11 Setembro 2020
Região amazônica apresentou aumento de 159% nas mortes na última semana. Contudo, aglomerações foram constantes no feriado, o que se repetiu em todo o Brasil.
A reportagem é de Gabriel Valery, publicada por Rede Brasil Atual, 09-09-2020.
A região amazônica vive um momento de elevação das mortes por covid-19. A retomada da doença provocada pelo novo coronavírus na região foi adiantada pela Rede Brasil Atual, a partir de tendências apresentadas pelo epidemiologista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) no Amazonas, Jesem Orellana.
Até o fim da última semana, a variação média em sete dias registrada no estado revelou escalada das mortes por covid-19 de 159%. O estado passou por quatro fases de flexibilizações do distanciamento social nos últimos meses. O abandono das medidas de proteção foi precipitada, de acordo com cientistas, e os resultados começam a aparecer. Uma “segunda onda” de contágio já pode ser notada na região.
“Agora que estão ‘enxergando’ a segunda onda. Tenho dito isso desde o início de agosto, quando fiz questão de lembrar a todos que o papel de um epidemiologista deveria ser o de se antecipar ao desastre e não esperar o tempo passar para descrevê-lo. Ou, no máximo, contar doentes, sequelados e mortos”, afirmou Jesem à RBA.
Estados e municípios passaram a derrubar as fracas medidas de isolamento impostas no começo da pandemia, após a Organização Mundial da Saúde (OMS) constatar redução da velocidade de contaminação no Brasil. Isso foi no final de junho. Desde então, o Brasil viu a pandemia crescer e passar por seu período mais letal. Mais de 75% das cerca de 130 mil mortes já registradas no país ocorreram após este movimento.
Entretanto, o recrudescimento da pandemia não fez com que as medidas voltassem a vigorar. “Está registrado e a história cobrará os covardes, traidores e irresponsáveis! Lamentavelmente, não aprendemos com o trágico cenário observado em abril e maio em Manaus. Erros que têm colocado a cidade como exemplo negativo por cientistas de renomadas instituições de pesquisa”, afirma Jesem.
De fato, após novo recuo na pandemia em boa parte do Brasil no fim de agosto, a OMS e a Imperial College, instituição londrina de epidemiologia, voltaram a falar sobre o recuo do vírus no país. O que se viu, desde então, foi o completo descaso com a covid-19.
Nas últimas duas semanas, especialmente, aglomerações frequentes, praias e bares lotados. Tudo sob olhar apático do poder público. Rio de Janeiro, São Paulo, assim como outros estados registraram eventos de aglomeração que viralizaram nas redes sociais. Em Manaus não foi diferente. O porto da cidade registrou filas enormes de carros para a saída da capital para o feriado. “Enquanto isso, a cidade segue cumprindo seu trágico papel, disseminando linhagens virais à vontade pelo interior do Amazonas, no clima do ‘o pior já passou e está tudo sobre controle'”, continua o cientista.
Segundo Jesem, o exemplo de Manaus tende a se repetir no resto do Brasil. “O pior, é que nem depois de tudo isso, outras capitais e estados do Brasil aprenderão com os graves erros do Amazonas”, alerta.
As consequências deverão aparecer em alguns dias. O primeiro estágio da covid-19 á assintomática, apesar de contagiosa. Sintomas mais graves aparecem de 10 a 15 dias após o contágio. “Mais uma vez, reforçamos que a mortalidade por covid-19 é um indicador tardio da circulação do vírus e reflete o seu comportamento de semanas atrás. Portanto, o seu aumento reflete a configuração inicial da segunda onda da morbimortalidades, provavelmente decorrente do retorno imprudente e desumano das aulas presenciais na rede pública e privada e, principalmente, da circulação de dezenas de milhares de pessoas, direta e indiretamente envolvidas nessas atividades”, argumenta o cientista.
Por fim, Jesem faz novo apelo pela retomada de medidas de contenção do vírus. “É urgente que medidas efetivas e de amplo alcance, como testagem em massa, tratamento e/ou rastreamento de casos e seus contatos, bem como suspensão imediata das aulas presenciais sejam tomadas para conter a circulação viral.”
“É inaceitável que a população local (de Manaus) esteja mergulhada há mais de 6 meses em uma espécie de ‘experimento natural’, onde parecem usar a cidade como um grande laboratório, forçando a imunidade de rebanho natural, sem qualquer preocupação ética ou humanitária com as pessoas que adoecem, morrem ou sobrevivem com sequelas transitórias ou permanentes. Até quando suportaremos tudo isso? Talvez tenhamos mesmo que esperar pela justiça divina, pois a dos homens parece estranhamente silenciada”, lamenta.
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Retomada da covid-19 em Manaus pode indicar nova onda de contágio em todo o país - Instituto Humanitas Unisinos - IHU