18 Setembro 2020
Em 16 de setembro de 1973, cinco dias depois do golpe militar no Chile, que desembocaria na ditadura de Pinochet, os golpistas torturaram e assassinaram o cantor e compositor Víctor Jara, no Estádio Chile, que hoje leva o seu nome.
Jara falava em suas canções sobre a luta dos trabalhadores e da revolução, e apoiava Salvador Allende. Seu corpo foi sepultado de forma quase clandestina junto a outras centenas, de onde foi exumado em 2009.
A reportagem é publicada por El Diário, 16-09-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Em 16 de setembro de 1973, cinco dias depois do golpe de Estado contra Salvador Allende que desembocou em 17 anos de ditadura de Augusto Pinochet, os militares assassinaram com até 44 tiros, segundo revelou a autópsia, o cantor Víctor Jara. Ele havia sido preso no mesmo dia do golpe.
Mataram-no depois de múltiplas torturas, assim como outros milhares, preso em um dos vestiários do então chamado Estádio Chile, que desde 2003 leva o seu nome. Seu corpo foi sepultado quase de forma clandestina com outras centenas de pessoas, e pôde ser exumado para ser enterrado dignamente por sua viúva e filhos em 2009.
Jara tornou-se um símbolo da repressão no Chile, feita por um regime que deixou 3.200 mortos e desaparecidos, mais de 30 mil torturados e dezenas de milhares de exilados. Frequentemente compara-se o significado de sua figura com a de Federico García Lorca, na Espanha. No verão de 2018 foram condenados nove membros do Exército por seu crime, oito deles a 15 anos de cárcere.
Jara cantava a luta dos trabalhadores, a revolução e apoiava Allende. Suas canções, como suas declarações públicas e implicação política – foi militante do Partido Comunista –, foram o motivo principal de sua prisão e, depois, da crueldade contra ele, e a forma da qual hoje é lembrado.
Te recuerdo Amanda é seguramente a canção mais lembrada de Víctor Jara. Publicada em 1969, no disco Pongo em tus manos abiertas, conta a história de amor de uma mulher (Amanda) e um homem (Manuel) trabalhadores que apenas tem tempo para se ver, absorvidos pela exploração laboral. Finalmente, essa precariedade acaba com a vida do rapaz.
“A mulher não é uma escrava: é igual ao homem, e tem os mesmos direitos. Pedir a mulher pureza e dedicação ao lar, e ao homem não, é ser escravagista. O homem não é nada sem a mulher”, dizia em uma entrevista, no ano em que lançou a música. Nasce da preocupação do compositor pela situação do proletariado e também por sua filha Amanda, de três anos, que morreu doente enquanto ele estava em Londres. Devido a uma greve do Correio da Inglaterra, as cartas que enviava à menina não chegavam.
Faz parte de um álbum lançado de maneira póstuma em 1974. Jara estava preparando um disco no ano de 1973, que se chamaria Tiempos que cambian. Tinha inclusive a capa.
Um jornalista da televisão sueca entrevistou Joan Jara, a esposa de Víctor, uma semana depois de encontrarem o corpo dele em 19 de setembro de 1973. Propôs a ela que enviasse as fitas gravadas para fora do Chile, com parte de sua equipe técnica. Joan levou o material ao estúdio Abbey Road, onde gravaram os Beatles. Assim, Tiempos que cambian foi lançado, já convertido em Manifiesto.
Pertence ao álbum de 1971 com o mesmo nome, El derecho de vivir en paz, embora tenha sido reeditada várias vezes como Levántate y mira a la montaña. A canção é dedicada a Ho Chi Minh e ao povo vietnamita, escrita durante a guerra: “Nenhum canhão apagará / o sulco do teu arrozal. O direito de viver em paz”.
Jara é o principal expoente, junto com Violeta Parra, das origens da canção-protesto, e especificamente do que mais tarde ficou conhecido como a Nova Canção Chilena. É o gênero musical que enfrentou a elite conservadora do país, e que após o golpe de estado lhe custou a vida.
Na obra de Jara, a luta pelos direitos das trabalhadoras e dos trabalhadores é recorrente. Um A desalambrar, também está dentro de Pongo en tus manos abiertas, é outro exemplo. “Pergunto aos presentes / Se não pensaram / Que esta terra é nossa / E não de quem tem mais”, começa.
Esta música também faz parte de Pongo en tus manos abiertas e também fala sobre a revolução; desta vez da mexicana e de um de seus líderes camponeses, Emiliano Zapata, “um homem que foi para a guerra / que caminhou ferido nas montanhas / para conquistar sua terra”. A letra não era realmente de Jara. É uma versão de Jorge Saldaña, que a gravou em 1966 com Los Folkloristas e para a qual Jara mudou e eliminou alguns versos.
El Cigarrito foi uma das primeiras canções conhecidas de Víctor Jara como solista, após uma década no grupo Cuncumén. Sua estreia data de 1966, cujo título refere-se tanto pelo seu homônimo como pela Geografía. Foi originalmente lançado como single, produzido por Camilo Fernández, e foi regravado por muitos artistas, incluindo Joan Manuel Serrat.
Naquela época, 1966, no jornal El Siglo, Jara declarava: “Estou cada vez mais comovido com o que acontece ao meu redor. A pobreza de meu próprio país, da América Latina e de outros países do mundo. Tenho visto o traço do horror de um massacre de judeus em Varsóvia, o pânico da bomba (atômica), o golpe mortal causado pela guerra que desintegra o homem e tudo o que surge e nasce dele. Em suma, tantos outros desastres que é cansativo enumerar”.
“Mas também vi”, continuou ele, “o que o amor pode fazer, o que a verdadeira liberdade pode fazer, o que a força e o poder do homem feliz podem fazer. Por tudo isso e porque anseio pela paz, é que preciso da madeira e das cordas de violão para desabafar algo triste ou alegre. Algum verso que abra o coração como uma ferida, ou algum verso que eu gostaria que nos virasse do avesso para ver o mundo com olhos novos”.
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Chile. Cinco canções para recordar por que Victor Jara foi torturado e assassinado há 47 anos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU