, no horário e no dia da procissão católica, 11 de outubro, organizada pela Arquidiocese de Belém, em seus canais de mídias, que contará com missas, vídeos, imagens, músicas, momentos de Círios anteriores, etc. Além disso, estão sendo realizadas atividades paralelas para visitação dos fiéis.
Entre as principais atividades deste ano estão as missas de apresentação do Manto, a bênção da corda, a descida da Imagem de Nossa Senhora de Nazaré, a missa da translação no sábado de tarde e as missas do domingo do Círio, durante a manhã e à noite. Ainda ao longo da semana haverá as missas da quinzena presididas pelos bispos convidados de várias partes do Brasil, visitas da Imagem Peregrina em diversas instituições, órgãos e departamentos, terço da alvorada, Círio Musical em formato de live, entre outras atividades.
O famoso Arraial de Nazaré continua, em novo formato. Os participantes poderão acompanhar as lives do Círio Musical, em um telão no centro do Arraial, localizado no estacionamento do Centro Social de Nazaré, que serão transmitidas ao vivo pela TV Nazaré, a partir das 19h. A entrada só será permitida com o uso de máscaras e cumprindo as orientações de distanciamento social. Cerca de 24 estandes foram montados na área, com vendas de produtos artesanais, alimentos, vestuário e artigos religiosos. Por conta das restrições dos órgãos de saúde, segurança e Vigilância Sanitária, o parque de diversões ITA, que tradicionalmente participa do arraial há 28 anos, não estará na programação.
Além dessas atividades, há ainda o programa sobre o Círio, Preamar da Fé, que lançou a exposição “Em cena: ex-votos de Nazaré”, instalada no espaço cultural da Casa das Onze Janelas, no bairro da Cidade Velha, em Belém. A mostra reúne peças do Museu do Círio, que representam partes do corpo humano esculpidas em cera. Como tradição, esses objetos representam símbolos de promessas e graças alcançadas, conhecidas popularmente como ex-votos.
Ademais, os fiéis terão a oportunidade de visitar a exposição “Conhecer para Preservar”, realizada pela Secretaria de Cultura do Estado do Pará (Secult), no Teatro Estação Gasômetro, localizado no centro de Belém, que retrata as manifestações que marcam o Círio de Nazaré. A programação ocorre durante 10 dias e contará com exposição de fotos do cortejo do Arraial do Pavulagem, manifestação folclórica muito famosa da capital paraense, em que músicos e brincantes homenageiam Nossa Senhora de Nazaré, e do Auto do Círio, espetáculo do teatro de rua que percorre o Centro Histórico de Belém. Há, ainda, fotos da Trasladação, procissão que é realizada à noite, na véspera do Círio, em sentido contrário ao da grande procissão. A corda do Círio também esteve em exposição até o início deste mês de outubro, na Estação das Docas, importante ponto turístico da capital paraense.
Uma novidade do Círio, 100% virtual deste ano, inaugurada pela Diretoria da Festa de Nazaré, é a Imagem de Nossa Senhora de Nazaré em formato tridimensional, localizada na Praça Santuário, em frente à Basílica, em Belém, local que simboliza o fim das procissões do Círio de Nazaré, quando a Imagem da Santa chega até a Basílica Santuário.
A Imagem tem, aproximadamente, 12 metros de altura e é formada por mais de 100 metros de cabos de aço e 15 mil mini lâmpadas de led. Somente para formar o manto, que tem bordados de flores e arabescos vermelhos e dourados, são fixados 125 conjuntos de 100 lâmpadas de leds azuis, segundo informações do Portal de Notícias DOL.
Ainda de acordo com o site, a imagem iluminada de Nossa Senhora de Nazaré fica sobre uma base, decorada com representações de promesseiros da corda do Círio. Os romeiros são representados por peças de miriti, onde, ao fundo, é possível visualizar os principais pontos das procissões do Círio, começando pela Igreja da Sé e seguindo o caminho pelo Ver-o-Peso, Estação das Docas até a chegada, na Basílica Santuário de Nazaré.
Tecnologia – Ainda de acordo com o DOL, uma das novidades que o novo elemento do Círio traz é a incorporação da tecnologia. Além de a iluminação ser toda em led, a imagem ainda conta com QR-Codes que irão direcionar os espectadores para vídeos, histórias e diversos outros produtos-surpresa preparados pelos patrocinadores.
O aplicativo "Kd A Berlinda" também sofreu mudanças. A tecnologia, desenvolvida pela Empresa de Tecnologia da Informação e Comunicação do Estado do Pará - Prodepa, dá a localização em tempo real da Berlinda que conduz a Imagem da Santa durantes as 13 romarias oficiais do Círio e fornece várias informações sobre as procissões.
Este ano, de acordo com o portal DOL, o app passou por adequações devido aos protocolos de distanciamento social que fizeram com que as procissões fossem canceladas, evitando dessa forma a proliferação da COVID-19. Com esse cancelamento, o "Kd A Berlinda" se adequou para melhor servir ao usuário. O mapa, que mostrava a localização da imagem, foi retirado. Atualmente, quem baixar o aplicativo poderá acompanhar as transmissões via TV Cultura e Rádio Cultura; terá disponível os cartazes do Círio de anos anteriores e o atual; além de galeria de fotos. A novidade é que, agora, o usuário também pode fazer selfies personalizadas com a máscara do app e postar diretamente nas suas redes sociais. O aplicativo já está disponível na sua nova versão nas lojas de aplicativos Apple Store e Play Store.
A tecnologia mais uma vez favorece aos fiéis do mundo inteiro e proporciona poderem vivenciar o Círio de outras formas, já que não há a possibilidade, este ano, da tradicional. Por meio da realidade virtual, será possível viver a experiência religiosa da festa católica paraense, em que devotos podem ter acesso ao Círio virtual em 360º, por meio de um aplicativo gratuito. O Museu do Círio Virtual, que faz parte do projeto do Círio 360, proporciona uma imersão nos principais eventos do Círio de Nazaré e tem como atração principal a possibilidade de acompanhar o trajeto completo do Círio em realidade virtual. Em 2020, devido a pandemia, não será possível a presença física dos aparelhos de realidade virtual, mas será possível visitar o espaço por meio das plataformas digitais.
Todas essas novidades e readequações são importantes para se viver o momento de encontro com Nossa Senhora de Nazaré do povo paraense em qualquer lugar do mundo, para se viver o Círio mais uma vez, mesmo que de forma diferente, aproximando os fiéis – mesmo que na distância – em uma única corrente de fé, oração e homenagens, por meio da tecnologia. O clima do Círio continua, mas desta vez cada um em suas casas no domingo, tendo a certeza de que a conexão de fé e espiritualidade continua presente em cada pessoa, e todos se unem em uma única corda, a virtual, para homenagearem Nossa Senhora de Nazaré. A sinergia se torna mais forte, sempre presente. Não importa o que aconteça. Isso é o Círio. A cidade, as empresas, a Arquidiocese, o povo, todos precisaram se adequar a este novo tempo para fazer acontecer e viver o Círio novamente, só que desta vez de um modo peculiar, em um novo formato, totalmente virtual. A fé, Maria, a corda e todos os símbolos que fazem o Círio ser o que ele é, com todos os seus signos e significados, virtualizam-se para se manterem eternos, não importa o que aconteça.
A tecnologia nos dias atuais compõe a vida cotidiana, como se fosse um “eu estendido” e fizesse parte do próprio ser humano. Tem-se a impressão de que o que não é visto atualmente, o que não está na rede, na Internet, parece não existir. Agora, mais do que nunca, para ser visto, visualizado, lembrado, curtido, comentado e compartilhado é necessário estar presente online, no mundo digital. A vida funcionava muito bem sem a Internet, mas, com ela, fez mais sentido. Hoje, parece que não se pode mais viver sem o wi-fi!
Só que agora, em meio a uma pandemia no ano 2020, tudo muda. A tecnologia, que era um acompanhamento, torna-se o prato principal. Agora, com a Internet, fica muito mais fácil trabalhar (muitas vezes, a única opção), se tornou a única alternativa para estudar, ter lazer, realizar viagens virtuais, meditar, “ir” a missas, consultas, festas, compromissos, encontros... Quase tudo começa a acontecer – apenas ou em sua grande parte - na rede, na Internet, em tempos de COVID-19. Eis a grande diferença. O que antes era opção, hoje é quase como uma obrigação. O Círio, que começou e se consolidou de maneira presencial durante mais de duzentos anos, teve adaptações para o virtual há alguns anos; após algum tempo, o digital passou a ser o complemento da procissão presencial, tendo um modesto papel; posteriormente, foi fortalecido na rede e ocupou um grande espaço e relevância no ambiente virtual, pautando em não raras vezes a grande mídia. Hoje, é totalmente digitalizado.
Quem poderia imaginar que um dia a tecnologia, que tanto afastou as pessoas que estavam próximas, em tempos de pandemia seria uma das poucas alternativas possíveis para “aproximá-las” novamente, seja na vida pessoal, no trabalho ou na fé? Hoje, estamos distantes, mas temos a percepção de que estamos muito próximos uns dos outros. Há não muito tempo, estávamos tão próximos, mas tínhamos a impressão de estarmos distantes, “conectados” em outro mundo, curtindo, comentando, compartilhando...
A pandemia possibilitou muitas renovações, adaptações, mudanças, mas não conseguiu afastar os fiéis de Maria, do Círio e do momento peculiar do clima da maior festa católica do mundo, que só quem vive ou viveu, compreende. Só que agora a procissão é realizada em outra modalidade, a fé é concomitantemente potencializada, virtualizada e atualizada, nas casas dos fiéis que permanecem unidos na corrente digital da fé. Que este Círio e o momento em que se vive sirvam para existirem mais momentos de reflexão no que e quem realmente importam.
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Círio de Nazaré 2020: poderia a pandemia afastar os fiéis de Maria? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU