Volta às aulas. Não. Todos não têm razão!

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Mais Lidos

  • Alessandra Korap (1985), mais conhecida como Alessandra Munduruku, a mais influente ativista indígena do Brasil, reclama da falta de disposição do presidente brasileiro Lula da Silva em ouvir.

    “O avanço do capitalismo está nos matando”. Entrevista com Alessandra Munduruku, liderança indígena por trás dos protestos na COP30

    LER MAIS
  • Dilexi Te: a crise da autorreferencialidade da Igreja e a opção pelos pobres. Artigo de Jung Mo Sung

    LER MAIS
  • Às leitoras e aos leitores

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

10 Setembro 2020

"2020 não foi, nem é, um ano perdido. A maioria das famílias sobrevivem a maior pandemia da história de todas as pessoas vivas na maior parte dos países do mundo! O ano letivo sim foi comprometido, mas como em todos os anos letivos, temos a saudar que este ou aquele afeto saiu vivo", escreve José Carlos Sturza de Moraes, cientista social, mestre em Educação, especialista em Ética e Educação em Direitos Humanos e especialista em Educação de Jovens e Adultos e Educação de Privados de Liberdade.

Eis o artigo.

No que diz respeito ao retorno escolar, tem sido lugar comum nos meios de comunicação, repórteres e comentaristas dizerem que todos têm razão. Tanto as pessoas que são a favor da volta às aulas, com variados níveis de cuidado ou sem qualquer um, quanto as pessoas que defendem o não retorno, desde aquelas que só neste momento em que ainda persiste o contágio e as mortes (inclusive aumentando em algumas cidades) até aquelas mais radicais que defendem a volta só quando houver vacina com resultados evidentes.

Não. Acredito que todos não tem razão. Têm motivos e responsabilidades. Ou deveriam. Assim como pensar-reflexionar sobre quais sejam. Especialmente, penso que gestores e gestoras públicas têm menos razões e mais responsabilidades, ou deveriam.

Li atentamente a Portaria Conjunta SES/SEDUC/RS nº01/2020, firmada pela secretária estadual de saúde e pelo secretário estadual de educação do Rio Grande do Sul. É um documento longo e detalhado, ao mesmo tempo que indicativo - em diversas de suas partes - da impossibilidade de seu cumprimento. Noves fora que não detalha de forma nenhuma qual deva ser a composição dos Centros de Operações de Emergência em Saúde para a Educação no âmbito de cada escola (COE-E Local), se trabalhadores(as) em educação, pais e mães e estudantes deveriam integrá-los. Diz que um representante da comunidade escolar. Ora, quem compõe a tal comunidade e como é escolhida essa pessoa? Portanto, já nasce um documento precário, vez que permite tamanha responsabilidade nas mãos de poucas pessoas, podendo ser - no limite - a direção da escola e quem essa entender que deve.

Nem a Portaria, nem o Decreto nº 55.465, de 5 de setembro de 2020, publicado no feriadão de 7 de setembro, indicando o retorno da Educação infantil para 08 de setembro (descalabro!), do Ensino Superior e do Ensino Médio para 21 de setembro, do Ensino Fundamental/anos finais para 28 de outubro e do Ensino Fundamental/anos iniciais para 12 de novembro, dão conta do suporte que será/seria dado aos municípios e à cada educandário para que essa volta seja possível. Terão álcool gel, termômetros infravermelhos e EPIs para todas as pessoas trabalhadoras em educação de cada escola e todas as pessoas estudantes? Parece que isso é remetido para que cada educandário dê conta.

É uma situação grave. Pessoas em funções de gestão pública, com capacidade de decretar procedimentos devem ter cuidado ao fazê-lo. Devem ter precaução ao fazê-lo. Não podem ser motivadas por achismos ou superficialidades. O contexto de mais de 4 milhões de pessoas contaminadas e 130 mil mortos até o momento, pede cautela, precaução e todos os seus sinônimos.

Como se sabe, muitas salas de aula em todo o Brasil, atendem a mais estudantes que a capacidade instalada de seu espaço e de outros aspectos arquitetônicos. O parâmetro nacional é de 1,20 m² por estudante. Salas de aula de 5m x 6m, com 40 estudantes, por exemplo, rendem um espaço de 0,75 cm² por estudante (não inclusa a pessoa docente na sala de aula). Uma sala de aula dessas deveria abrigar, no máximo 25 estudantes, para dar conta do parâmetro nacional. Nesse caso, qual será a metade? 20 ou 12/13? E se a maioria quiser aula presencial? Qual será o distanciamento? Qual a proteção efetiva?

Com sintomas gripais, docentes não devem ir às aulas. Estudantes também não. No Rio Grande do Sul, estado paraíso das farmácias, neste final de inverno e início da primavera, e seus corriqueiros resfriados, gripes e alergias, como manter aulas regulares? Mudou a bandeira, fecha a escola? Que ensino é esse?

2020 não foi, nem é, um ano perdido. A maioria das famílias sobrevivem a maior pandemia da história de todas as pessoas vivas na maior parte dos países do mundo! O ano letivo sim foi comprometido, mas como em todos os anos letivos, temos a saudar que este ou aquele afeto saiu vivo. Que teremos abraços e festas. Que as escolas seguirão sendo ponto de encontro de vida e não de temeridades e, eventualmente, vetores de transmissão de um vírus que mata de 3 a 5 pessoas em cada 100 infectadas. Mata pessoas velhas, e mata também pessoas de meia idade, e crianças e adolescentes.

O orgulho da família é pelas conquistas de cada pessoa que a integra. É pelo amor. Não podemos legar às nossas crianças e adolescentes a responsabilidade serem vetor de morte em casa ou na escola. Nem, tampouco, de serem seres alienados e sem empatia. O momento exige que conservemos o essencial. O essencial é a vida.

 

Leia mais