18 Setembro 2020
Os efeitos da mudança climática no acesso à água têm sido o tema principal do último seminário do Ciclo "Do Direito à Água ao Direito à Esperança", que nesta quinta-feira, 17 de setembro, reuniu, como nos cinco seminários anteriores, personalidades e especialistas nas áreas de água, saneamento, direito ambiental, legislação, inovação e tecnologia, assim como outras áreas do conhecimento. O ciclo, que começou em 18 de junho, significou uma profunda reflexão sobre um dos elementos decisivos para a vida, e que teve uma importância decisiva ao longo da história nas diferentes culturas.
A reportagem é de Luis Miguel Modino.
Estes seminários, organizados pelo Instituto de Diálogo Global e Cultura do Encontro - IDGCE e a Rede Eclesial Pan-Amazônica - REPAM, que teve o apoio expresso do Papa Francisco, refletiram sobre as "Crises climáticas e ecossistemas aquáticos" em seu último encontro, com a participação de Noam Chomsky, um dos grandes pensadores de hoje, que afirmou que nos encontramos em um momento único da história, em uma situação que ameaça a sobrevivência da vida humana, algo que tem como uma de suas principais causas a escassez de água potável. Em sua intervenção, ele usou a imagem do Relógio do Juízo Final, querendo ilustrar com ele a crise existencial que a humanidade está vivenciando.
Na opinião de Chomsky, a única esperança para lidar com esta situação é uma sociedade participativa, tentando assim superar as duas grandes ameaças que a humanidade enfrenta hoje: a da guerra nuclear e a do meio ambiente, que são cada vez mais sérias e perigosas. Estamos em um momento da história em que diferentes líderes mundiais, liderados por Donald Trump, estão determinados a desmantelar o sistema regulatório que está colocando restrições a ameaças iminentes. O pensador relatava a deterioração do sistema democrático, o que leva à violação dos direitos internacionais. Ele até alertou sobre as ameaças do próprio Trump, que se recusa a deixar o cargo se não for reeleito como presidente dos Estados Unidos.
Diante da situação que o mundo está vivenciando com a pandemia, Chomsky advertiu sobre a possibilidade de que estas situações sejam replicadas de forma mais séria, embora seja verdade que existem respostas viáveis, que devem ter uma resposta internacional, um chamado que o Papa Francisco insistiu, para a busca de soluções. A tecnologia, as energias sustentáveis, a redução das emissões, entre outros elementos, oferecem essas possibilidades, mas junto com isso, diz Chomsky, é fundamental mudar nosso estilo de vida, criando um sistema onde as pessoas possam prosperar e viver uma vida digna, fazendo coisas juntas, redobrando os esforços da comunidade.
Vivemos 40 anos de uma economia debilitada e prejudicada, marcada pelos princípios defendidos e promovidos por Margaret Thatcher e Ronald Reagan, de que não há sociedade, mas indivíduos e que o Estado é o problema, não a solução, que levou à destruição do planeta e de toda a vida comunitária, resultado da ganância de poucos, como mostra o fato de que nos Estados Unidos, 0,1% da população tem 20% da riqueza, o dobro do que há 40 anos. Assim que isso acontece, a maioria da população sobrevive de semana em semana, criando um sentimento de raiva, de desprezo pelas instituições, de crescente demagogia, sendo fácil encontrar bodes expiatórios, como imigrantes, afro-americanos, comunistas, chineses... Diante desta realidade, a proposta de Chomsky é internacionalismo ou extinção, temos que nos unir, estar juntos, ou então nos destruiremos. Mas para isso, ainda falta vontade e consciência para entender e uma predisposição para criar um mundo melhor, ético, dedicado a que todos os seres humanos possam viver em vez de uns poucos enriquecerem.
Com a ajuda de Robert Bilott, a reflexão deste último seminário abordou questões relacionadas aos aspectos legais, procurando que os tribunais defendam o direito à água potável, uma luta em que o advogado está envolvido nos Estados Unidos, procurando eliminar a burocracia que de fato impede que as reclamações dos afetados prosperem. Nessa luta, ele enfatizou a importância de mais pessoas denunciando e pressionando aqueles que fazem regulamentos, alegando que o que gera mudanças é a consciência pública. Esta é uma luta em que participam os povos originários, como disse Ximena Lombana Cortés. Da Amazônia colombiana, ela exigiu a necessidade de reconhecer aqueles que cuidam da Amazônia, como sinal de resistência contra as grandes companhias petrolíferas, que criminalizam e assediam o povo, utilizando as forças públicas.
Isto mostra a importância das ações locais, dos processos de confluência social e cidadã, da organização de processos de base e estratégias de mobilização, algo realizado pela REPAM, através do Eixo dos Direitos Humanos, no qual Ximena participa. Segundo ela, isso mostra a importância do trabalho da Igreja neste campo, afirmando o compromisso cristão e cívico como Igreja, que teve um grande impulso com o pontificado do Papa Francisco, o qual ela considera um escudo protetor, e que se traduz na promoção de boas práticas socioambientais, por exemplo no que na região é conhecido como chácara amazônica, e em um sentimento de fazer parte da Casa Comum, mas não em palavras, mas em ações.
Não podemos esquecer que a água sempre foi uma questão política e será ainda mais na próxima década, como afirmou Loïc Fauchon, Presidente do Conselho Mundial da Água. Ele vê a água como veículo de paz entre os povos e as nações, destacando a importância das negociações políticas sobre algo que pode ser fonte de conflito ou de paz. De fato, a água é vida em todas as línguas, também no Corão, na Bíblia, em todas as religiões ela manifesta a importância da água em um nível espiritual e material. Nesse sentido, Fauchon enfatiza que a água é um bem público, um bem comunitário, que tem sido cada vez mais maltratado e mal utilizado devido à falta de cuidado. As causas do descaso estão em uma demografia em constante crescimento, no desperdício e nas mudanças climáticas, o que aumenta a vulnerabilidade.
O direito à água não faz sentido se não priorizarmos o acesso à água. Se não há acesso, não há direito, o que exige sair do conceito teórico para aplicações práticas, na opinião do Presidente do Conselho Mundial da Água. Isto exige a existência de regulamentos que garantam quantidades mínimas para todos os lares, segurança da água para que não haja faltas e para garantir a eficiência de seu uso. O acesso à água tem que ser implementado como um imperativo diário, garantindo água para hoje e para o futuro, evitando a contaminação. Isto requer, diz Fouchon, conhecimento, financiamento e governança, para os quais já existem as condições técnicas. É por isso que a ação política deve ser promovida, porque a água é política, fonte de rivalidade em diferentes níveis, afirmando que a segurança da água é importante para a paz e o desenvolvimento. É por isso que dar um mínimo de água e saneamento aos mais vulneráveis tem que ser a primeira prioridade.
Com foco na Amazônia, Carlos Nobre afirmou que a mudança climática está modificando o ciclo hidrológico, causando uma maior frequência de extremos hidrológicos, secas e enchentes na Amazônia, e outras regiões com furacões cada vez mais intensos. O cientista brasileiro relatou a grande seca no sul da Amazônia e na região do Pantanal, o que aumentou o número de incêndios. Tudo isso traz no horizonte uma aceleração das áreas semidesérticas no Brasil e uma mudança na hidrologia em nível global, com o desaparecimento dos rios voadores, originários da Amazônia e distribuídos por toda a América do Sul, em sua maioria na bacia do Rio da Prata. O risco de savanização em 70% da floresta está aumentando, como evidenciado pelo fato de a estação seca durar mais 3 ou 4 semanas.
A pandemia da COVID-19 nos leva a pensar, na opinião de quem foi convidado a participar do Sínodo para a Amazônia, o quanto é importante proteger este ecossistema para todo o planeta, afirmando que é essencial proteger a floresta amazônica se quisermos evitar futuras pandemias. Para isso, ele se propõe a aprender com os conhecimentos ancestrais, indígenas, daqueles que sabem manejar a floresta, criando uma variedade de produtos que enriquecem seu estilo de vida, daqueles que estão comprometidos com a terra, melhorando a fertilidade, mesmo em solos muito pobres. Defende também a necessidade de desenvolver florestas permanentes e rios saudáveis, livres de contaminação por mercúrio, para gerar uma nova bioeconomia, para melhorar a resiliência à mudança climática e para gerar inclusão.
A falta de água é uma das causas do maior número de migrantes e refugiados da história, chegando a 272 milhões, aumentando em 24 pessoas por minuto, 38.000 por dia. Esta situação deve provocar uma reflexão sobre a relação entre migração e teologia, em nível pastoral, espiritual e teológico, o que nos ajudará a compreender as decisões sociais e políticas de uma forma mais abrangente, como declarou Daniel Groody. Em sua apresentação, ele contou histórias de migrantes, principalmente no Mediterrâneo e na fronteira entre o México e os Estados Unidos, dois lugares onde o Papa Francisco fez sentir sua presença. Na verdade, Lampedusa foi a primeira viagem do Papa, onde celebrou a Eucaristia com elementos feitos a partir dos restos de um navio que se afundou.
Segundo o vice-presidente da Universidade de Notre Dame, precisamos de uma nova narrativa, uma nova maneira de ver o mundo, algo que a teologia nos ajuda a fazer na medida em que entendemos que somos feitos à imagem de Deus, o que leva a tratar os migrantes como seres humanos e não como alguém que não é ninguém. Nesse sentido, a missão da Igreja é tornar possível para todos nós sentarmos à mesma mesa. Somos chamados a transcender a identidade nacional para uma identidade maior, com uma conexão além da identidade nacional, promovendo uma visão de comunhão. Para Groody, um imigrante é um reflexo de Cristo, um desafio à solidariedade humana, que exige a criação de uma política de acolhida e solidariedade, pois tudo está ligado ao Corpo de Cristo.
A falta de água, um direito básico universal, afeta sobretudo os países do Sul, que pagam a conta dos países do Norte, que emitem mais de 80% dos gases de efeito estufa, perguntando-se como o Norte pode ajudar a salvar a dívida ecológica para com o Sul. Esta dívida ecológica é uma enorme injustiça para com o Sul, que fornece matérias-primas e oxigênio, e que não resolve por falta de vontade política. Por esta razão, Solanas exige a existência de um Tribunal Penal Internacional para crimes ambientais, que prejudicam grandes grupos de pessoas, com a complacência dos Estados. Estes são crimes que, segundo o embaixador argentino, são verificados ao longo do tempo, há impunidade e cumplicidade com os interesses econômicos. Daí a necessidade de uma mudança cultural para uma mudança civilizadora que nos permita continuar a existir. Isto exige formação das crianças para cuidar da natureza, algo para o qual não há vontade política.
Miguel Heinz também esteve presente entre os palestrantes, centrando sua reflexão sobre a Laudato Si', o Sínodo da Amazônia e a pandemia de coronavírus e os Direitos Humanos. Laudato Si', que para Fernando Solanas é o documento cultural mais sábio e responsável das últimas décadas, insiste, segundo o Diretor do Adveniat, na necessidade da qualidade da água disponível para os pobres, cuja falta causa muitas mortes todos os dias, no acesso à água potável como um direito humano que temos que defender, um direito que se não for defendido, se perde, afirmando que o controle da água pelas grandes empresas será uma fonte de conflito neste século.
O direito à água também aparece no Documento Final do Sínodo para a Amazônia, sublinhando o direito à água e apoiando iniciativas práticas, refletindo sobre a privatização e contaminação da água na Amazônia, algo que afeta os povos indígenas devido à contaminação por mercúrio, o que deve levar a um compromisso de cuidado com as pessoas que vivem nesta casa comum, pois, na opinião de Heinz, a defesa dos direitos humanos não é uma opção, é uma obrigação para todos os cristãos. Nesse sentido, a COVID agrava as violações dos direitos humanos e é uma lupa que revela as injustiças estruturais, mostrando que somos parte do problema, com nosso estilo de vida apoiamos a situação.
A esperança é apresentada como o caminho a seguir, na opinião do Cardeal Claudio Hummes, como algo a ser construído, uma metodologia do espírito, que marca o tempo e a possibilidade de fazer uma cerâmica do futuro. O Cardeal aposta em uma nova economia, justa, solidária e respeitadora do meio ambiente, superando a crise climática, acelerada pela destruição dos biomas, o que mostra os pecados do capitalismo. Para isso é necessário reconhecer o outro, aqueles que não têm, os povos originários, para ser uma Igreja inculturada, que se indigna quando o diálogo é impossível, sentindo a necessidade de denunciar, de levantar sua voz diante do etnocídio e do ecocídio, que se indigna diante da destruição da natureza.
O presidente da REPAM denunciou a existência do neorracismo e do neocolonialismo, defendendo a necessidade de promover uma pedagogia de cuidado com a Casa Comum, que é aquela que está associada a uma economia transgeracional, o que ajuda a entender que minha existência pessoal só é possível com a existência do outro. Ao mesmo tempo, ele insistiu que, se soubermos o que é certo, é indigno permanecer neutro. O cardeal Hummes está comprometido com o caminho do diálogo e da justiça social, o que requer coragem e humildade na tomada de decisões. Ao mesmo tempo, ele refletiu sobre o significado da REPAM em seus seis anos de caminhada, algo que cresceu a partir das raízes e estende seus braços para encontrar os invisíveis da terra, e o papel da nova Conferência Eclesial da Amazônia - CEAMA que é alimentada pelo Sínodo e propõe a toda a Igreja sair para se encontrar, não para permanecer no conforto do objetivo alcançado.
Na mesma linha de Hummes, o vice-presidente da REPAM, o Cardeal Barreto, destacou a importância desta rede como espaço de coordenação, como algo que ajuda a encontrar formas de colocar em prática a inculturação. O cardeal peruano, que insistiu na necessidade de buscar respostas sem precedentes para uma pandemia sem precedentes, afirmou que o Papa Francisco nos põe a sonhar, ele nos chama a fazer um esforço para convencer as pessoas de que temos que buscar um novo modelo de desenvolvimento alternativo ao atual, que fracassou. Para fazer isso, em linha com o tema do seminário, ele enfatizou a importância de viver a experiência de que a água não é uma simples mercadoria, mas um direito inalienável de cada pessoa.
Não esqueçamos que estes seis encontros, realizados nos últimos três meses, foram enquadrados no quinto aniversário da Encíclica Laudato Si', das Metas de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas, do Acordo de Paris (COP21) e dos desafios que se seguem à pandemia pela qual a humanidade está passando, a fim de trabalhar no aprendizado e nas propostas de cenários futuros, buscando pensar em caminhos e possibilidades para um mundo melhor.
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"É fundamental mudar nosso estilo de vida, criando um sistema onde as pessoas possam prosperar e viver uma vida digna", afirma Noam Chomsky - Instituto Humanitas Unisinos - IHU