16 Setembro 2020
No prefácio do livro da Livraria Editora Vaticana “Para um conhecimento da paz”, o Papa dirige-se em particular aos jovens que pretendem se especializar em “Ciências da Paz”: o gosto pelo estudo, diz o Pontífice, deve ir acompanhado de um coração inspirado no Evangelho, capaz de compartilhar as esperanças e as ansiedades dos homens e mulheres de hoje.
A reportagem é de Eugenio Bonanata e Alessandro De Carolis, publicada por Vatican News, 15-09-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
A necessidade de investir nas gerações jovens para enfrentar o clima de guerra e violência mútua que caracteriza a sociedade contemporânea. O papa Francisco volta a destacar isso em um texto inédito que é prefácio do livro “Para um conhecimento da paz”, a nova publicação da Livraria Editora Vaticana.
Editado por Gilfredo Marengo – vice-presidente e professor de Antropologia Teológica do Pontifício Instituto Teológico “João Paulo II” para as Ciências do Matrimônio e da Família –, o volume olha para o futuro proporcionando alguns elementos de reflexão. Francisco explica que o objetivo é ajudar a definir os contornos de uma figura específica como o trabalhador pela paz, recordando sua recente decisão de estabelecer um ciclo de estudos em Ciências da Paz na Pontifícia Universidade Lateranense. “Um bom trabalhador pela paz”, diz o Pontífice, “deve ser capaz de amadurecer uma visão de mundo e da história, que não caia em um ‘excesso de diagnóstico’, que nem sempre vai acompanhado de propostas resolutivas e verdadeiramente aplicáveis”. Trata-se, observa, de “ir mais além de um enfoque puramente sociológico que tem a pretensão de abarcar toda a realidade de maneira neutra e asséptica”, aprendendo “a estar atento aos sinais dos tempos”, para “saber operar um verdadeiro discernimento evangélico”.
Entre as contribuições, também se encontra um documento do arcebispo Paul Richard Gallagher, secretário de Relações com os Estados, e do cardeal Renato Raffaele Martino, presidente emérito do Conselho Pontifício de Justiça e Paz e presidente emérito do Conselho Pontifício para a Pastoral dos Migrantes e Itinerantes.
A mudança de época que a humanidade está experimentando está conformando o que se denominou repetidamente como ‘uma terceira guerra mundial em capítulos’. Sabemos quanto o medo de uma guerra mundial, capaz de destruir toda a humanidade, marcou nosso passado recente. São João XXIII dedicou sua última encíclica, dirigindo-a para todos os homens de boa vontade o tema da paz (Pacem in Terris, 11 de abril de 1963). E como não recordar do sincero chamado de São Paulo VI à Assembleia das Nações Unidas: “Nunca mais uns contra os outros; jamais, nunca mais...” (04 de outubro de 1965).
Lamentavelmente, devemos destacar que hoje em dia o mundo segue imerso em um clima de guerra e violência mútua: esta dolorosa realidade não somente exige que mantenhamos vivo o chamado à paz, mas sim que quase nos obriga a nos fazer perguntas decisivas.
Por que em um mundo em que a globalização demoliu tantas fronteiras, em que estamos todos – diz-se – interligados, continuamos a praticar a violência nas relações entre indivíduos e comunidades?
Por que aqueles que são diferentes de nós costumam nos assustar tanto a ponto de nos fazer assumir um comportamento defensivo e suspeitar que muitas vezes se transforma em agressão hostil?
Por que os governos dos Estados acreditam que o desdobramento de sua força, mesmo com atos de guerra, pode dar a eles maior credibilidade aos olhos de seus cidadãos e aumentar o consenso de que desfrutam?
Essas e outras questões não podem ser respondidas de maneira geral e precipitada. É preciso empenho no estudo, é preciso investir na pesquisa científica e na formação das jovens gerações. Por estes motivos, considerei necessário instituir na Pontifícia Universidade Lateranense um Ciclo de Estudos em Ciências da Paz, com base na convicção de que a Igreja é chamada a comprometer-se “na resolução dos problemas relacionados com a paz, a harmonia, o meio ambiente, a defesa da vida e dos direitos humanos e civis” (Exortação apostólica Evangelii gaudium, 65).
Nesse compromisso “o mundo universitário tem um papel central, um lugar que simboliza aquele humanismo integral que precisa ser continuamente renovado e enriquecido, para que possa produzir a corajosa renovação cultural que o momento atual exige”. Isto também desafia a Igreja que, com a sua rede mundial de universidades eclesiásticas, pode “dar o contributo decisivo do fermento, do sal e da luz do Evangelho de Jesus Cristo e da Tradição viva da Igreja sempre aberta a novos cenários e novas propostas”, como recordei recentemente ao reformar o sistema de estudos acadêmicos nas instituições eclesiásticas. (Cf. Constituição Apostólica Veritatis Gaudium, 2). Certamente, isso não significa alterar o sentido institucional e as tradições consolidadas de nossas realidades acadêmicas, mas antes orientar sua função na perspectiva de uma Igreja mais marcadamente “em saída” e missionária. De fato, é possível enfrentar os desafios do mundo contemporâneo com uma capacidade de resposta adequada em termos de conteúdo e compatível em termos de linguagem, antes de mais nada dirigindo-nos às novas gerações”(Carta ao Cardeal De Donatis por ocasião da constituição do novo curso de estudos em "Ciências da Paz", 12 de novembro de 2018).
Este volume oferece uma primeira visão geral de alguns dos centros de interesse deste novo empreendimento acadêmico. É necessariamente interdisciplinar e expressa um diálogo fecundo entre filosofia, teologia, direito e história. Espero que o aprofundamento rigoroso destas linhas de investigação, alimentadas também pelos contributos das ciências humanas, propicie o crescimento de um “conhecimento da paz” para formar pacificadores verdadeiramente valiosos, dispostos a se colocarem em jogo nos mais diversos campos da vida de nossas sociedades.
Desejo enfatizar que um bom trabalhador pela paz deve saber amadurecer um olhar para o mundo e para a história que não caia num ‘excesso de diagnóstico’, que nem sempre é acompanhado de propostas decisivas e verdadeiramente aplicáveis (Exortação Apostólica Evangelii gaudium, 50). É necessário, de fato, ultrapassar uma abordagem puramente sociológica que procura abranger a totalidade da realidade de forma neutra e asséptica. Quem pretende tornar-se um especialista em Ciências da Paz deve aprender a estar atento aos sinais dos tempos: o gosto pela pesquisa e pelo estudo científico deve ser acompanhado por um coração capaz de partilhar “as alegrias e as esperanças, as dores e as angústias dos homens de hoje” (Conc. Ecum. Vat. II, Const. Gaudium et Spes, 1) para saber fazer um verdadeiro discernimento evangélico.
Precisamos muito de homens e mulheres bem preparados, equipados com todas as ferramentas necessárias para ler e interpretar a dinâmica social, econômica e política de nosso tempo. O empenho nestes caminhos de formação pode ser uma ajuda válida para muitos jovens descobrirem que “a vocação leiga é antes de tudo a caridade na família e a caridade social ou política: é um compromisso concreto baseado na fé para a construção de uma nova sociedade , é viver no meio do mundo e da sociedade para evangelizar suas diversas demandas, fazer a paz, a convivência, a justiça, os direitos humanos, a misericórdia e, assim, estender o Reino de Deus no mundo”. (Postin. Ap. Exortação Christus vivit, 168).
Agradeço ao professor Marengo, que editou este volume, assim como aos relatores cujas contribuições abrem caminho para o amadurecimento deste indispensável campo da pesquisa científica, destinado a fomentar práticas de paz e harmonia entre os homens e os povos.
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Francisco: o construtor da paz hoje, realismo e humanidade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU